Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

silvawander2016
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Na teoria freiriana, a base da relação discência/docência está no rigorético dos processos reflexivos, que têm a prática como principal inspiração.“A prática de pensar a prática e de estudá-la nos leva à percepção anterior ouao conhecimento do conhecimento anterior que, de modo geral, envolve umnovo conhecimento” (FREIRE, 1993, p. 113). A visão epistemológica de Freireassume a discência e a docência numa permanente simbiose, que impede oolhar de qualquer um dos componentes em separado. Nela o conhecimento éprocesso de recriação, em que o ensinar e o aprender se colocam em perfeitasintonia. Essa possibilidade requer uma posição de humildade, condiçãodefendida por Freire como a base do diálogo. Ele diferencia humildade desubmissão e reafirma que “a pedagogia democrática materializa-se pela açãodo professor libertador que convida os alunos para a transformação, queensina de modo dialógico e não de modo autoritário, que dá exemplo comoestudioso crítico da sociedade” (FREIRE, 1986, p. 162). Para explicitar commais intensidade a relação entre docência e discência Freire (1997, p. 31)cunhou a expressão “do-discência”, afirmando que “ensinar, aprender epesquisar lidam com dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que seensina e se aprende o conhecimento já existente e o que se trabalha aprodução do conhecimento ainda não existente”. Nessa perspectiva a “dodiscênciae a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas porestes momentos gnosiológicos”. Essa condição faz parte das qualidades doprofessor que pensa certo. “Quem pensa certo, mesmo que, ás vezes penseerrado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessáriasa pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas” (FREIRE,1997, p. 30).Referências: FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997; FREIRE,Paulo. Professora sim, tia não. Cartas a quem ama ensinar. São Paulo: Olho D’água, 1993; FREIRE,Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia. O cotidiano do professor. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

DISCIPLINAGomercindo GhiggiPara pensar a problemática da disciplina no mundo da educação Freireparte de uma constatação: nas escolas e nos processos educativos em geral,frequentemente confunde-se autoridade com autoritarismo e liberdade comlicenciosidade. Buscando respostas, Freire constrói reflexões a partir deexperiências orientadas por um projeto político a favor da geração dasociedade radicalmente justa e parte de uma premissa: a sociedade brasileiraé estruturalmente injusta. Freire busca, então, construir caminhos delibertação a partir do que aponta para a necessária autoridade políticopedagógicanos processos educacionais.Então, o que é disciplina? Freire lembra que “não há disciplina noimobilismo, na autoridade indiferente, distante, que entrega à liberdade osdestinos de si mesma”. De outra parte, não “há também disciplina noimobilismo da liberdade, à qual a autoridade impõe [...] suas preferênciascomo sendo as melhores. Em síntese, assume a sua concepção de disciplina:“Só há disciplina [...] no movimento contraditório entre coercibilidadenecessária da autoridade e a busca desperta da liberdade para assumir-se”(1993, p. 115-116).Buscando identificar reflexões sobre disciplina, encontramos Freire, aoresponder à pergunta a respeito de sua história com a escola e a família,afirmando: “Acho que sem disciplina externa é difícil estruturar a interna, namedida em que a interna é uma espécie de introjeção da necessidade dadisciplina. Quer dizer, a criança entregue a ela mesma, dificilmente sedisciplinará” (in D’ANTOLA, 1987, p. 3). Freire reforça a afirmação em tornoda importância da disciplina, como tarefa da autoridade docente, quandoescreve que há algo que é fundamental “que é a questão mais ou menos éticae pedagógica [...]. Eu acho que a disciplina é uma das tarefas da autoridade, étrabalhar no sentido de a liberdade assumir a disciplina como necessidade eboniteza” (p. 4-5).Tendo presente que há um “hábito da produção coletiva de normas”,enquanto estrutura e cultural enraizada no mundo escolar, Freire encoraja aperguntar pela acelerada fetichização da ordem. Ou seja, a escola não pouco

DISCIPLINA

Gomercindo Ghiggi

Para pensar a problemática da disciplina no mundo da educação Freire

parte de uma constatação: nas escolas e nos processos educativos em geral,

frequentemente confunde-se autoridade com autoritarismo e liberdade com

licenciosidade. Buscando respostas, Freire constrói reflexões a partir de

experiências orientadas por um projeto político a favor da geração da

sociedade radicalmente justa e parte de uma premissa: a sociedade brasileira

é estruturalmente injusta. Freire busca, então, construir caminhos de

libertação a partir do que aponta para a necessária autoridade políticopedagógica

nos processos educacionais.

Então, o que é disciplina? Freire lembra que “não há disciplina no

imobilismo, na autoridade indiferente, distante, que entrega à liberdade os

destinos de si mesma”. De outra parte, não “há também disciplina no

imobilismo da liberdade, à qual a autoridade impõe [...] suas preferências

como sendo as melhores. Em síntese, assume a sua concepção de disciplina:

“Só há disciplina [...] no movimento contraditório entre coercibilidade

necessária da autoridade e a busca desperta da liberdade para assumir-se”

(1993, p. 115-116).

Buscando identificar reflexões sobre disciplina, encontramos Freire, ao

responder à pergunta a respeito de sua história com a escola e a família,

afirmando: “Acho que sem disciplina externa é difícil estruturar a interna, na

medida em que a interna é uma espécie de introjeção da necessidade da

disciplina. Quer dizer, a criança entregue a ela mesma, dificilmente se

disciplinará” (in D’ANTOLA, 1987, p. 3). Freire reforça a afirmação em torno

da importância da disciplina, como tarefa da autoridade docente, quando

escreve que há algo que é fundamental “que é a questão mais ou menos ética

e pedagógica [...]. Eu acho que a disciplina é uma das tarefas da autoridade, é

trabalhar no sentido de a liberdade assumir a disciplina como necessidade e

boniteza” (p. 4-5).

Tendo presente que há um “hábito da produção coletiva de normas”,

enquanto estrutura e cultural enraizada no mundo escolar, Freire encoraja a

perguntar pela acelerada fetichização da ordem. Ou seja, a escola não pouco

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