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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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poder e impotência continuavam a ser produzidas e reproduzidas. Para Freire,

a esperança, como um elemento definidor da política e da pedagogia, sempre

significava ouvir e trabalhar com os pobres e outros grupos subalternos de

modo que pudessem falar e agir para alterar as relações de poder dominantes.

Sempre que falávamos, ele jamais permitiu tornar-se cínico. Ele estava

sempre cheio de vida, apreciava o que significava comer uma boa refeição,

ouvir música, abrir-se para novas experiências e travar um diálogo com uma

paixão que incorporava sua própria política e também confirmava a presença

vivida de outras pessoas.

Comprometido com o específico, o jogo do contexto e a possibilidade

inerente ao que ele chamava de natureza inconclusa dos seres humanos,

Freire não oferecia receitas para quem necessitava de soluções teóricas e

políticas instantâneas. Para ele, a pedagogia era estratégica e performativa:

considerada como parte de uma prática política mais ampla em prol da

mudança democrática, a pedagogia crítica jamais foi vista como um discurso

a priori a ser reafirmado ou uma metodologia a ser implementada. Pelo

contrário, para Freire, a pedagogia era um ato político e performativo

organizado em torno da “ambivalência instrutiva de limites rompidos”, uma

prática de desconcerto, interrupção, compreensão e intervenção que é o

resultado de contínuas lutas históricas, sociais e econômicas. Muitas vezes

me surpreendi com a paciência que ele sempre tinha ao lidar com pessoas que

queriam que ele lhes fornecesse respostas prontas aos problemas que

levantavam sobre a educação, não compreendendo que estavam solapando a

própria insistência dele de que a pedagogia jamais podia ser reduzida a um

método. Sua paciência sempre foi instrutiva para mim, e estou convencido de

que foi apenas mais tarde em minha vida que consegui começar a emulá-la

em minhas próprias interações com o público.

Paulo era um intelectual cosmopolita que jamais negligenciava os

detalhes do dia a dia e as conexões que este tinha com um mundo muito mais

amplo e global. Ele nos lembrava consistentemente de que as lutas políticas

são vencidas e perdidas nestes espaços específicos, mas híbridos, que

vinculavam as narrativas da experiência cotidiana com a importância social e

a força material do poder institucional. Qualquer pedagogia radical que se

denominasse freiriana tinha que reconhecer a centralidade do particular e

contingente na configuração de contextos históricos e projetos políticos.

Embora Freire fosse um teórico do contextualismo radical, ele também

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