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Revista Dr Plinio 279

Junho de 2021

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>279</strong> Junho de 2021<br />

Auscultando o Sagrado<br />

Coração de Jesus e Maria


O grande<br />

ponteiro<br />

de Deus<br />

A<br />

Providência determinou, e es-<br />

tá na ordem do universo, que o<br />

calendário humano se marcasse<br />

pelo movimento dos astros; e que con-<br />

siderando esse movimento os homens<br />

tivessem o mais maravilhoso dos relógios<br />

feito pelo mais magnífico dos re-<br />

lojoeiros.<br />

O Sol, este grande ponteiro de Deus,<br />

quando faz seus raios atravessarem<br />

um vitral vermelho acende um rubi,<br />

ao incidir sobre um vitral verde<br />

fulgura uma esmeralda. No fundo o<br />

que é ele? É o Astro-Rei!<br />

O Sol nunca é tão lindo como quando<br />

ilumina uma igreja.<br />

(Extraído de conferência de 2/6/1984)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>279</strong> Junho de 2021<br />

Vol. XXIV - Nº <strong>279</strong> Junho de 2021<br />

Auscultando o Sagrado<br />

Coração de Jesus e Maria<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em 13 de dezembro<br />

de 1992.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 O grande ponteiro de Deus<br />

Editorial<br />

4 “Quem tem ouvidos<br />

para ouvir, ouça!”<br />

Piedade pliniana<br />

5 Emendai-me e curai-me!<br />

Dona Lucilia<br />

6 Amou apaixonadamente o<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

11 Tipos humanos revolucionários<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

18 Hierarquia, esplendor,<br />

nobreza, sacralidade<br />

Calendário dos Santos<br />

22 Santos de Junho<br />

Hagiografia<br />

24 Santa Clotilde e a<br />

conversão do Rei Clóvis<br />

De Maria nunquam satis<br />

27 Que o Coração de Maria<br />

seja a nossa morada<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

30 À procura do belo<br />

e do superbelo<br />

Última página<br />

36 Poema de Contra-Revolução<br />

3


Editorial<br />

“Quem tem ouvidos<br />

para ouvir, ouça!”<br />

Ultimamente, têm sido instilados nas fileiras católicas preconceitos tenazes contra certas devoções, entre<br />

as quais o culto ao Santíssimo Sacramento extra Missam e o Santo Rosário.<br />

Ora, ambas estas devoções são fortemente inculcadas em Fátima.<br />

Para Deus nada é impossível. Assim, se aprouvesse à Providência, os pequenos pastores poderiam ter sido<br />

transportados – por um fenômeno de bilocação, por exemplo – a algum lugar onde se celebrasse o Santo Sacrifício,<br />

para no decurso dele receberem a Sagrada Comunhão. Em última análise, isto seria tão extraordinário<br />

quanto confiar ao Anjo as Sagradas Espécies para que delas comungassem os pastorinhos. No entanto, foi este<br />

último o modo disposto pela Providência. Se houvesse no culto eucarístico extra Missam qualquer coisa de intrinsecamente<br />

contrário à verdadeira maneira de entender a Presença Real, seria impossível que a Providência<br />

determinasse que a adoração eucarística do Anjo e a Primeira Comunhão dos pastores se realizassem do modo<br />

pelo qual efetivamente se realizaram.<br />

Quanto ao Santo Rosário, seria difícil recomendá-lo com insistência maior. “Eu sou a Senhora do Rosário”,<br />

disse de Si mesma a Santa Virgem na última das aparições. E em quase todas elas inculcou explicitamente esta<br />

devoção aos pastorinhos. Como pretender, pois, que o Rosário perdeu algo de sua atualidade?<br />

Apregoa-se ainda que a meditação do inferno é inadequada a nossos dias, e capaz apenas de incutir um temor<br />

servil. Esta afirmação cai por terra fragorosamente, à vista do que ocorreu em Fátima, pois a visão do inferno<br />

com que os três pastorinhos foram favorecidos destinava-se evidentemente a acrisolar seu amor e seu senso<br />

de apostolado.<br />

Em Fátima se inculca igualmente, com expressiva insistência, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus que, ela<br />

também, tem sido posta na penumbra por certa tendência de espiritualidade muito em voga em nossos dias. O culto<br />

ao Sagrado Coração de Jesus foi considerado por todos os teólogos como uma das mais preciosas graças com<br />

que a Santa Igreja tem sido confortada nos últimos séculos. Destinava-se ela a reanimar nos homens o amor de<br />

Deus entorpecido pelo naturalismo da Renascença, pelos erros dos protestantes, jansenistas, deístas e racionalistas.<br />

No século passado, foi por meio desta devoção que o Apostolado da Oração produziu um admirável reflorescimento<br />

da vida religiosa em todo o mundo. E, como os males de que o Sagrado Coração de Jesus nos deve preservar<br />

crescem dia a dia, é evidente que dia a dia se acentua a atualidade desta incomparável devoção.<br />

Contudo, é preciso acrescentar que, com a agravação dos males contemporâneos, a Providência quis como<br />

que superar a Si própria apontando aos homens como alvo de sua piedade o Coração de Maria, cujo culto de<br />

certo modo requinta e leva à sua plenitude a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.<br />

Os estudos e a devoção cordimarianos não são novos. Quer nos parecer, entretanto, que a simples leitura da<br />

Mensagem de Fátima demonstra com quanta insistência Nossa Senhora os quer para nossos dias. A missão que<br />

Ela confiou à Irmã Lúcia foi especialmente a de ficar na Terra para atrair os homens ao Coração Imaculado de<br />

Maria. Várias vezes esta devoção é recomendada durante as visões. Este Coração Santíssimo nos aparece mesmo,<br />

na segunda aparição, coroado de espinhos pelos nossos pecados, a pedir a oração reparadora dos homens.<br />

Parece-nos que este ponto compendia em si todos os tesouros das mensagens de Fátima.<br />

Em seu conjunto, pois, as aparições de Fátima, de um lado, nos instruem sobre a terrível gravidade da situação<br />

mundial e as verdadeiras causas de nossos males; e, de outro lado, nos ensinam os meios pelos quais devemos<br />

obviar os castigos terrenos e eternos que nos ameaçam.<br />

Aos antigos, Deus enviou profetas. Em nossos dias, falou-nos pela própria Rainha dos Profetas. Diante disso,<br />

o que dizer? As únicas palavras adequadas são as de Nosso Senhor no Santo Evangelho: “Quem tem ouvidos<br />

para ouvir, ouça!” (Lc 8, 8). *<br />

* Cf. A Devoção ao Coração de Maria salvará o mundo do Comunismo, in Catolicismo n. 30, junho de 1953.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Emendai-me e<br />

curai-me!<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Eis a confusão confiante, cheia de certeza de ser<br />

atendido com a qual devemos ir à Sagrada Eucaristia:<br />

Meu Senhor, não tenho o que Vos dizer... Vejo que andei<br />

mal, mas confio em Vós porque sois a solução de tudo. Vós<br />

sois o Caminho, a Verdade e a Vida. Com confiança prostro-me<br />

aos vossos pés com os meus pecados, como Santa<br />

Maria Madalena. Sei que não me repelireis, nem me abominareis.<br />

Com confiança Vos peço: emendai-me!<br />

Vós sois Aquele que a todos emendais e curais; curai e<br />

emendai a mim também. Estou como o cego, o paralítico,<br />

o leproso do Evangelho. Curai-me das minhas doenças<br />

de alma, como curastes aqueles corpos!<br />

Por vossa Mãe, a Quem nunca negastes nada e a<br />

Qual nunca nega coisa alguma que se peça a Ela, eu<br />

Vos suplico: curai-me!<br />

(Composta em 5/1/1974)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1992<br />

