30.05.2021 Views

Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

fosse mais longe: discordando, por vezes, sem desprezar outras leituras que a

ele se opunham. Declarava, contudo, abertamente seu antagonismo sempre

que pairassem no ar suspeitas de certo pensamento gerar consequências

políticas destrutivas para os grupos populares, oprimidos. “Como posso

votar, se sou progressista e coerente com minha opção, num candidato em

cujo discurso, faiscante de desamor, anuncia seus projeto racistas?” (FREIRE,

2000, p. 36). A bússola “suleadora” (V. Sulear) de Freire no mar das

incertezas epistemológicas era a ação de libertação dos deserdados do mundo

contra toda a opressão. Merleau-Ponty dissera o que bem se poderia aplicar a

Freire: “O homem ‘sadio’ não é tanto aquele que eliminou de si mesmo as

contradições, mas sim aquele que as utiliza arrastando-as em seu trabalho

vital ( 1989 , p. 161 ). A defesa da vida, a emancipação dos dominados, era o lugar

progressista, intransigentemente assumido e que lhe custou prisão, degredo e

proibição de retorno ao país. Vidas vividas com peso ético-político como a de

Emmanuel Mounier, Fanon, Sartre, Merleau-Ponty, Simone Weil, Hannah

Arendt, Agnes Heller e Edith Stein, estas últimas, mulheres da

fenomenologia alemã, eram citadas por Freire junto a Marx, Lucáks, Kosik,

Gramsci e Marcuse, suas fontes inspiradoras declaradas (FREIRE, 1997, p.10).

Freire não os escolheria, com certeza, por suas teorias, mas porque a vida

deles era coerente com seu pensar. Esses autores e essas autoras sempre

estiveram na esteira do diálogo fenomenológico e, por isso, ameaçados pela

interlocução com as grandes questões políticas do mundo.

Paulo Freire não era diferente, demonstrando de sobejo que o

circunstancial e o cotidiano, o micro refere-se a questões macro e universais;

e, como tal, dialeticamente, sequer existem dissociadas. O marxismo também

ratifica essa concepção. A fenomenologia, por sua vez, inseparavelmente

descritiva-e-interpretativa, deixa a marca do olhar datado, do corpo “molhado

de história” em todos os fenômenos que busca compreender (FREIRE, 1994,

p.17). Se nossos sensores visuais são neurológicos e passam por processos

universais bioquímicos complexos e sutis, a visão se constitui como

aprendizagem em diálogo com a cultura particular das sociedades e com as

idiossincrasias do olhar singular. O educador, o pesquisador e o oprimido

jamais serão repetidores das palavras dos outros, pelo contrário; a

fenomenologia os qualifica como sujeitos e coautores, por isso, a todos cabe

dizer uma palavra – a sua – no contraforte de uma história de opressão,

pronunciando o mundo para transformá-lo (FREIRE, 1993).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!