Dicionario-Paulo-Freire-versao-1
JJUSTIÇA/JUSTIÇA SOCIALJean-Christophe NoëlÀ primeira vista, o conceito de “justiça/justiça social” não tem um lugarcentral na obra de Paulo Freire: essa terminologia aparece só de vez emquando nos seus escritos e não é usada de maneira sistemática. No entanto, oconceito de “justiça”, na sua essência, perpassa o conjunto do pensamentofreiriano. A concepção da justiça em Freire está relacionada ao seucompromisso como humanista radical e refere-se à igualdade natural dosseres humanos entre si. Ou seja, trata-se de uma justiça ao mesmo temporedistributiva e reconhecedora dos seres humanos como sujeitos históricos eculturais.Para melhor entendê-lo, o conceito de “justiça” em Freire deve serpercebido na sua relação dialética com o conceito de “injustiça”, que Freireusa muito mais. A luta por um mundo mais justo é o fundamento e o fiocondutor da obra e da vida de Paulo Freire. A sua utopia, diz ele claramente,é “a permanente mudança do mundo e a superação das injustiças” (FREIRE,2006, p. 84) cujas vítimas são os oprimidos, designados algumas vezes porFreire como “injustiçados”. Mudar o mundo é tanto um direito quanto umdever dos injustiçados e dos líderes (educadores, políticos, etc.) que seengajam com eles na luta solidária pela humanização.O conceito de “justiça” tem relações estreitas com aqueles de “cidadania”e “democracia”. É no contexto brasileiro da década de 1950 e da primeirametade da década de 1960, marcado, de um lado, por uma ordem socialinjusta que recusa até o reconhecimento jurídico aos analfabetos e, de outrolado, pelo “período de transição” caracterizado pelo processo de“democratização fundamental”, que Paulo Freire inicia o que se tornará seuabrangente projeto pedagógico-político. Embora a alfabetização seja naquela
época o caminho a seguir para obter-se o direito de votar, a conquista dessedireito não é a finalidade (nem mesmo um ponto central) do projetoeducativo de Paulo Freire. O educador vê, no período de transição, aoportunidade de trabalhar com os educandos a fim de que desenvolvam umaconsciência crítica da sua condição de classe oprimida, mantida ideológica eestruturalmente numa situação injusta, e engajem-se numa açãotransformadora. Esse engajamento educativo para a libertação do ser humanocomo sujeito histórico e cultural, seja em contextos de alfabetização seja emcontextos de pós-alfabetização, permaneceu no centro de todo o seu trabalho,no Brasil e no mundo. Como destaca Henry A. Giroux (2008, p. 126), “paraFreire, a alfabetização como uma maneira de ler e mudar o mundo tinha queser repensada dentro de uma compreensão mais ampla de cidadania,democracia e justiça que fosse global e transnacional”.A democracia conforme Paulo Freire não pode ser confundida com ademocracia capitalista que abandonou o seu compromisso com a justiçasocial a favor da “ética do mercado”, de acordo com a qual o lucro é maisimportante do que a dignidade humana. Ao contrário, a superação dasinjustiças sociais é para Freire a tarefa fundamental da democracia, tanto nocontexto brasileiro quanto no contexto internacional, marcados pelaglobalização neoliberal cujas estruturas e ideologia erigem-se comoobstáculos contra o desenvolvimento do ser mais. O ponto de partida dessademocracia socialista comprometida com a superação das injustiças é agenuína participação dos cidadãos convidados a dizer a sua palavra.O conceito de “justiça”, conforme Paulo Freire, vai então muito além dadimensão de direito e de reconhecimento jurídico e deve ser percebido naótica humanista do seu compromisso político-pedagógico. Para corresponderà natureza do ser humano, um estar sendo para quem a história é umapossibilidade e o futuro é problemático, a justiça não pode ser reduzida acategorias legais nem ser definida em termos fixos, atemporais edescontextualizados. A justiça deve ser percebida tanto como o caminho aseguir para atingir o ser mais quanto como o objetivo permanente do sermais. Assim como a liberdade, a justiça é uma conquista constante, que deveser balizada pela “ética universal”, a qual o ser humano tem a possibilidadede transgredir, mas o dever de respeitar. A responsabilidade, a autonomia, aesperança, o amor, a coerência, a tolerância, o respeito, a capacidade deindignar-se e a justa raiva são capacidades humanas indispensáveis à luta pela
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JUSTIÇA/JUSTIÇA SOCIAL
Jean-Christophe Noël
À primeira vista, o conceito de “justiça/justiça social” não tem um lugar
central na obra de Paulo Freire: essa terminologia aparece só de vez em
quando nos seus escritos e não é usada de maneira sistemática. No entanto, o
conceito de “justiça”, na sua essência, perpassa o conjunto do pensamento
freiriano. A concepção da justiça em Freire está relacionada ao seu
compromisso como humanista radical e refere-se à igualdade natural dos
seres humanos entre si. Ou seja, trata-se de uma justiça ao mesmo tempo
redistributiva e reconhecedora dos seres humanos como sujeitos históricos e
culturais.
Para melhor entendê-lo, o conceito de “justiça” em Freire deve ser
percebido na sua relação dialética com o conceito de “injustiça”, que Freire
usa muito mais. A luta por um mundo mais justo é o fundamento e o fio
condutor da obra e da vida de Paulo Freire. A sua utopia, diz ele claramente,
é “a permanente mudança do mundo e a superação das injustiças” (FREIRE,
2006, p. 84) cujas vítimas são os oprimidos, designados algumas vezes por
Freire como “injustiçados”. Mudar o mundo é tanto um direito quanto um
dever dos injustiçados e dos líderes (educadores, políticos, etc.) que se
engajam com eles na luta solidária pela humanização.
O conceito de “justiça” tem relações estreitas com aqueles de “cidadania”
e “democracia”. É no contexto brasileiro da década de 1950 e da primeira
metade da década de 1960, marcado, de um lado, por uma ordem social
injusta que recusa até o reconhecimento jurídico aos analfabetos e, de outro
lado, pelo “período de transição” caracterizado pelo processo de
“democratização fundamental”, que Paulo Freire inicia o que se tornará seu
abrangente projeto pedagógico-político. Embora a alfabetização seja naquela