5


Dona Lucilia<br />

Amou apaixonadamente o<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

Luis C.R. Abreu<br />

Dona Lucilia era uma espécie de reflexo<br />

de uma beleza incomparável de Nosso<br />

Senhor, a Quem amava apaixonadamente.<br />

Olhando para ela e percebendo como<br />

adorava o Sagrado Coração de Jesus, se<br />

compreendia que Ele era digno de todo<br />

o amor, e se passava a participar da<br />

adoração dela para com o Redentor.<br />

Está no espírito do homem<br />

que ele, mesmo<br />

quando muito indolente,<br />

muito preguiçoso, muito sem<br />

paixão, seja apaixonado.<br />

Atitude do<br />

homem ao sentir<br />

que algo do<br />

qual ele gosta<br />

está ameaçado<br />

Por exemplo, um<br />

indivíduo muito preguiçoso<br />

que se levanta<br />

de manhã sem vontade,<br />

vai trabalhar com<br />

mais horror ainda, volta<br />

para almoçar e quereria<br />

passar o dia em casa<br />

dormindo. É um homem<br />

mole e, portanto,<br />

na aparência sem<br />

paixão, dir-se-ia não ser capaz de um<br />

amor apaixonado.<br />

Mas quando se examina a fundo<br />

essa situação, percebe-se que ele<br />

tem um amor apaixonado à inércia,<br />

à preguiça, e se alguém o procura<br />

para fazer trabalhar e sair da preguiça<br />

ele pode ficar uma fera.<br />

De onde se vê que até o homem,<br />

na aparência não apaixonado, tem a<br />

sua mente feita de tal maneira pelo<br />

Criador que ele de fato possui paixões.<br />

Nesse caso uma paixão péssima,<br />

a preguiça.<br />

Eu me lembro, no meu tempo de<br />

infância, de um companheiro muito<br />

preguiçoso. Mas quando se tocava<br />

em algum ponto que o melindrava, ele<br />

se apaixonava. E, apaixonando-se, naquela<br />

matéria revelava uma capacidade<br />

de reação, embora se julgasse não<br />

ser ele capaz de absolutamente nada.<br />

A paixão é algo de unitário existente<br />

no mais fundo da psicologia<br />

6<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

Convento da Luz, São Paulo


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

humana, o qual o homem ama mais<br />

do que todo o resto, porque todas<br />

as suas apetências se dirigem para<br />

aquilo. E o ama apaixonadamente<br />

quando tem clareza de noção de<br />

que aquilo de que ele gosta e, sobretudo,<br />

sente, está ameaçado. Aí a paixão<br />

pode pegar fogo e fazer um homem<br />

mole como uma arara ser capaz<br />

de voar como uma águia.<br />

Como amar a Deus<br />

apaixonadamente<br />

Como fazer com que nossas almas<br />

se voltem para Deus de modo a<br />

amá-Lo apaixonadamente?<br />

É da seguinte maneira:<br />

O homem, pelo princípio da semelhança,<br />

tem o desejo de conhecer<br />

e entrar em contato com pessoas<br />

que possuam uma alma semelhante<br />

à dele. E quanto mais a alma é semelhante,<br />

tanto mais ele gosta<br />

daquela pessoa. E se essa<br />

semelhança é notável, pode<br />

dar num verdadeiro entusiasmo,<br />

numa amizade modelar, de<br />

modo que um encontra no outro<br />

uma espécie de identidade<br />

com o ideal que ele mesmo tem.<br />

Então, ambos se estimam.<br />

A pessoa que tem a noção do<br />

ensinamento da Igreja Católica<br />

sobre o Sagrado Coração de Jesus,<br />

conhece boas imagens que lhe proporcionam<br />

uma ideia de como Ele<br />

possa ter sido, percebe ser o Coração<br />

de Jesus feito para que todos se<br />

apaixonem por Ele. Porque, como<br />

Nosso Senhor possui todas as perfeições,<br />

todos os homens podem encontrar<br />

n’Ele o seu modelo divino e<br />

a perfeição que gostariam de ter, e de<br />

manter com Ele relações cotidianas.<br />

Então, a pessoa que tem a felicidade<br />

de conhecer a Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, o Qual no trato com<br />

