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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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como conceito. Hoje, transdisciplinaridade, cosmodisciplinaridade ou

multirreferencialidade, que possuem ênfases distintas, continuam a ser

descritas, ainda que grandemente ausentes nas práticas educacionais. Elas,

para serem reais, precisariam do pesquisador desarmado em face das

contradições. Implicaria articular múltiplos conhecimentos, nem sempre

afinados e sem arestas. Dependeria de diálogo aberto, livre das verdades

terminais e absolutas. Esse difícil arranjo de coisas novas e velhas não é feito

em espaço neutro, fora das pessoas, se dá dentro delas. Dependerá de alguma

maturidade que se exponha a perder balisas e referências, experimentando

verdades apócrifas, sem interditos, exorcismos ou acendimento de fogueiras.

A condição necessária da transdisciplinaridade não é técnica, e este é o seu

grande limite. É existencial e atitudinal; precisará daquele que se abandone à

turbulência acreditando no sentido unificador de sua busca.

Somente pessoas podem dar unidade e sentido ao mundo e suas

representações conferindo-lhes coerência. Freire permitiu-se viajar por

muitos campos e paragens, numa peregrinação errática (V. Andarilhagem),

na esperança de trazer sentido ao caos e certa unidade à multiplicidade. A

transdisciplinaridade – ao vivo – precisará ser corporeificada pela crença da

coesão de tudo com tudo, pela esperança da inter-relação entre os artefatos e

“mentefatos” (CANDIDO, 1979), e de encontrar o lugar certo para encaixar

destroços num sentido ordenador dado pelos humanos. Husserl, em sua

fenomenologia, punha centralidade na “redução”, a qual procurava atenuar a

esfera de “verdades” preconcebidas que viesse impedir que aspectos

inteiramente novos dos fenômenos se mostrassem à consciência. Os

fenômenos novos, então, seriam os pontos de partida para procura de

mediações teóricas a ser inventadas, para poder abordá-los, compreendê-los e

interpretá-los. Livrar-se dos preconceitos teórico e culturais era exatamente o

sentido da “redução” na fenomenologia e que Paulo Freire usava

cotidianamente, permitindo-se ter raiva, aflorar contradições, para trabalhálas

(V. Indignação). Vivia intensamente para procurar compreender e pensar

criticamente o vivido.

Não há pensar sobre coisa nenhuma. A criancinha vive o mundo, antes de

poder pensá-lo. O mundo do pensamento é um mundo segundo, possível a

partir do primeiro (MARTINS, 1992). Todo pensar com base no vivido é

perigoso. Não há salvo-conduto no pensar referenciado. É o atrito, a manha

de relacionar partes e destroços com o todo e tudo, que permitiu que Freire

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