Dicionario-Paulo-Freire-versao-1
RIGOR/RIGOROSIDADEDanilo R. StreckNos primeiros escritos de Paulo Freire não se percebe uma preocupaçãoem explicitar a questão do rigor ou da rigorosidade. O tema surgeprincipalmente a partir da década de 1980, possivelmente motivado por doisfatores. O primeiro deles tem a ver com a permanente necessidade dereafirmar que educação libertadora não é sinônimo de educação semautoridade. Para ele, o professor sempre tem papel fundamental na conduçãoou direção do processo de aprender-ensinar. O segundo fator está ligado àsuspeita levantada em alguns meios acadêmicos (mais ditas que escritas) quea obra de Paulo Freire carece de consistência e coerência teórica.Em Medo e ousadia, no diálogo com Ira Shor (cap. 3), o assunto éamplamente debatido a partir da problematização de Ira Shor no sentido dequerer saber que tipo de rigor deveria funcionar numa sala de aula dialógica etransformadora. Os professores, dizia Shor, estão no final de uma grandecorrente formada pelo capital e pelas forças políticas e se percebem cada vezmais como executores de tarefas preestabelecidas. Não seria a educaçãolibertadora parte do “salve-se quem puder”? Freire inicia a resposta com adenúncia da falsa compreensão de que professores e alunos se acostumaram aaceitar como natural a dependência de “autoridades” para desenvolver o seucurrículo e que por isso têm dificuldade em ver que a educação dialógicapossa ser rigorosa, numa outra acepção da palavra.Rigor, para Freire, é diferente de rigidez e de autoritarismo. Segundo ele,“o rigor vive com a liberdade, precisa de liberdade. Não posso entender comoposso ser rigoroso sem ser criativo. Para mim, é muito difícil ser criativo senão existe liberdade. Sem liberdade, só posso repetir o que me é dito”(FREIRE; SHOR, 1986, p. 98). Estabelece uma relação direta, talvez paradoxal,entre rigor, liberdade e criatividade. Usa a seguir, praticamente comosinônimo de rigoroso, os adjetivos sério e exigente. Tal como o rigor, aseriedade e a exigência podem coexistir com a alegria e com a curiosidade. E,sobretudo, com a competência e o compromisso profissional: “Do ponto devista dos estudantes, um professor dialógico que é incompetente e que não ésério provoca conseqüências muito piores do que um educador ‘bancário’
sério e bem informado” (p. 101).Em Pedagogia da autonomia, a “rigorosidade metódica” está posta comoo primeiro saber necessário à prática educativa, antecedendo criticidade, éticae estética, alegria e apreensão da realidade, entre outros. Pode-se ver nisso apreocupação de Freire em indicar para os educadores que sua atividade estáinvestida de um compromisso ético-político que não pode ser dissociado dotestemunho de vida pessoal e da competência profissional. O adjetivo“metódica” expressa a insistência de Freire no sentido de que o ensinar não seesgota na abordagem de um conteúdo, mas se alonga na preocupação com ascondições de uma aprendizagem permanente. Sinaliza também o fato de quese transformar em sujeito do processo de aprender exige disciplina, esforço epermanente autovigilância com relação ao “pensar certo” e ao “ensinarcerto”. Em suas palavras: “Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, àsvezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma dascondições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos denossas certezas” (FREIRE, 1996, p. 30).O tipo de rigorosidade de Freire pode ser visto na forma como trata ostemas. Há uma aproximação amorosa do objeto a ser compreendido, devários ângulos, numa abordagem inter(trans)disciplinar. O compromisso nãoé com determinada teoria a ser “comprovada”, mas com o desvelamento darealidade que, por mais competente que seja o exercício, será sempre maiorque a capacidade de apreendê-la. Há, na teoria freiriana, a libertação de umarigorosidade que transforma os meios em fim, tornando-se muitas vezes umobstáculo para a compreensão da realidade (STRECK, 2001, p. 122). Essamaneira de lidar com teoria e com autores, torna impossível enquadrar Freireem determinada corrente de pensamento filosófico ou pedagógico. As notasde rodapé de Pedagogia do oprimido talvez sejam o melhor exemplo decomo ele lida com as suas fontes: Marx aparece ao lado de um camponês e deChe Guevara, Erich Fromm junto com Albert Memmi ou Franz Fanon, KarlJaspers ao lado de Hegel. Há o entendimento tácito de que a realidade écomplexa e que a rigorosidade consiste na utilização de todos os instrumentosdisponíveis para capacitar os sujeitos a mudá-la. Essas escolhas, no entanto,também não são aleatórias. Elas estão fundadas em princípios éticos e emopções políticas que têm como horizonte o ser mais.Referências: FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.São Paulo: Paz e Terra, 1996; FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.
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sério e bem informado” (p. 101).
Em Pedagogia da autonomia, a “rigorosidade metódica” está posta como
o primeiro saber necessário à prática educativa, antecedendo criticidade, ética
e estética, alegria e apreensão da realidade, entre outros. Pode-se ver nisso a
preocupação de Freire em indicar para os educadores que sua atividade está
investida de um compromisso ético-político que não pode ser dissociado do
testemunho de vida pessoal e da competência profissional. O adjetivo
“metódica” expressa a insistência de Freire no sentido de que o ensinar não se
esgota na abordagem de um conteúdo, mas se alonga na preocupação com as
condições de uma aprendizagem permanente. Sinaliza também o fato de que
se transformar em sujeito do processo de aprender exige disciplina, esforço e
permanente autovigilância com relação ao “pensar certo” e ao “ensinar
certo”. Em suas palavras: “Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às
vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das
condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de
nossas certezas” (FREIRE, 1996, p. 30).
O tipo de rigorosidade de Freire pode ser visto na forma como trata os
temas. Há uma aproximação amorosa do objeto a ser compreendido, de
vários ângulos, numa abordagem inter(trans)disciplinar. O compromisso não
é com determinada teoria a ser “comprovada”, mas com o desvelamento da
realidade que, por mais competente que seja o exercício, será sempre maior
que a capacidade de apreendê-la. Há, na teoria freiriana, a libertação de uma
rigorosidade que transforma os meios em fim, tornando-se muitas vezes um
obstáculo para a compreensão da realidade (STRECK, 2001, p. 122). Essa
maneira de lidar com teoria e com autores, torna impossível enquadrar Freire
em determinada corrente de pensamento filosófico ou pedagógico. As notas
de rodapé de Pedagogia do oprimido talvez sejam o melhor exemplo de
como ele lida com as suas fontes: Marx aparece ao lado de um camponês e de
Che Guevara, Erich Fromm junto com Albert Memmi ou Franz Fanon, Karl
Jaspers ao lado de Hegel. Há o entendimento tácito de que a realidade é
complexa e que a rigorosidade consiste na utilização de todos os instrumentos
disponíveis para capacitar os sujeitos a mudá-la. Essas escolhas, no entanto,
também não são aleatórias. Elas estão fundadas em princípios éticos e em
opções políticas que têm como horizonte o ser mais.
Referências: FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996; FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.