ela a faz notar quanto Ele é o<br />

seu arquétipo, a sua plenitude,<br />

e como o indivíduo que não<br />

O conhece é nada, uma poeira,<br />

aquela pessoa naturalmente<br />

se volta para o Coração<br />

de Jesus com amor<br />

apaixonado.<br />

“O Coração que tanto<br />

amou os homens e por<br />

eles foi tão pouco amado”<br />

Foi o que eu conheci em Dona<br />

Lucilia.<br />

No teto da Igreja do Coração<br />

de Jesus, em São Paulo, está<br />

pintada uma cena de Nosso<br />

Senhor dentro de uma<br />

capelinha, aparecendo<br />

em meio a umas nuvens<br />

sobre o altar, e dirigindo-<br />

-Se para uma freira ajoelhada<br />

aos seus pés, Santa<br />

Margarida Alacoque,<br />

uma camponesa francesa<br />

a qual se fez religiosa e que,<br />

em consequência, tinha uma cultura<br />

e uma inteligência maiores do que<br />

uma camponesa comum.<br />

O Divino Salvador lhe mostra, no<br />

seu peito aberto, o Coração d’Ele,<br />

com um gesto muito bonito, de um<br />

rei ostentando a sua condecoração,<br />

e diz: “Minha filha, eis aí o Coração<br />

que tanto amou os homens e por<br />

eles foi tão pouco amado!”<br />

É a censura que Nosso Senhor<br />

faz, porque Ele ama os homens com<br />

amor infinito, e os homens O amam<br />

tão pouco.<br />

Ao fitar a freira, Ele olha o gênero<br />

humano; Jesus tem pena dela como<br />

tem pena de todos os homens. E<br />

cada pessoa que olhasse para Nosso<br />

Senhor, contemplasse a Alma d’Ele,<br />

teria uma compreensão perfeita de<br />

que o Redentor a ama de tal maneira<br />

a esgotar todo o desejo de ser amado<br />

que num homem possa haver.<br />

Naturalmente isso não é assim<br />

com a amizade terrena, na qual há<br />

Luis C.R. Abreu<br />

7


Dona Lucilia<br />

apenas uma magra analogia com isso.<br />

Mas na amizade entre Deus e os<br />

homens isto é assim. O Criador olha<br />

para os homens com esse transbordamento<br />

de afeto, que eles queriam<br />

receber da parte de todas as pessoas<br />

que os conhecem, e viver inundados<br />

desse afeto.<br />

Assim é que eu via como Dona<br />

Lucilia amava o Sagrado Coração de<br />

Jesus.<br />

Muitas vezes eu ia assistir com ela<br />

à Missa na Igreja do Coração de Jesus;<br />

ajoelhava-me ao seu lado, é natural.<br />

Eu percebia que mamãe rezava<br />

para Ele sem estar olhando para<br />

cima, pois seria uma coisa sem muito<br />

propósito, mas tendo em mente<br />

aquele quadro e a realidade representada<br />

por ele.<br />

Quer dizer, a serenidade, a elevação,<br />

a tranquilidade, a santidade superior<br />

a qualquer louvor, mas também<br />

a compaixão, a paciência, o desejo<br />

de favorecer, de afagar a cada<br />

pessoa, que havia em Nosso Senhor,<br />

fazendo com que Ele, por assim dizer,<br />

absorvesse cada criatura humana.<br />

Tocante comparação empregada<br />

por Nosso Senhor<br />

Vemos no Evangelho uma expressão<br />

disso que considero lindíssima.<br />

Nosso Senhor, acompanhado pelos<br />

Apóstolos, caminha ao Horto das<br />

Oliveiras, onde Ele ia iniciar a sua<br />

Paixão que O conduziria até à Morte.<br />

Em certo ponto, onde se via muito<br />

bem a cidade e o Templo de Jerusalém,<br />

pararam e os discípulos começaram<br />

a comentar entre si como<br />

era bonito o Templo. Jesus Se pôs a<br />

chorar e eles perguntaram por quê.<br />

E aí vem a expressão tocante.<br />

Ele disse: “Jerusalém, Jerusalém,<br />

quantas vezes Eu quis reunir os teus<br />

filhos como a galinha faz com seus<br />

pintainhos, mas tu não o quiseste!<br />

Agora vai cair sobre ti a desgraça, o<br />

castigo” (cf. Lc 13, 34).<br />

Essa comparação empregada por<br />

Nosso Senhor, mostrando que Ele<br />

nos ama como uma galinha preza os<br />

seus pintainhos e os quer receber debaixo<br />

de suas asas, é tocante.<br />

Não há amizade humana que se<br />

exprima nesses termos; nela não<br />

acreditaríamos. É grande demais para<br />

o coração do homem, mas não para<br />

o Coração de Jesus.<br />

Então, o mais vil, o mais pecador,<br />

o mais inferior dos homens, sabendo<br />

que ele é amado assim por Nosso Senhor,<br />

fica agradecidíssimo, com vontade<br />

de estar junto com Ele o tempo<br />

inteiro para se regenerar, para se<br />

tornar como Jesus e amá-Lo como<br />

um reflexo do amor com que o Redentor<br />

o ama.<br />

Aí se dá aquela junção de almas<br />

propriamente ideal, a qual faz com<br />

que os homens possam sentir tranquilidade<br />

e esperança.<br />

Juan R. Cuadra (CC3.0)<br />

Maquete do Templo de Jerusalém - Museu de Israel<br />

8


A alma de Dona Lucilia<br />

era uma espécie de reflexo<br />

de Nosso Senhor<br />

Eu via que Dona Lucilia tinha isso<br />

em alto grau. Pela Revelação, mamãe<br />

conhecia com perfeição como<br />

era o amor de Nosso Senhor a ela,<br />

e o retribuía com um amor parecido<br />

com o amor d’Ele. De maneira tal<br />

que ela possuía uma confiança sem<br />

limites na misericórdia d’Ele, pedia-<br />

-Lhe perdão por si mesma, porque<br />

toda criatura humana tem defeitos,<br />

e também por aqueles a quem ela<br />

amava, e até por aqueles que não a<br />

amavam, mas a quem ela queria fazer<br />

bem.<br />

Isto tudo fazia da alma dela uma<br />

espécie de reflexo de Nosso Senhor<br />

de uma beleza incomparável, propiciando<br />

amar a Jesus apaixonadamente,<br />

quer dizer, acima de tudo,<br />

sem comparação com nada, mas de<br />

um modo a absorver por inteiro a<br />

nossa capacidade de adorar.<br />

Isto se dava em Dona Lucilia de<br />

tal maneira que, olhando para ela<br />

e percebendo como adorava Nosso<br />

Senhor, se compreendia como Ele<br />

era digno de toda a adoração, e se<br />

passava a participar da adoração dela<br />

para com Ele.<br />

Daí vinha também o fato de que<br />

ela O amava mais do que tudo no<br />

mundo, e O colocava acima de qualquer<br />

coisa a que pudesse querer bem.<br />

Se fosse para uma<br />

Cruzada, <strong>Plinio</strong> seria<br />

o primeiro a partir<br />

Mamãe tinha um irmão que, em<br />

certo momento da carreira política<br />

dele, ocupou o cargo de Secretário<br />

de Estado em São Paulo. Era o primeiro<br />

cargo depois do Governador<br />

do Estado.<br />

Quando ele era Secretário de Estado,<br />

arrebentou uma Revolução no<br />

Brasil e o Governo começou a convocar<br />

os jovens para se inscreverem,<br />

Divino Cativo - Santuário de Nossa Senhora da Cabeça, Andújar, Espanha<br />

a fim de lutar contra os revolucionários.<br />

Nesse período ele foi à casa da<br />

mãe dele, onde nós morávamos, para<br />

o efeito comum de ver a mãe e a<br />

irmã. Terminada a visita, ele saiu e<br />

minha mãe e eu fomos acompanhá-<br />

-lo até à porta da casa.<br />

Quando chegamos junto à porta,<br />

ele – um homem de boa altura, enquanto<br />

ela era baixa – serviu-se disso<br />

e, notando que ela não estava percebendo,<br />

deu-me uma piscada como<br />

quem diz: “Eu vou me divertir gracejando<br />

um pouco com ela, e vamos<br />

ver o que ela vai fazer.”<br />

Disse a ela:<br />

— Lucilia, você agora precisa preparar-se<br />

para um grande sacrifício,<br />

porque o Governo está convocando<br />

todos os jovens para irem à luta,<br />

visando a manutenção do Governo<br />

contra os revolucionários; portanto,<br />

o <strong>Plinio</strong> terá que ir também. Você vai<br />

ter muito sofrimento com isso, mas<br />

não tem remédio.<br />

Flávio Lourenço<br />

9


Dona Lucilia<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. Gabriel Ribeiro dos Santos<br />

