Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

silvawander2016
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Uma das iniciativas mais radicais postas em prática por Freire e suaequipe na Secretaria de Educação foi o projeto Escola Cidadã. Através desseprojeto, Freire continuou suas propostas de educação popular, mas nocontexto da escola pública e em relação às reformas na gestão escolar,planejamento pedagógico, organização curricular e avaliação escolar. Emrealidade, a Escola Cidadã tem, em seu processo histórico, as raízes e ospressupostos da educação popular que surgiu na América Latina no calor daslutas populares em meados do século XX (CUSTÓDIO, 2008). Nesse sentido,Gadotti (1999) nota que a educação popular passou por diversos momentos,desde a busca pela conscientização, nos anos 50 e 60, e a defesa da escolapública popular comunitária, nos anos 70 e 80, até a escola cidadã na ultimadécada do século XX. Freire tinha em mente a Escola Cidadã como aquelaque promove o exercício da cidadania por todos que dela participam.A Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e dedeveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A EscolaCidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e dequem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si e para si. Ela écidadã na medida mesma em que se exercita na construção da cidadaniade quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com aliberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É todaescola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandoseducadorestambém sejam eles mesmos. E, como ninguém pode ser só, aEscola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo. É umaescola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola quevive a experiência tensa da democracia’ (Freire, 2000 apud Gadotti, 2002).No projeto da Escola Cidadã, Freire propôs um movimento de reformacurricular baseado na interdisciplinaridade e numa abordagem participativada produção de conhecimento que usava temas geradores relacionados comsituações reais e questões relevantes para os educandos e suas comunidades.O projeto de reforma curricular foi complementado por uma iniciativaabrangente no sistema para substituir o modelo autoritário de educaçãoexistente por relações mais dialógicas na sala de aula e formas de gestão maisdemocráticas, incluindo parcerias com grupos locais e com pais com vistas a

processos de decisão participativos em termos de planejamento, realização ealocação de recursos. Esse sistema aberto estava voltado a aumentar aautonomia da escola e a responsabilidade da comunidade, garantir maiortransparência e sustentatibilidade das reformas educacionais e permitir queescolas e governo tivessem a oportunidade de elaborar políticas educacionaisjuntos.Nem sempre foi fácil pôr essas ideias em prática. Uma das iniciativasmais controvertidas do projeto Escola Cidadã foi uma reforma em termos degestão que propunha, entre outras coisas, dar mais poder aos conselhosescolas locais, realizar eleições para diretor e vice-diretor (com pais ecrianças compondo 50% dos votos e professores e funcionários os outros50%), permitir apenas uma reeleição (o que significava que osadministradores deveriam retornar à sala de aula depois de quatro anos) eforçar os professores a aceitar apenas um emprego de tempo integral. Essaproposta foi rejeitada, e Freire argumentou que a derrota não se devia aomérito da proposta, mas à da longa tradição corporativista e aoconservadorismo político do sistema educacional do município.Nesse curto período, o projeto Escola Cidadã de São Paulo teve algumasimportantes conquistas. A partir da Secretaria da Educação, Freire introduziuuma estrutura mais democrática e descentralizada para a supervisão escolar, oserviço técnico e de apoio, bem como um novo modelo de formação emserviço para professores. Esse serviço consistia na oferta e na facilitação dereuniões (grupos de desenvolvimento profissional), nas quais os professorespoderiam refletir sobre seu conhecimento e sua ação pedagógica, explorarteorias educacionais e desenvolver habilidades, num processo coletivo econtínuo (GADOTTI, 1999, 2000; AZEVEDO, 2000, PADILHA, 2001). O processofoi interrompido em 1992, quando a coalizão progressista perdeu as eleiçõesmunicipais. No entanto, sua contribuição mais importante foi abrir o caminhopara que outros projetos de Escola Cidadã pudessem emergir e ganhar força,não apenas em São Paulo, mas também em outras partes do Brasil e domundo.Referências: AZEVEDO, José Clóvis. Escola Cidadã: desafios, diálogos e travessias. Petrópolis:Vozes, 2000; Custódio, Maria do Carmo. Escola cidadã: algumas reflexões sobre a democratização daescola pública. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008; FreirE, Paulo. Escola Cidada, entrevista feitapela TV Educativa do Rio de Janeiro, 7 mar. 1997; FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo:Cortez, 2001; Gadotti, Moacir. Escola Cidadã. 11. ed. Coleção Questões da Nossa Época, v. 24. SãoPaulo: Cortez, 2006; Gadotti, Moacir. Caminhos e significados da educação popular em diferentes

processos de decisão participativos em termos de planejamento, realização e

alocação de recursos. Esse sistema aberto estava voltado a aumentar a

autonomia da escola e a responsabilidade da comunidade, garantir maior

transparência e sustentatibilidade das reformas educacionais e permitir que

escolas e governo tivessem a oportunidade de elaborar políticas educacionais

juntos.

Nem sempre foi fácil pôr essas ideias em prática. Uma das iniciativas

mais controvertidas do projeto Escola Cidadã foi uma reforma em termos de

gestão que propunha, entre outras coisas, dar mais poder aos conselhos

escolas locais, realizar eleições para diretor e vice-diretor (com pais e

crianças compondo 50% dos votos e professores e funcionários os outros

50%), permitir apenas uma reeleição (o que significava que os

administradores deveriam retornar à sala de aula depois de quatro anos) e

forçar os professores a aceitar apenas um emprego de tempo integral. Essa

proposta foi rejeitada, e Freire argumentou que a derrota não se devia ao

mérito da proposta, mas à da longa tradição corporativista e ao

conservadorismo político do sistema educacional do município.

Nesse curto período, o projeto Escola Cidadã de São Paulo teve algumas

importantes conquistas. A partir da Secretaria da Educação, Freire introduziu

uma estrutura mais democrática e descentralizada para a supervisão escolar, o

serviço técnico e de apoio, bem como um novo modelo de formação em

serviço para professores. Esse serviço consistia na oferta e na facilitação de

reuniões (grupos de desenvolvimento profissional), nas quais os professores

poderiam refletir sobre seu conhecimento e sua ação pedagógica, explorar

teorias educacionais e desenvolver habilidades, num processo coletivo e

contínuo (GADOTTI, 1999, 2000; AZEVEDO, 2000, PADILHA, 2001). O processo

foi interrompido em 1992, quando a coalizão progressista perdeu as eleições

municipais. No entanto, sua contribuição mais importante foi abrir o caminho

para que outros projetos de Escola Cidadã pudessem emergir e ganhar força,

não apenas em São Paulo, mas também em outras partes do Brasil e do

mundo.

Referências: AZEVEDO, José Clóvis. Escola Cidadã: desafios, diálogos e travessias. Petrópolis:

Vozes, 2000; Custódio, Maria do Carmo. Escola cidadã: algumas reflexões sobre a democratização da

escola pública. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008; FreirE, Paulo. Escola Cidada, entrevista feita

pela TV Educativa do Rio de Janeiro, 7 mar. 1997; FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo:

Cortez, 2001; Gadotti, Moacir. Escola Cidadã. 11. ed. Coleção Questões da Nossa Época, v. 24. São

Paulo: Cortez, 2006; Gadotti, Moacir. Caminhos e significados da educação popular em diferentes

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