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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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materialidade e o espírito: essa é a grande teia a partir da qual Freire também

se orienta, porque, nesse caso, responsabilidade pessoal que não se prolongue

até o fim, junto aos outros, com eles e com o mundo, e no sentido

levinasiano, a filosofia primeira é a ética. É na convergência desse núcleo que

Freire, na esteira de Emmanuel Mounier, define a pessoa e a responsabilidade

com o mundo e a política. A pessoa – etimologicamente prosopon – significa

o que resiste e enfrenta (MOUNIER, 1964) é um ser biológico-político que luta

para responder à sua vocação ontológica de ser humano num contexto de

opressão, despersonalização e caos. Ser é assumir, comprometedoramente, a

relação tensiva, nunca harmoniosa. Freire, por isso, redefine, de maneira

radical e inédita, o que seja mesmo educação, pelo seu oposto. No

assassinato do índio Galdino, queimado por adolescentes de classe média que

“justificavam” que se tratava de um mendigo, Freire fala da

“desgentificação” deles. Educação é gentificar, é o que corresponde a

Mounier e Freire: educar é lutar contra tudo o que compromete a vocação

ontológica de poder se ser humano com outros(as), no mundo.

A dialética fenomenológica que se preze não aplaina montes, não entulha

depressões, nada reduz e nada rejeita, para aparar a arestas do mundo. A

pessoa carece das outreidades e das alteridades para continuar sendo, e se

autoproduzindo (autopoiése) pela palavra e pelo trabalho. A percepção do

mundo vivido é já a resposta ao convite à liberdade, precondição da

humanização que quebra, pela luta, a dependência a toda a forma de

alienação e subserviência. É a pessoa que, por decisão livre, poderá emprestar

sentidos distintos para sua relação: podendo constituir-se em inferno ou

paraíso. Pessoas não estão concluídas, são faltosas, incompletas, estão em

vir-a-ser como indivíduos e como filo, diz Freire. Mas Freire radicaliza

Mounier: a pessoa é mais do que um ser histórico é um ser “historiador” – e,

Freire, de novo, quebra fronteiras epistemológicas, convergindo com

Foucault, Deleuze e Derrida –, a existência é fluxo: “a pessoa não é, está

sendo”, tanto quanto a história.

Referências: CANDIDO, Antonio. Parceiros do Rio Bonito - Estudo sobre o caipira paulista e a

transformação dos seus meios de vida. 5. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1979; CHAUI, Marilena, Vida

e obra de Merleau-Ponty. In: MERLEAU-PONTY. São Paulo: Nova Cultural, 1989. p. VII-XI. [Os

Pensadores]; FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1994; FREIRE, Paulo.

Pedagogia da Indignação. Cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000; FREIRE,

Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970; FREIRE, Paulo. Política e

Educação. 1. ed. São Paulo: Cortez, 1993; GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de

Janeiro: Guanabara, 1989; MARTINS, Joel. Um Enfoque Fenomenológico do Currículo, Educação

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