No que ele dizia havia uma espécie<br />

de provocação jocosa, de brincadeira,<br />

porque ela possuía um filho<br />

só e ele tinha uns cinco ou seis. Ele<br />

não falava em mandar os filhos dele,<br />

mas em mandar o dela.<br />

Era para agastá-la. Depois, ele<br />

era membro do Governo e os seus filhos<br />

tinham mais obrigação do que<br />

um simples sobrinho.<br />

Ele acrescentou:<br />

— <strong>Plinio</strong> vai ter que partir e você<br />

se prepare para fazer o sacrifício de<br />

seu filho.<br />

Ela não percebeu que ele estivesse<br />

gracejando. Então, levantou a cabeça<br />

e disse:<br />

— Gabriel, isto nunca. Sacrificar<br />

meu filho por essas revoluções de<br />

políticos em que não há nenhum interesse<br />

para ninguém, só para vocês<br />

políticos, isto eu não faço.<br />

Eu quieto porque sabia que ele<br />

estava brincando com ela e depois ia<br />

desfazer a brincadeira.<br />

Mamãe ficou toda entesada, quase<br />

até mais alta, e afirmou:<br />

— Você esteja certo de que não<br />

farei.<br />

— Olhe, eu estou brincando, falando<br />

isso só para amolar você. Mas<br />

agora me responda o seguinte: se o<br />

Papa convocasse o <strong>Plinio</strong> para ir para<br />

uma Cruzada você o mandaria?<br />

— Aí é tudo diferente, o primeiro<br />

a partir tinha que ser ele.<br />

Meio entredentes, para ela não<br />

ouvir, ele – que não era católico praticante<br />

– disse-me:<br />

— Veja a força da Religião! O que<br />

a política não consegue de uma mãe<br />

de nenhum modo, a Religião querendo<br />

obtém.<br />

Aí ele agradou um pouquinho a<br />

ela, todos demos risada e ele foi embora.<br />

Mas o espírito dela se mostrou<br />

bem claro. Se era para o Sagrado<br />

Coração de Jesus, para Nossa Senhora,<br />

para a Santa Igreja Católica,<br />

Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, tudo. Inclusive um filho a<br />

quem ela queria muito bem: vá para<br />

a luta! Isto é amar apaixonadamente.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

5/3/1994)<br />

10


Gabriel K.<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Tipos humanos<br />

revolucionários<br />

No cerne da metamorfose do processo revolucionário encontrase<br />

a revolução nas tendências que, desordenadas, começam por<br />

modificar os costumes. Fazendo clarividentes explicitações sobre<br />

os tipos humanos produzidos pela Revolução, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> estabelece<br />

