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SAUDADE

Ana Maria Saul

Em livros de Paulo Freire, escritos na década de 90, encontramos várias

passagens que fazem menção à saudade. Neles, o autor diz de sua saudade

fazendo referência a fatos de sua infância e adolescência e, especialmente, ao

período em que viveu no exílio.

Em Cartas a Cristina (1994), Freire retorna à sua infância e adolescência

para dizer o quanto pode aprender desses momentos difíceis de sua vida. Ao

retomar suas lembranças, re-explicando o passado de forma crítica, o autor se

posiciona com historicidade ante o presente e projeta o futuro. Essa análise

está encharcada de saudade e é assim esclarecida: “... não faço este retorno

como quem se embala sentimentalmente numa saudade piegas ou como quem

tenta apresentar a infância e a adolescência pouco fáceis como uma espécie

de salvo-conduto revolucionário Esta seria, de resto, uma pretensão ridícula”

(p. 31). Essa volta ao passado é, segundo explica Freire, um ato de

curiosidade necessário que permite tomar distância do que houve, de forma

objetivada, procurando a razão de ser dos fatos com os quais esteve

envolvido e com a realidade social da qual participou. Ao lembrar, dessa

forma, ele perfila o tempo, assumindo-o como medida humana, como

História.

Em Pedagogia da esperança, Freire faz várias menções à saudade que

viveu nos tempos de exílio: “é muito difícil viver o exílio, esperar a carta que

se extraviou, a notícia do fato que não se deu [...] conviver com todas as

saudades diferentes – a da cidade, a do país, a das gentes, a de uma certa

esquina, a da comida” (p. 34 e 35).

Ao dizer da saudade impregnada em suas memórias, Paulo Freire se

expõe deliberadamente, e sem receio, aos seus leitores. É possível

reconhecer, em seus escritos, a intensa saudade que ele experimentou, em

meio a uma avalanche de sentimentos adversos sem, todavia, deixar que essa

saudade se transformasse em pura nostalgia. A propósito de sua experiência

no exílio escreve: “Cheguei ao Chile de corpo inteiro. Paixão, saudade,

tristeza, esperança, desejo, sonhos rasgados mas não desfeitos, ofensas,

saberes acumulados nas tramas inúmeras vividas, disponibilidade à vida,

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