Dicionario-Paulo-Freire-versao-1
sem falar de Olympe de Gouges, autora da célebre Déclaration dês droits dela femme et de la citoyenne, de 1791, hoje considerada por muitos comosendo a obra fundadora do feminismo contemporâneo.Já na primeira metade do século XIX e partindo de produções socialistasde Saint-Simon, Fourier, Robert Owen e outros, se desenvolve o feminismosocialista, subordinando a luta das mulheres à luta de classes sociais. A obrade Engels denominada A origem da família, propriedade privada e o Estado,conhecida como a primeira construção teórica socialista em crítica à famíliaburguesa, possibilitou, pelo seu teor, que fossem dados os primeiros passospara que se consolidasse a teoria feminista socialista (NYE, 1995, p. 55-58).Andréa Nye, em sua tese de doutorado publicada sob o título Teoria feministae as filosofias do homem (1995), mapeou a constituição histórica dasprincipais correntes feministas, num movimento que começa a sedesenvolver, de forma mais sistemática, já a partir da Revolução Francesa. Aobra apresenta as trajetórias do desenvolvimento das teorias filosóficasfeministas, incluindo o liberalismo, o marxismo revolucionário, o feminismoexistencialista, a psicanálise, a desconstrução e a pós-modernidade. Sendoassim, apesar de todas as dificuldades históricas apresentadas pelo ambienteacadêmico, que, durante muito tempo se constituiu majoritariamente porhomens, mulheres têm conseguido produzir suas reflexões feministas,formulando-se grandes correntes de pensamento.No Brasil, temos grandes exemplos de mulheres que trouxeramexcelentes contribuições na crítica ao capitalismo baseado no sistemapatriarcal. Já em 1967, Heleieth Saffioti apresentou tese de livre-docência naUNESP intitulada A mulher na sociedade de classes: mito e realidade,publicada pela editora Vozes em 1969. Pensamos que Freire pouco dialogoucom mulheres como Saffioti.No entanto, em algumas passagens da obra de Freire, podemos identificarsensibilidade quanto às questões de gênero, aliado ao reconhecimento daimportância dos movimentos sociais em um processo de transformaçãosocial, o que pode permitir boas e fecundas aproximações com o movimentofeminista.Na obra de Freire, uma passagem onde a temática é tratada aparece nodiálogo com o pesquisador e professor americano Ira Shor, publicado no livroMedo e ousadia (produzido em 1984-85 e publicado em 1986). Nessa obra –que foi produzida poucos anos após seu retorno ao Brasil, devido ao período
de exílio político – Paulo Freire demonstra surpresa e contentamento frenteao contexto que encontrou em sua volta ao país. E, mais que isso, Freiredeixa nítido seu engajamento na luta contra o patriarcado. E é aí que aparecemais nitidamente o reconhecimento pela luta das mulheres.Como exemplo, partimos de uma situação concreta descrita por Shor, naqual ele relata situações de discriminação a partir da linguagem, em queafirma ter percebido silenciamentos de mulheres em suas aulas, quando oshomens costumam interromper as mulheres e que as mesmas raramentefazem isso. E, geralmente, cedem seu espaço de oratória para os homens.Enfim, Shor, com esse exemplo, apresenta aspectos do sexismo na próprianatureza do discurso que se manifesta nas salas de aula americanas. Nasequência da conversa com Shor e partindo de sua “provocação”, Freireaparenta certa ingenuidade ao comentar que não percebe em seu cotidianocomo professor situações de discriminação por gênero em sala de aula. Noentanto, Freire afirma que o país é machista e que é preciso que se lute contraessas formas de dominação no cotidiano e não esperar que a superação docapitalismo gere, por si só, novas relações. Portanto, Freire admite que nãobasta a superação do capitalismo para que se supere as desigualdades degênero, pois não basta o socialismo para isso. Entendemos, por isso, que osexismo não será superado automaticamente numa sociedade socialista.Na trajetória da experiência concreta do socialismo soviético, as mulherescomunistas se viram às voltas com o poder comunista masculino. A trajetóriapolítica de Alexandra Kolontai demonstra bem esse aspecto, pois elaenfrentou o desafio de tentar convencer seus companheiros revolucionáriosde que fazem parte da revolução mudanças na vida privada, no amor, norelacionamento afetivo e sexual, para além das mudanças econômicas. Naobra já referida de Andrea Nye (1995), há um relato detalhado dessatrajetória de luta de Kolontai com as lideranças masculinas da RevoluçãoRussa. Também na introdução feita por Tatau Godinho da edição da obra deKolontai, A nova mulher e a moral sexual, da editora Expressão Popular(2005), aparece a luta da autora frente aos companheiros socialistas. Muitosmovimentos na esquerda política não admitiram a luta contra o patriarcado econtra o racismo com a mesma importância que a luta de classes e acabarampor privilegiar essa última. Embora tenham admitido as questões étnicas e degênero, acreditaram que, abolindo-se as classes sociais, chegar-se-ia àigualdade racial e das categorias de sexo. Esses grupos políticos, sob a
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sem falar de Olympe de Gouges, autora da célebre Déclaration dês droits de
la femme et de la citoyenne, de 1791, hoje considerada por muitos como
sendo a obra fundadora do feminismo contemporâneo.
Já na primeira metade do século XIX e partindo de produções socialistas
de Saint-Simon, Fourier, Robert Owen e outros, se desenvolve o feminismo
socialista, subordinando a luta das mulheres à luta de classes sociais. A obra
de Engels denominada A origem da família, propriedade privada e o Estado,
conhecida como a primeira construção teórica socialista em crítica à família
burguesa, possibilitou, pelo seu teor, que fossem dados os primeiros passos
para que se consolidasse a teoria feminista socialista (NYE, 1995, p. 55-58).
Andréa Nye, em sua tese de doutorado publicada sob o título Teoria feminista
e as filosofias do homem (1995), mapeou a constituição histórica das
principais correntes feministas, num movimento que começa a se
desenvolver, de forma mais sistemática, já a partir da Revolução Francesa. A
obra apresenta as trajetórias do desenvolvimento das teorias filosóficas
feministas, incluindo o liberalismo, o marxismo revolucionário, o feminismo
existencialista, a psicanálise, a desconstrução e a pós-modernidade. Sendo
assim, apesar de todas as dificuldades históricas apresentadas pelo ambiente
acadêmico, que, durante muito tempo se constituiu majoritariamente por
homens, mulheres têm conseguido produzir suas reflexões feministas,
formulando-se grandes correntes de pensamento.
No Brasil, temos grandes exemplos de mulheres que trouxeram
excelentes contribuições na crítica ao capitalismo baseado no sistema
patriarcal. Já em 1967, Heleieth Saffioti apresentou tese de livre-docência na
UNESP intitulada A mulher na sociedade de classes: mito e realidade,
publicada pela editora Vozes em 1969. Pensamos que Freire pouco dialogou
com mulheres como Saffioti.
No entanto, em algumas passagens da obra de Freire, podemos identificar
sensibilidade quanto às questões de gênero, aliado ao reconhecimento da
importância dos movimentos sociais em um processo de transformação
social, o que pode permitir boas e fecundas aproximações com o movimento
feminista.
Na obra de Freire, uma passagem onde a temática é tratada aparece no
diálogo com o pesquisador e professor americano Ira Shor, publicado no livro
Medo e ousadia (produzido em 1984-85 e publicado em 1986). Nessa obra –
que foi produzida poucos anos após seu retorno ao Brasil, devido ao período