um nexo entre o indivíduo e a sociedade, e demonstra como toda<br />

uma civilização agiu como se fosse uma imensa cabeça humana.<br />

Estudemos, agora, a época<br />

que poderíamos chamar<br />

“era mística” da Revolução.<br />

Os pragmáticos do fim da Idade<br />

Média começaram a gostar demais<br />

dos prazeres lícitos: muitas comedorias,<br />

bailados regionais, enfei-<br />

tes em todas as coisas. O próprio estilo<br />

gótico, que era muito austero,<br />

começou a se tornar florido. Tudo<br />

principia a sorrir e um desejo imoderado<br />

de prazer, embora ainda honesto,<br />

começa a dominar o Ocidente<br />

cristão.<br />

Sentimentalismo psíquico<br />

Vemos, assim, como este processo<br />

é exatamente o que se dá com<br />

uma pessoa humana. Uma vez dado<br />

o primeiro passo, a Revolução logo<br />

atinge o segundo grau de corrup-<br />

11


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Gabriel K.<br />

ção, em que os espíritos, abandonando<br />

um pouco a ideia do Céu, começam<br />

a conceber de um modo mais ou<br />

menos laico certas ideias em voga na<br />

Idade Média.<br />

Assim, por exemplo, a ideia de<br />

honra. É a época em que o cavaleiro,<br />

pela honra de sua dama, faz um duelo,<br />

em oposição ao cavaleiro medieval<br />

antigo, bastante sagaz para não<br />

duelar pela honra de uma dama.<br />

Começam também os torneios;<br />

os menestréis e os trovadores dão<br />

um ar de amor e de honra à sociedade,<br />

cheia ainda de misticismo, mas<br />

de um misticismo laico. A dama medieval<br />

desta época ainda estava muito<br />

longe da dama frívola dos séculos<br />

que se seguiram; era quase régia. À<br />

noite, quando a Lua iluminava a torre<br />

do castelo, ela se dirigia a uma pequena<br />

sacada para ouvir, vinda de<br />

longe, uma canção interpretada ao<br />

som de um alaúde; terminado o canto,<br />

ela, com suas tranças louras, sorri<br />

e joga uma flor.<br />

Tudo isto termina numa explosão<br />

de sentimentalismo psíquico. Não<br />

aparece ainda o sentimentalismo físico:<br />

a sensualidade está em gestação,<br />

já contida neste estado de espírito,<br />

mas não aflorou à superfície.<br />

Ódio à lógica<br />

Neste período fala-se ainda no<br />

amor inspirado nas virtudes. A minha<br />

dama, dizem, é a mais pura, a<br />

mais bondosa, a mais caritativa, a<br />

mais piedosa. Aparece,<br />

por outro lado,<br />

a ideia da beleza,<br />

mas de uma beleza<br />

que é mais harmonia<br />

dos traços físicos,<br />

espelho apenas, e<br />

em certos casos, da beleza<br />

moral.<br />

Entretanto, como não poderia<br />

deixar de ocorrer, a sensualidade<br />

começa a se fazer notar.<br />

As canções trovadorescas do<br />

tempo, sob o pretexto de detalhar<br />

a beleza, fazem o elogio<br />

dos olhos, da tez, dos cabelos,<br />

e, finalmente, do aspecto<br />

físico. Compreende-<br />

-se facilmente a que abismos<br />

isto conduz. É a sensualidade<br />

que principia<br />

a nascer dentro dos invólucros<br />

do sentimentalismo.<br />

Com isto a Revolução A começa<br />

a afastar-se do plano lógico. O<br />

homem sentimental, e muito mais<br />

do que ele o homem sensual, não<br />

gosta da lógica. Esta lhe parece fria,<br />

dura, inclemente. Cada palavra sentimental<br />

é para ele como um acorde<br />

musical; cada argumento lógico uma<br />

pancada de martelo dada num prego<br />

que penetra em sua cabeça. Ele<br />

detesta a lógica e, consequentemente,<br />

começa a engendrar sistemas filosóficos<br />

que a deturpam e corrompem.<br />

É o início da decadência da Escolástica<br />

e do aparecimento de uma<br />

filosofia pseudoescolástica. Inicia-se<br />

a revolta e com ela a preparação do<br />

terreno para outra era da revolução<br />

tendenciosa.<br />

O fidalgo da Renascença<br />

Passamos, então, da era mística<br />

para a era heroica da Revolução, onde<br />

vamos encontrar o fidalgo da Renascença,<br />

tão diferente do fidalgo<br />

medieval.<br />

O fidalgo da Idade Média é uma<br />

espécie quase sublime de cavaleiro:<br />

vive envolto num misticismo católico,<br />

muito distinto daquele que encontramos<br />

no fim dessa época histórica;<br />

está embebido por toda uma<br />

visão sobrenatural da Cavalaria e de<br />

sua missão divina.<br />

Na Renascença, pelo contrário,<br />

o fidalgo nada mais tem de místico:<br />

é um homem – mais do que isto –,<br />

um super-homem heroico, olímpico,<br />

clássico, tem todas as paixões dominadas.<br />

Belo, inteligente, culto, dança<br />

admiravelmente, raciocina maravilhosamente,<br />

manda, governa e guerreia<br />

como ninguém. Bailarino, estadista,<br />

guerreiro e, sobretudo, artista,<br />

gosta da beleza em todas as suas formas,<br />

do esplendor da vida e de gozá-la<br />

inteiramente. Tem riso largo e<br />

distinto, e olhar dominador que se<br />

estende sobre os outros como uma<br />

montanha que domina toda a paisagem<br />

que se lhe estende aos pés.<br />

O fidalgo da era heroica tem a sua<br />

mais alta personificação naquele que<br />

foi o símbolo de toda uma época histórica:<br />

Luís XIV. Brilhante, nobre<br />

por excelência, dominador, distinto,<br />

com um só olhar ele fulminava, com<br />

um só sorriso encantava e premiava,<br />

com uma só palavra fazia com que<br />

12<br />

Rei Wladyslaw<br />

Jagiello - Cracóvia


os exércitos se deslocassem. Apenas<br />

a sua presença criava um ambiente.<br />

Teve artistas para que construíssem<br />

em torno de si toda uma civilização.<br />

Jardins, tapeçarias, espelhos,<br />

palácios, músicas, danças, tecidos,<br />

homens, tudo foi moldura para a sua<br />

pessoa. Em uma palavra, um verdadeiro<br />

super-homem dominando a todos<br />

e a tudo, mas tendo já longe de<br />

si o Céu, para o qual os homens não<br />

mais voltavam os olhos, a não ser para<br />

o céu – o firmamento – a fim de<br />

fazer estudos de astronomia...<br />

wartburg.edu (CC3.0)<br />

O homem segundo o espírito<br />

e o estilo de Luís XIV<br />

Esta espécie de epicurismo bem<br />

se exprime num episódio da história<br />

de Luís XIV, em que a França atravessava<br />

um longo período de paz. Os<br />

húngaros foram atacados pelos turcos.<br />

E como os franceses do tempo<br />

gostavam de combater – e a França<br />

vivia a sua grande época de glória<br />

militar –, um destacamento de<br />

nobres franceses, chefiados por um<br />

príncipe da Casa Real, pediu licença<br />

ao rei para ir combater na Hungria.<br />

Ao chegar o dia da batalha contra<br />

os turcos, os franceses se apresentam<br />

em ordem de combate: cabeleiras<br />

frisadas e empoadas, e elegantes<br />

em seus cavalos. Os turcos,<br />

que os olham de longe, veem aquela<br />

carga avançar e pensam que se trata<br />

de um exército de moças; não lhe<br />

dão importância. E aquelas “moças”<br />

se abatem sobre os turcos como um<br />

turbilhão e os derrotam no primeiro<br />

ataque.<br />

Era bem o homem do tempo.<br />

Quase tão gracioso como uma dama,<br />

quase tão heroico como uma figura<br />

mitológica, guerreiro e bailarino<br />

ao mesmo tempo, e capaz, além<br />

do mais, de conversar como um letrado.<br />

Era o homem segundo o espírito<br />

e o estilo de Luís XIV.<br />

Neste homem, entretanto, o sentimentalismo<br />

havia evoluído. Achava-<br />

Luís XIV - Museu do Louvre, Paris<br />

-se já que a impureza era uma glória<br />

para o homem, e que conquistar<br />

senhoras era tão glorioso como<br />

conquistar cidades. E isto a tal ponto<br />

que não mais se compreendia o<br />

verdadeiro conquistador de cidades<br />

sem que também fosse um conquistador<br />

