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CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃOHernando Vaca GutiérrezSão conceitos utilizados por Freire para explicitar as condições e aspossibilidades da relação dialógica-comunicativa, na perspectiva defundamentar a educação como prática da liberdade. Os conceitos aparecemno capítulo III de Extensão ou comunicação? (1971), a propósito dasexigências para que o ato comunicativo seja eficiente. Nesse sentido, dizFreire, é indispensável que exista um acordo entre os sujeitos em torno dossignos, como expressões do objeto significado: “A expressão verbal de umdos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro significativo comumao outro sujeito” (1971, p. 67). É nessa perspectiva, do código comum, que sepronuncia também Mario Kaplún, falando da linguagem radiofônica: “Se aspalavras que empregamos não estão no código do destinatário, este nãopoderá decifrar, decodificar, a mensagem; e portanto não poderá captá-la nementendê-la” (1999, p. 97).Dando identidade própria aos conceitos, Freire fala de “codificaçãotemática” ou “codificação pedagógica” para diferenciá-la da “codificaçãopublicitária”. Por “codificação pedagógica” Freire entende aquela querepresenta uma situação existencial, uma situação-problema, uma situação,por isso mesmo, vivida pelos camponeses. Essa codificação tem o núcleo deseu significado amplo, expresso por um número plural de informações que,sendo de caráter problemático, implica a decodificação que se realizadialogicamente entre educador-educando e educando-educador. Para Freire,na “codificação pedagógica”, há comunicação verdadeira (intercomunicação).A “codificação publicitária”, pelo contrário, é unidirecional, unívoca einformacional (“comunicados”). Portanto, é antidialógica (cf. 1971, p. 89ss).Em Pedagogia do oprimido, falando sobre “a investigação dos temasgeradores e sua metodologia”, percebe-se que o processocodificação/decodificação faz parte da metodologia conscientizadora deFreire ao facilitar a apreensão do tema gerador e inserir ou começar a inserir apessoa numa forma crítica de pensar seu mundo. Em efeito, a análise de umasituação existencial concreta, “codificada”, implica, para sua apreensão,“decodificação”, partir abstratamente até o concreto; implica uma ida das

partes ao todo e uma volta deste às partes; implica um reconhecimento dosujeito no objeto (a situação existencial concreta) e do objeto como situaçãoem que está o sujeito (cf. 1997, p. 97ss).A decodificação é um ato cognoscente que promove o surgimento denova percepção e o desenvolvimento de novo conhecimento. A partir daprática, Freire afirma que os camponeses só se interessavam quando acodificação dizia respeito, diretamente, a aspectos concretos de suasnecessidades sentidas (p. 97ss) e, portanto, sua decodificação era possívelporque referida a situações conhecidas.No processo de decodificação, enquanto análise crítica e consequentereconstituição da situação vivida, Freire observa que os seres humanos estãoexteriorizando sua visão de mundo, sua forma de pensá-lo, sua percepçãofatalista das “situações-limites”, sua percepção estática, ou dinâmica darealidade. É na maneira como acontece esse enfrentamento com o mundo quese encontram envolvidos seus “temas geradores”.Em Ação cultural para a liberdade (1978), Freire afirma que aalfabetização é um ato de conhecimento que implica a existência de doiscontextos dialeticamente relacionados. Um é o contexto teórico, o outro é ocontexto concreto, em que os fatos se dão. No contexto teórico, medianteabstração procuramos alcançar a razão de ser dos fatos. “O meio de que nosservimos em nossa prática para operar tal abstração é a codificação ou arepresentação de situações existenciais dos educandos” (1978, p. 51).A codificação, de um lado faz a mediação entre o contexto concreto e oteórico; de outro, como objeto de conhecimento, mediatiza os sujeitoscognoscentes que buscam, em diálogo, desvelá-la. Para Freire, a codificaçãoé um “discurso” a ser “lido” por quem procura decifrá-la. Ela apresenta o queChomsky chama de “estrutura de superfície” e “estrutura profunda”.Para Freire, o processo de decodificação, ou de leitura, está constituído dedois momentos: o primeiro é descritivo. Nele mais se narra do que se analisa.Corresponde à “estrutura de superfície”. O segundo trata de problematizar arealidade codificada. Esse é o momento fundamental da decodificação. Énesse momento que se pode alcançar a compreensão da “estrutura profunda”da codificação (1978, p. 51-52).Ainda que em patamares diferentes, existem aproximações entre omodelo de codificação/decodificação de Freire, referido à comunicaçãointerpessoal, e o de Stuart Hall, referido aos estudos da mídia. Por exemplo,

CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO

Hernando Vaca Gutiérrez

São conceitos utilizados por Freire para explicitar as condições e as

possibilidades da relação dialógica-comunicativa, na perspectiva de

fundamentar a educação como prática da liberdade. Os conceitos aparecem

no capítulo III de Extensão ou comunicação? (1971), a propósito das

exigências para que o ato comunicativo seja eficiente. Nesse sentido, diz

Freire, é indispensável que exista um acordo entre os sujeitos em torno dos

signos, como expressões do objeto significado: “A expressão verbal de um

dos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro significativo comum

ao outro sujeito” (1971, p. 67). É nessa perspectiva, do código comum, que se

pronuncia também Mario Kaplún, falando da linguagem radiofônica: “Se as

palavras que empregamos não estão no código do destinatário, este não

poderá decifrar, decodificar, a mensagem; e portanto não poderá captá-la nem

entendê-la” (1999, p. 97).

Dando identidade própria aos conceitos, Freire fala de “codificação

temática” ou “codificação pedagógica” para diferenciá-la da “codificação

publicitária”. Por “codificação pedagógica” Freire entende aquela que

representa uma situação existencial, uma situação-problema, uma situação,

por isso mesmo, vivida pelos camponeses. Essa codificação tem o núcleo de

seu significado amplo, expresso por um número plural de informações que,

sendo de caráter problemático, implica a decodificação que se realiza

dialogicamente entre educador-educando e educando-educador. Para Freire,

na “codificação pedagógica”, há comunicação verdadeira (intercomunicação).

A “codificação publicitária”, pelo contrário, é unidirecional, unívoca e

informacional (“comunicados”). Portanto, é antidialógica (cf. 1971, p. 89ss).

Em Pedagogia do oprimido, falando sobre “a investigação dos temas

geradores e sua metodologia”, percebe-se que o processo

codificação/decodificação faz parte da metodologia conscientizadora de

Freire ao facilitar a apreensão do tema gerador e inserir ou começar a inserir a

pessoa numa forma crítica de pensar seu mundo. Em efeito, a análise de uma

situação existencial concreta, “codificada”, implica, para sua apreensão,

“decodificação”, partir abstratamente até o concreto; implica uma ida das

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