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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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objetivo, e situar-se nesse mundo; nada lhe é dado gratuitamente. A

construção do mundo é, acima de tudo, um processo de conhecimento. No

topo desse processo cognitivo encontra-se a consciência. Não como

iluminação interna, como insight, mas como apropriação, primeiro, do fazer

próprio, depois, do fazer dos outros; apropriação que é, por si mesma,

transformação e, como tal, conscientização. “A realidade não pode ser

modificada, senão quando o homem descobre que é modificável e que ele

pode fazê-lo” (FREIRE, 1979, p. 40). O ato de conhecer, incluindo a atividade

da consciência, é em si mesmo transformador; ou não é verdadeiro

conhecimento.

O processo de conhecimento é fundamentalmente um processo de relação

parte-todo. O conhecimento realiza-se pela construção de totalidades

progressivamente complexas. Pode-se rastrear o processo de conhecimento

de um indivíduo rastreando as totalidades que ele vai construindo. Na medida

em que são frágeis tais totalidades, a vida cognitiva do sujeito pode ser

invadida e transformada em algo diferente do que ele é; em algo outro, alium,

em algo alienado, roubado de si. “A percepção parcial da realidade rouba ao

homem a possibilidade de uma ação autêntica sobre ela” (FREIRE, 1977, p.

34). A capacidade de compreender a realidade como totalidade, cada vez

mais consistente, é obra do homem “[...] que atua e é capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua própria atividade” e se constituir como ser da práxis,

não apenas da prática; “[...] um ser de relações num mundo de relações” (p.

39).

O processo de conhecimento, visto a partir de suas raízes mais profundas,

dá-se na relação entre sujeitos, entre indivíduos, entre organismos – entre

“corpos conscientes”. A dimensão dialógica é, pois, postulado dessa

construção. Essa relação gera uma dimensão ética. O direito à palavra emerge

das profundezas da relação cognitiva. “Cada um de nós é um ser no mundo,

com o mundo e com os outros. Viver ou encarnar esta constatação evidente,

enquanto educador ou educadora, significa reconhecer nos outros [...] o

direito de dizer a sua palavra” (1982, p. 30). A dimensão pedagógica

desdobra essa relação epistemológica e, como tal, deve expressar-se como

relação de mão dupla, radicalmente interativa, embora assimétrica: quem

ensina também aprende, e quem aprende também ensina. O ato de ensinar

não pode roubar do aluno o lugar de sujeito de sua própria construção; ao

contrário, deve ajudá-lo a construir a consciência dessa autoria. “Meu papel

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