de honras femininas.<br />

O Luís XIV das dignidades e das<br />

solenidades foi também o das concubinas.<br />

E todos os fidalgos lhe seguiram<br />

o exemplo, numa época em que<br />

a vida já tinha um caráter nitidamente<br />

sensual, e em que o amor, atrás de<br />

um modo de ser aristocrático e polido,<br />

na verdade encobria uma grande<br />

impureza.<br />

Bailarinos adamados e frágeis<br />

Nas vésperas da Revolução Francesa<br />

isto chegou a tal ponto que marido<br />

e mulher, na maior parte da alta<br />

aristocracia, casavam-se sem amor,<br />

por dinheiro, e levavam vida separada.<br />

Quando um dos esposos dava<br />

uma recepção, convidava o outro<br />

cônjuge. Os convivas ao entrar eram<br />

anunciados por alabardeiros que, à<br />

chegada do cônjuge convidado, diziam<br />

apenas Madame ou Monsieur,<br />

13


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

9gFrdyY6xDaHgw (CC3.0)<br />

azul muito diluído, verde pistache.<br />

O ambiente era o das músicas muito<br />

delicadas. E em tudo isto a sensibilidade<br />

solta começava a rugir num<br />

amor livre desbragado. Esta situação<br />

prolongou-se até estourar a grande<br />

catástrofe, a Revolução Francesa.<br />

Do romântico ao dandy,<br />

o homem utilitário<br />

o qual ou a qual entrava como se fosse<br />

um hóspede. Marido e mulher<br />

irem juntos ao teatro era imensamente<br />

ridículo; manifestarem amor<br />

recíproco parecia grotesco. Tornava-<br />

-se necessário levar uma vida em que<br />

se tivesse a impressão de que o casamento<br />

era um preconceito superado,<br />

antigo e ridículo.<br />

Mas após esse período produziu-<br />

-se um deslocamento. Do guerreiro-<br />

-bailarino passou-se ao simples bailarino;<br />

por mais surpreendente que<br />

pareça, este derrotou o guerreiro.<br />

Na época de Luís XIV, o combaten-<br />

Luís XVI - Palácio de Versailles<br />

te era bailarino e o bailarino, combatente.<br />

Ao tempo de Luís XVI, os<br />

nobres eram apenas bailarinos, adamados,<br />

frágeis, usavam grandes saltos<br />

vermelhos, lencinho na mão, perfumes,<br />

ar encantador, anéis, rendas<br />

e berloques. Em batalhas, em luta,<br />

nem se pensava; não mais havia espírito<br />

de combatividade.<br />

Do lado afetivo, esse homem via<br />

suas relações sob a forma de uma espontaneidade<br />

encantadora, era risonho<br />

e gentil, gostava de moças risonhas<br />

e gentis. O colorido utilizado<br />

era sempre cor de rosa muito claro,<br />

E passamos, no século XIX, da<br />

era heroica para a era humana da<br />

Revolução. O teatro, por exemplo,<br />

se modifica. Aos personagens do teatro<br />

clássico, sempre hierático, no<br />

estilo de Racine 1 , sucedem-se os românticos.<br />

Mendigos e aleijados entram<br />

em cena. São as peças de um<br />

Victor Hugo 2 , repletas de rugidos,<br />

de paixões desbragadas e de crimes;<br />

é toda uma explosão da sensualidade<br />

humana que vai crescendo e aflora<br />

no teatro e na literatura. O crime,<br />

o concubinato, o incesto e as piores<br />

paixões humanas são apresentados<br />

com colorido, indispensável para dar<br />

vivo interesse às cenas.<br />

E, o que é pior, isto se torna realidade<br />

na vida. O crime aparece claramente<br />

sem os invólucros de outrora,<br />

e começa a se tornar dominador.<br />

Nascem daí diferentes tipos humanos,<br />

no período que vai desde<br />

1850 até nossos dias. O primeiro deles<br />

é o dandy.<br />

Chateaubriand 3 compara o elegante<br />

do romantismo com o de seu<br />

tempo. O romântico apresentava-se<br />

cuidadosamente mal vestido, trajando<br />

roupa muito boa e bem cortada<br />

em tristonho desalinho, cabelo solto<br />

ao vento e um ar infeliz; era um<br />

homem que procurava uma felicidade<br />

perdida. Em geral, era um tanto<br />

doente e até ficava bem ser ligeiramente<br />

tuberculoso; tossia um pouco<br />

e andava tristonho.<br />

Depois dele aparece um tipo diferente,<br />

que a Chateaubriand horripila:<br />

o dandy inglês. É o homem oposto<br />

ao romântico. Passa muito bem,<br />

14


goza de esplêndida saúde, sempre<br />

bem penteado, bem vestido, rico e<br />

não querendo saber de tristezas. A<br />

alegria é que lhe embeleza a vida, a<br />

qual se obtém com o dinheiro. Logo,<br />

o importante são o dinheiro e os<br />

negócios. Assim, boa saúde, vida cômoda,<br />

gargalhadas, dança e ouro caracterizam<br />

a nova época; é o homem<br />

utilitário.<br />

O bilontra, o “almofadinha”,<br />

o “tubarão”,<br />

o homem mecânico<br />

Ao lado do dandy surge o tipo<br />

burguês, que mais uma vez encontrou<br />

num membro da Casa Real da<br />

França a sua expressão: o Rei Luís<br />

Felipe, que passou para a História<br />

com o título de “rei guarda-chuva”.<br />

É tipicamente o burguês, e não<br />

o dandy. Este tem muito de estouvado<br />

e de aristocrático, enquanto que<br />

o burguês é gorducho, bem instalado<br />

na vida, sólido, com roupas resistentes,<br />

realista, não se ocupa com<br />

Literatura nem com Política, e muito<br />

menos com ideias, só se interessa<br />

por dinheiro, economiza e acumula.<br />

Sua casa é grande e confortável, tudo<br />

é sólido e estável, possui grandes<br />

propriedades no interior, explora estradas<br />

de ferro. Começa a fazer negócios<br />

na Ásia e na África, que lhe<br />

dão muito dinheiro.<br />

Há, por outro lado, uma espécie<br />

de genealogia pela qual o dandy do<br />

tempo em que Chateaubriand era<br />

velho deu num outro tipo: o bilontra.<br />

Este era sucessor do dandy ao estilo<br />

francês: cabelo cheio de pomada, bigode,<br />

monóculo preso com uma fita<br />

de veludo, polainas com feltro, bengala<br />

e cintura bem apertada. Conhecia<br />

todas as artes de salão, bem mais<br />

negocista que seu antecessor, porém<br />

muito mais pobre, mesmo porque a<br />

vida de sociedade tornara-se cada<br />

vez mais ruinosa. Sabia, entretanto,<br />

viver de expedientes. O bilontra daquele<br />

tempo deu no “almofadinha”<br />

Rei Luís Felipe - Palácio de Versailles<br />

de 1920, o qual por sua vez produziu<br />

o grã-fino bem aprumado.<br />

O homem de negócios também<br />

teve sua genealogia. O homo economicus<br />

do século XIX deu no “tubarão”<br />

de hoje. Por sua vez, os que naquele<br />

tempo não eram nem uma coisa<br />

nem outra, o político, o funcionário<br />

público ou o pequeno burguês<br />

deram no robot de nossos dias, o homem<br />

mecânico, a quem se ordena e<br />

ele faz.<br />

Esta é a evolução que, no plano<br />

A, nos levou do cavaleiro andante,<br />

ainda com a cabeça cheia de quimeras<br />

de uma cavalaria laicizada e a caminho<br />

da imoralidade, até o playboy<br />

do século XX.<br />

É muito importante notar que a<br />

história dessa decadência poderia<br />

ser a história de um homem. Muitos<br />

decaíram assim, começando como<br />

bastante bons católicos, para depois<br />

passar a um sentimentalismo<br />

que os levou a amarem damas nas<br />

nuvens do mais puro amor. Deste estágio<br />

passaram a gozadores da vida,<br />

conservando, no entanto, certa linha<br />

e certo estilo, que também vieram a<br />

perder até chegarem à mais complewww.photo.rmn.fr<br />

(CC3.0)<br />

15


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

ta degradação. É a evolução de um<br />

homem em alguns anos, e que a sociedade<br />

levou alguns séculos para fazer.<br />

Mas o que chama a atenção, e<br />

estabelece um nexo entre o indivíduo<br />

e a sociedade, é que os itinerários<br />

foram os mesmos e os processos<br />

os mesmos; toda uma civilização<br />

agiu como se fosse uma imensa cabeça<br />

humana.<br />

