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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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críticos na configuração de seus próprios destinos, ele se recusava a

romantizar a cultura e as experiências que produziam condições sociais

opressoras. Combinando rigor teórico, relevância social e compaixão moral,

Freire deu um novo significado à política do cotidiano ao mesmo tempo em

que afirmava a importância da teoria para abrir o espaço da crítica,

possibilidade, política e prática. A teoria e a linguagem eram um lugar de luta

e possibilidade que dava sentido à experiência e uma direção política à ação,

e qualquer tentativa de reproduzir o binarismo de teoria versus política foi

repetidamente condenada por Freire. Freire amava a teoria, mas jamais a

reificou. Quando falava de Freud, Marx ou Erich Fromm, era possível sentir

sua intensa paixão por ideias. Mas ele jamais tratou a teoria como um fim em

si mesmo; ela era sempre um recurso a ser usado para compreender,

envolver-se criticamente e transformar o mundo. Dizer que sua alegria em

torno de tais assuntos era contagiante é subestimar sua própria presença e

impacto sobre tantas pessoas com quem ele se encontrou em sua vida.

Eu tive uma estreita relação pessoal com Paulo durante mais de 17 anos, e

sempre me comoveu a maneira como sua coragem política e seu alcance

intelectual eram acompanhados por um amor à vida e uma generosidade de

espírito. Ele me disse certa vez que não podia imaginar um revolucionário

que não gostasse de comida boa e música boa. Não estou certo se foi a amor à

comida ou à música, ou talvez ambos, que permitiram que sua poesia se

esgueirasse para dentro da política. E, como mencionei anteriormente, o

político e o pessoal determinaram mutuamente a vida e a obra de Freire. Ele

sempre era o estudante curioso, mesmo quando assumia o papel de professor

crítico. Ao se movimentar entre o privado e o público, revelava um dom

surpreendente para fazer com que toda pessoa com quem ele se encontrava se

sentisse valorizada. Sua própria presença incorporava o que significava

combinar luta política e coragem moral, dar sentido à esperança e tirar a

persuasão do desespero. Paulo gostava de citar Che Guevara: “Deixe-me

dizer-lhe, correndo o risco de parecer ridículo, que o revolucionário genuíno

é movido por sentimentos de amor. É impossível imaginar um revolucionário

autêntico sem essa qualidade.” Embora uma década tenha passado desde sua

morte prematura, não encontrei ninguém que incorporasse este sentimento

mais do que Paulo Freire.

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