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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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Sob a perspectiva fenomenológica, ficará sempre interditada a separação

entre micro e macro, dentro e fora, profano e sagrado, material e imaterial,

particular e universal, ética e política. Talvez a diferença resida no fato de

que a fenomenologia não crê em sínteses finais na história. Parte do inquieto

mundo vivido (lebenswelt), mundo circunstanciado na relação com a

incompletude de sujeito de olhar datado, que emerge no tempo e no espaço,

dramáticos, com um corpo próprio “historiador”. E o lugar privilegiado do

encontro e do engajamento é só um: se chama fenômeno! Não há

transparências, não há essências puras, nuas para humanos; espaço-e-tempoe-mundo

é o lugar da transfiguração; do velamento-revelação – a teologia

falaria de sacramento –, isto é, o encontro possível, definitivo e dinâmico do

sujeito com o mundo e com as demais outreidades. É no fenômeno (fainoumenon)

– lugar da ambiguidade – que nos encontramos mediados: o

mundo-em-nós-e-para-nós e nós-em-mundo-e-para-o-mundo, sem que haja

uma só fronteira, átimo ou membrana que nos possa separar do continuum

que nos constituímos, um para o outro, irredutivelmente fundidos. Diz Chauí:

“Há a carne do corpo e a do mundo; há em cada um deles uma interioridade

que se propaga para o outro numa reversibilidade permanente. ‘O mundo está

dentro e eu estou fora’ – escreve Merleau-Ponty em Signes” ( 1989 , p. XII ) E a

consciência é o lugar da dupla transitividade: é consciência de alguma coisa e

consciência para um certo fim. Toda a consciência se move pela

intencionalidade da busca que lhe dá sentido, a direção. E ao fazê-lo não

significa que a consciência aja no vazio, ou sobre o nada. Agindo transforma

o mundo que a precede, e a si própria, pelo conhecimento que é ato. O ato

primeiro é dos sentidos que experimentam o mundo – e aqui está o

“materialismo” da fenomenologia; a percepção o tematiza intencionadamente

pelo que compreendendo, age; e recebe a ação transformadora desse

encontro. Nada está destituído de sentido. A inscrição de algo está sempre

referenciado a um horizonte de totalidade, que acolhe e também dá sentido ao

acolhido; sentido inconcluso que implica criação.

Há, por isso, um sentido que precede o sentido que damos. O mundo não

é resultado da minha constituição dele, mas o resultado da minha ação

constituinte com a ação constituinte dele. Trata-se de um diálogo, de trocas,

de interatividade e de sentidos criadores que emergem da relação eu-outromundo.

A relação eu-outro-mundo não se esgota no que está-aí no processo,

ela é ressignificada tanto pelo que é negado quanto pelo que não está-aí

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