Direita, centro e esquerda<br />

Passemos a seguir ao que se poderia<br />

chamar o princípio da dialética<br />

interna do homem. Já vimos que há<br />

dentro de cada homem uma cathédrale<br />

engloutie – sua luz primordial 4<br />

submersa – e o seu vício capital. Esses<br />

dois polos funcionam em nós como<br />

duas forças num jogo dialético.<br />

Também na sociedade humana<br />

sempre houve, ao longo dessa evolução,<br />

correntes que representaram<br />

a cathédrale engloutie, como os santos<br />

e as pessoas virtuosas, que a graça<br />

até hoje continua a suscitar. Existiu<br />

ainda uma parcela imediatista da<br />

sociedade humana representada pelo<br />

pragmatista. E, por fim, não faltou<br />

uma parte péssima, que representou<br />

o vício capital.<br />

Disto se conclui que a sociedade<br />

humana esteve sempre dividida entre<br />

direita, centro e esquerda. Na direita<br />

os elementos da Contra-Revolução<br />

A, ao centro os pragmáticos e<br />

à esquerda aqueles que promovem<br />

a Revolução A. Essas três correntes<br />

existiram e lutaram entre si de modo<br />

semelhante às forças psicológicas<br />

que pugnam dentro de cada homem.<br />

Lutaram de acordo com aquilo que<br />

poderíamos chamar o princípio dos<br />

vetores e das mobilizações.<br />

Se considerarmos na sociedade humana<br />

uma força revolucionária A no<br />

terreno tendencioso e sofístico, e, de<br />

outro lado, uma força contrarrevolucionária<br />

A no mesmo terreno, teremos<br />

que, embora alguns permaneçam<br />

nas duas posições extremas, a maior<br />

parte das pessoas fica no centro.<br />

Como conduzir o<br />

homem pragmático<br />

Assim, os homens sensuais do século<br />

XIII não tiveram como consequência<br />

imediata o playboy do século<br />

XX, mas por uma trajetória oblíqua<br />

acabaram por chegar até lá. Qual seria<br />

então o modo de dirigir uma sociedade<br />

assim dividida?<br />

Imaginemos duas pessoas puxando,<br />

cada qual para seu lado, as extremidades<br />

de uma corda; aquele que<br />

deixar de puxá-la perderá a corda; é<br />

preciso puxar cada vez mais.<br />

Aplicando o mesmo princípio num<br />

ambiente onde há uma esquerda muito<br />

extremada, não devemos procurar<br />

agradá-la e dizer que tem uma parte<br />

de razão; pelo contrário, precisamos<br />

afirmar alto e bom<br />

som que seus adeptos<br />

estão totalmente errados.<br />

O homem pragmático,<br />

que ouve isto<br />

levado pelo jogo das<br />

forças, dirá que somos<br />

insuportáveis e que seria<br />

necessário apedrejar-nos.<br />

Mas, em relação<br />

ao esquerdista extremado,<br />

afirmará: “Isto<br />

também não.” Assim,<br />

ele não caminhou<br />

para a esquerda. É um<br />

verdadeiro cego, pois<br />

não percebe, apesar<br />

de nos achar um horror,<br />

ter sido o solavanco<br />

que lhe demos que<br />

o levou a ver exageros<br />

no comunismo. Antes<br />

era favorável à liberdade<br />

para os comunistas<br />

e simpatizava com<br />

o socialismo moderado,<br />

mas, pelo princípio<br />

dos vetores, como<br />

a força com que o empurramos<br />

foi hercúlea,<br />

ele se deslocou voltando<br />

um pouco atrás.<br />

Concluímos, assim, que há uma<br />

importante regra da Contra-Revolução<br />

segundo a qual, sempre que quisermos<br />

conduzir o homem pragmático<br />

para um ponto, devemos puxá-lo<br />

vigorosamente. Ele virá protestando<br />

atrás de nós, mas virá.<br />

Um fraco rei faz<br />

fraca a forte gente<br />

Há, entretanto, na origem da Revolução,<br />

um ponto misterioso que é<br />

preciso assinalar. Embora o que determinou<br />

a combustibilidade da floresta<br />

foi a falta de líderes e apóstolos<br />

santos, seria um exagero atribuir toda<br />

a culpa à infidelidade de alguns.<br />

Se de um lado é verdade que o<br />

apóstolo ou o líder santo faz um po-<br />

São Luís IX - Santuário Witterschneekreuz,<br />

Löffingen, Alemanha<br />

Andreas Praefcke (CC3.0)<br />

16


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1964<br />

vo santo, não é menos verdade que<br />

quando o povo não corresponde à<br />

graça de ter um chefe santo, Deus<br />

pode reduzir suas graças a um nível<br />

mínimo. Assim, é bem possível que<br />

a culpa inicial tenha sido de todo o<br />

povo. É um mistério que não poderemos<br />

desvendar, mas que devemos<br />

saber colocar em seus termos bem<br />

claros. Não sabemos de quem foi a<br />

primeira culpa.<br />

Há o célebre verso de Camões no<br />

qual está dito que um fraco rei faz<br />

fraca a forte gente. Quando vemos<br />

um povo que decai juntamente com<br />

o seu rei, é o caso de se perguntar<br />

quem deu o primeiro passo: o rei ou<br />

o povo. Na Idade Média, teria sido<br />

o povo que não correspondeu a reis<br />

como São Luís e São Fernando, e<br />

Deus não mais lhe enviou<br />

Santos que o governassem,<br />

mandando<br />

em seu lugar reis meninos?<br />

Ou, pelo contrário,<br />

teria sido um<br />

fraco rei que fez fraca<br />

a forte gente? Deus o<br />

sabe.<br />

Nações-chave<br />

Para concluir a análise<br />

histórica da Revolução<br />

A tendenciosa,<br />

olhemos um pouco<br />

para o passado e<br />

para o futuro, examinando<br />

mais uma vez o<br />

problema das nações-<br />

-chave.<br />

Sabemos que Deus<br />

criou uma nação-chave<br />

no Antigo Testamento:<br />

Israel. Haveria<br />

também no Novo Testamento<br />

alguma nação-chave?<br />

Com toda<br />

certeza podemos<br />

responder afirmativamente.<br />

Porém é necessário<br />

distingui-las<br />

em dois graus. No primeiro,<br />

diríamos que as nações-chave<br />

do Novo Testamento são os povos<br />

cristãos. Mas – e aqui entramos<br />

no segundo grau – dentro dos povos<br />

cristãos haverá alguma nação-chave?<br />

São Pio X diz, numa de suas encíclicas,<br />

que Deus criou uma nação-<br />

-chave, um povo eleito, entre os cristãos:<br />

a nação francesa. É ela que, naturalmente,<br />

influencia o mundo inteiro.<br />

No campo das virtudes, por<br />

exemplo, quando são praticadas pelos<br />

franceses irradiam-se pelo mundo<br />

inteiro com grande facilidade.<br />

Haverá culto mais difundido que o<br />

de Santa Teresinha do Menino Jesus?<br />

Diante disto põe-se um problema<br />

penoso e pungente: Esta nação-chave<br />

chegou ao fim de seus dias com a<br />

tristeza bíblica de nação condenada,<br />

como atualmente se encontra. Haverá<br />

uma esperança para ela?<br />

Quanto à França eu sou como<br />

o judeu em relação ao povo eleito.<br />

Amo o Templo, amo as ruínas do<br />

Templo, e se essas ruínas se desfizerem<br />

em pó, eu amarei o pó que resultou<br />

dessas ruínas.<br />

Devo dizer, pois, que tenho a impressão<br />

de que a França continuará<br />

a ser a nação-chave. Mas assim como<br />

outrora tivemos o Império do<br />

Oriente e o do Ocidente, e na própria<br />

Cristandade havia dois Impérios,<br />

o Bizantino e o Romano-Alemão,<br />

assim também para as nações<br />

antigas teremos, ao lado do Império<br />

francês, o domínio e a hegemonia<br />

cultural de outras nações, profundamente<br />

embebidas daquilo que o<br />

espírito latino e francês tem de melhor,<br />

mas trazendo também consigo<br />

outras seivas.<br />

Estas nações, como todas as nações<br />

eleitas, são capazes de conhecer<br />

as piores misérias, quando não correspondem<br />

à graça de Deus, mas são<br />

também capazes das maiores glórias,<br />

desde que correspondam à sua graça.<br />

A meu ver, estas nações são as<br />

que constituem o mundo ibero-americano.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 1964)<br />

