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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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evolução; e são inacabados, porque são imperfeitos.

Dessa “ontologia universal” emerge uma “ontologia humana”: se a

incompletude, a inconclusão e o inacabamento são inerentes também aos

seres humanos, o que os distinguiria dos demais seres, o que seria

idiossincrático à espécie? Para o educador pernambucano, diferentemente do

que diz nossa tradição filosófica, a singularidade da espécie não estaria na

inteligência, nem na vontade livre, mas o que distinguiria os seres humanos

dos demais seres é o fato de terem consciência de que são incompletos,

inconclusos e inacabados.

Em decorrência dessa consciência a respeito de nossas “limitações

ontológicas”, agimos de modo diferente dos demais seres da natureza.

Enquanto os animais, por exemplo, estão “instalados em seu aparato”, como

dizia Freire (passim), nós, os humanos, vivemos a permanente tensão entre

“ser” e “ser mais”, uma vez que estamos sempre insatisfeitos com o que

somos, em função da consciência que temos de nossa incompletude, de nossa

inconclusão e de nosso inacabamento. Assim, a “ontologia humana”

apresenta-se com a marca distintiva de uma tensão, que se resolve,

existencialmente, na esperança de “ser mais”. De fato, se buscamos a

plenitude, a conclusão e a perfeição, esforçando-nos e investindo em nossa

própria educação e na de nossos filhos, é porque temos esperança de que

vamos sair de nossa condição de “ser” e alcançar o “ser mais”. Por isso,

somos, ontologicamente, esperançosos (e esperança não se confunde com

espera) e pedagógicos.

Já nas “Primeiras palavras” de Pedagogia da esperança (1992), Paulo

Freire assim se exprimiu: “Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por

imperativo existencial e histórico” (p. 10). Ou seja, o ser humano não é

esperançoso por poesia, nem por um voluntarismo utópico (no sentido

negativo do termo), nem por delírio, mas por determinação ontológica. Em

suma, como dizia Freire (passim), dando, inclusive, uma maior extensão ao

caráter processual de tudo o que existe: “o mundo não é; o mundo está

sendo”. Em consequência, sob essa perspectiva, não somos entes

estruturados, mas seres processuais, históricos, ontologicamente sociais,

porque somos uma tensão permanente entre o que somos e o que queremos

ser. Da mesma forma que determinada corrente materialista dialética

(LUKÁCS, 1979), Paulo Freire considera a ontologia como “ontologia do ser

social”. Sobre esse aspecto, não deixa dúvidas nas “Primeiras palavras” da

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