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ENSINAR E APRENDERAna Lúcia Souza de Freitas“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para asua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 25). A afirmaçãosintetiza a compreensão de Paulo Freire acerca da complexidade das relaçõesentre o ensinar e o aprender. Essa reflexão se inscreve no âmbito daargumentação em torno dos saberes necessários à prática educativa,subtítulo da Pedagogia da autonomia. Na referida obra, o autor aborda oconhecimento profissional docente a partir de três eixos temáticos: não hádocência sem discência (cap.1); ensinar não é transferir conhecimento (cap.2); ensinar é uma especificidade humana (cap. 3). Cada capítulo, com novesubtítulos, analisa exigências à prática docente. Entre elas, a rigorosidademetódica, a pesquisa, o respeito aos saberes dos educandos, a consciência doinacabamento, a curiosidade, o saber escutar e a disponibilidade para odiálogo. É, pois, de modo contundente que o autor se posiciona sobre anecessidade de saberes específicos, em defesa da profissionalização docente.Esse é o tema da obra Professora sim, tia não: cartas a quem ousaensinar (1993a), em que Paulo Freire problematiza a função social dadocência, ao afirmar que “professora não é tia” (p. 13). Justifica-se,esclarecendo que, ao recusar a identificação da figura da professora com a datia, não pretende menosprezar a figura da tia, mas chamar a atenção para ofato de que tal identificação distorce a responsabilidade profissional daprofessora.Retomando a afirmação inicial, importa compreender a impossibilidadede transferência do conhecimento, considerando dois equívocosfundamentais. O primeiro diz respeito à pretensão de que o conhecimentopossa ser “passado” de um sujeito para o outro, como se o processo deconhecer não exigisse do aprendiz nada mais do que receber umconhecimento que lhe é “doado”. O segundo refere-se à oposição sugeridaentre o aprendiz como um sujeito que nada sabe e o educador como alguémque tudo sabe. Tais entendimentos revelam as concepções subjacentes àabordagem tradicional do ensino, a que Paulo Freire denominou de“educação bancária” (ver verbete). Como contraponto, propõe uma

concepção libertadora da educação, considerando que ensinar e aprenderfazem parte de um processo maior: o de conhecer, no qual educadores eeducandos, mediatizados pelo mundo, são sujeitos mutuamente implicados.A despeito de eventuais distorções de seu pensamento, Paulo Freireafirma claramente que “O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo. Só queensinar não é transmitir conhecimento” (1993a, p. 118). Paraaprofundamento da concepção freiriana no âmbito das diferentes abordagensdo ensino, é relevante consultar Ensino: as abordagens do processo(MIZUKAMI, 1986). Sobre a explicitação do autor a respeito de sua concepçãointeracionista dos processos de ensinar e aprender, merece destaque a obraProfessora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, em que Paulo Freire fazreferência a Vygotsky em vários momentos.Na perspectiva freiriana, não é possível o ato de ensinar sem aprender,pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”(FREIRE, 1996, p. 25). Para tanto, ensinar e aprender não podem se realizarsem o exercício do diálogo, pois é “impossível ensinarmos conteúdos semsaber como pensam os alunos no seu contexto real, na sua cotidianeidade”(1993a, p. 105). Importa enfatizar que, para o autor, o diálogo precisa sercompreendido como “o selo do ato cognoscente, desvelador da realidade”(1987, p. 72), já que uma das grandes distorções a respeito de seupensamento é considerar que uma educação libertadora minimize o valor dosconteúdos.Vale reiterar, “é preciso que quem sabe saiba sobretudo que ninguémsabe tudo e ninguém tudo ignora” (1982, p. 27). As relações dialógicas,fundadas na consciência do inacabamento, fornecem as bases para areciprocidade do ensinar e do aprender, compreendidos como dimensões doprocesso de conhecer. Tal reciprocidade também não se realiza sem oexercício da curiosidade epistemológica (ver verbete), tema recorrente naobra de Paulo Freire. Um importante reconhecimento dessa contribuição doautor é feito por Hugo Assmann, na obra Curiosidade e prazer de aprender,em que dedica um subtítulo sobre “A curiosidade – uma insistência explícitade Paulo Freire” (2001, p. 188).A promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica é umaênfase da reflexão de Freire acerca da função do educador. Segundo ele, adisposição para aprender, fertilizada no exercício da curiosidadeepistemológica, é fundamental ao ato de ensinar, assim como ao de aprender.

ENSINAR E APRENDER

Ana Lúcia Souza de Freitas

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a

sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 25). A afirmação

sintetiza a compreensão de Paulo Freire acerca da complexidade das relações

entre o ensinar e o aprender. Essa reflexão se inscreve no âmbito da

argumentação em torno dos saberes necessários à prática educativa,

subtítulo da Pedagogia da autonomia. Na referida obra, o autor aborda o

conhecimento profissional docente a partir de três eixos temáticos: não há

docência sem discência (cap.1); ensinar não é transferir conhecimento (cap.

2); ensinar é uma especificidade humana (cap. 3). Cada capítulo, com nove

subtítulos, analisa exigências à prática docente. Entre elas, a rigorosidade

metódica, a pesquisa, o respeito aos saberes dos educandos, a consciência do

inacabamento, a curiosidade, o saber escutar e a disponibilidade para o

diálogo. É, pois, de modo contundente que o autor se posiciona sobre a

necessidade de saberes específicos, em defesa da profissionalização docente.

Esse é o tema da obra Professora sim, tia não: cartas a quem ousa

ensinar (1993a), em que Paulo Freire problematiza a função social da

docência, ao afirmar que “professora não é tia” (p. 13). Justifica-se,

esclarecendo que, ao recusar a identificação da figura da professora com a da

tia, não pretende menosprezar a figura da tia, mas chamar a atenção para o

fato de que tal identificação distorce a responsabilidade profissional da

professora.

Retomando a afirmação inicial, importa compreender a impossibilidade

de transferência do conhecimento, considerando dois equívocos

fundamentais. O primeiro diz respeito à pretensão de que o conhecimento

possa ser “passado” de um sujeito para o outro, como se o processo de

conhecer não exigisse do aprendiz nada mais do que receber um

conhecimento que lhe é “doado”. O segundo refere-se à oposição sugerida

entre o aprendiz como um sujeito que nada sabe e o educador como alguém

que tudo sabe. Tais entendimentos revelam as concepções subjacentes à

abordagem tradicional do ensino, a que Paulo Freire denominou de

“educação bancária” (ver verbete). Como contraponto, propõe uma

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