1) Jean Racine (*1639 - †1699), dramaturgo<br />

francês.<br />

2) Victor Hugo (*1802 - †1885), escritor<br />

francês.<br />

3) François-René, Visconde de Chateaubriand<br />

(*1768 - †1848), escritor e político<br />

francês.<br />

4) Expressão cunhada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para<br />

indicar a aspiração existente na alma<br />

de cada pessoa para contemplar a<br />

Deus de um modo próprio. Ver <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 54 (setembro de 2002),<br />

p. 4.<br />

17


0AHreKwptST8Jg (CC3.0)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Hierarquia, esplendor,<br />

nobreza, sacralidade<br />

Catedral de Santo<br />

Estêvão, Viena<br />

Mais de duzentas mil pessoas participaram de uma soleníssima<br />

procissão em honra do Santíssimo Sacramento, em Viena, dois anos<br />

antes da eclosão da I Guerra Mundial. A hierarquia, o esplendor,<br />

a nobreza, a sacralidade que ali se manifestaram fazem bem para<br />

a alma devido à graça divina. Esta proporciona a melhor forma<br />

de felicidade que existe na Terra: a tranquilidade sobrenatural.<br />

Pretendo comentar uma matéria<br />

publicada em 3 de outubro de<br />

1912, na revista semanal para a<br />

infância e adolescência Le Noël – O Natal<br />

–, de Paris. O artigo trata a respeito<br />

do Congresso Eucarístico de Viena,<br />

e da procissão realizada no domingo,<br />

15 de setembro de 1912, portanto dois<br />

anos antes da Primeira Guerra Mundial,<br />

em plena Belle Époque 1 .<br />

Oitenta mil homens,<br />

tendo à frente os portaestandartes<br />

e os músicos<br />

Nota da revista: Transcrevemos a<br />

narração deste triunfo eucarístico da<br />

publicação “A Semana Religiosa”, de<br />

Paris.<br />

Tinha ficado combinado que, em caso<br />

de intempérie, a grande procissão do<br />

domingo não seria realizada, e que tão<br />

somente uma Missa seria celebrada pelo<br />

Legado Papal, na Catedral de Santo Estêvão,<br />

ante o Imperador e toda a corte.<br />

Apesar de tudo, no domingo de<br />

manhã, sem se preocuparem com a<br />

chuva que não cessava de cair, oitenta<br />

mil homens que deviam tomar parte<br />

na procissão estavam fielmente em<br />

seus postos, com estandartes, bandeiras<br />

e música à frente.<br />

Por outro lado, ficamos sabendo<br />

que o Imperador tinha declarado que<br />

era necessário que a procissão fosse<br />

feita custasse o que custasse:<br />

“Os citadinos – disse ele – têm<br />

guarda-chuvas; os camponeses não te-<br />

mem a chuva, e o Santíssimo Sacramento<br />

irá de carro.”<br />

Apesar de sua idade avançada (84<br />

anos), pretendia ele mesmo participar<br />

da procissão.<br />

Às oito horas a tropa já tinha tomado<br />

posição. O cortejo, composto<br />

exclusivamente de homens, saía do<br />

átrio da Catedral de Santo Estêvão,<br />

enquanto cento e cinquenta mil mulheres<br />

e moças estendiam-se por duas<br />

alas desde a catedral até a porta monumental<br />

que dava acesso ao palácio<br />

imperial.<br />

Primeiramente avançam as paróquias<br />

de Viena, em seguida os magnatas<br />

húngaros, os tiroleses em número<br />

de oito mil, os bósnios, os tchecos, os<br />

morávios, os rutenos e os romenos.<br />

18


Famílias de povos reunidas<br />

por uma ligação com<br />

a família imperial<br />

Todos ou quase todos eram povos<br />

que tinham vindo parar sob a coroa<br />

do Império da Áustria-Hungria, não<br />

por conquista militar, mas por casamentos.<br />

Era hábito da família imperial<br />

fazer um verdadeiro jogo de xadrez<br />

para ampliar, por via hereditária<br />

e dinástica, o território do Império.<br />

Por essa forma, por exemplo, embora<br />

o Brasil fosse ainda uma colônia<br />

portuguesa, o casamento do Imperador<br />

D. Pedro I com a Imperatriz<br />

Dona Leopoldina fez-se precisamente<br />

com vistas a lançar um fio<br />

de simpatia e de relações de altíssimo<br />

nível: era a filha do Imperador<br />

da Áustria que casava com o primogênito<br />

do Rei de Portugal, Algarves<br />

e Brasil. Esse casamento se dava por<br />

causa da vantagem de algum dia a<br />

coroa do Brasil, por sucessão hereditária,<br />

acabar nas mãos de um prín-<br />

cipe da Casa d’Áustria. A preocupação<br />

era continuamente essa.<br />

Mas esses povos incorporados assim<br />

não se sentiam vítimas de conquistas,<br />

em que o pé do conquistador<br />

está em cima esmagando o que<br />

se encontra embaixo; eles se sentiam<br />

introduzidos na família de povos,<br />

por ter havido um casamento na dinastia<br />

que governava esse povo com<br />

a austro-húngara. Formavam famílias<br />

de povos reunidas por uma ligação<br />

com a arquifamília, que era então<br />

a família imperial.<br />

De um modo geral, esses povos<br />

possuíam trajes regionais tradicionais<br />

e desfilavam com eles, o que daria<br />

certamente uma beleza deslumbrante<br />

a essa procissão.<br />

Oitenta mil homens para uma população<br />

de antes da Primeira Guerra<br />

Mundial é muita gente, sobretudo<br />

tomando em consideração o fato<br />

de que chovia a cântaros, e o pessoal<br />

provavelmente tocava música a todo<br />

vapor, debaixo da chuva.<br />

O ostensório numa<br />

carruagem conduzida<br />

por oito cavalos<br />

Eis a seguir as delegações estrangeiras:<br />

os franceses, distinguidos pelas<br />

bandeiras tricolores, que três de nossos<br />

compatriotas empunhavam alto e<br />

firmemente debaixo de um verdadeiro<br />

dilúvio; os espanhóis, os italianos, os<br />

ingleses, os alemães, etc.<br />

São onze horas e meia. O clero vai<br />

entrar em cena. Compõe-se de cinco mil<br />

sacerdotes e religiosos ordenados hierarquicamente:<br />

simples padres, curas de<br />

paróquias, monges de todas as Ordens,<br />

cônegos e, encerrando o bloco, duzentos<br />

bispos com capas, mitras e báculos.<br />

Fanfarras de trompetes anunciam o<br />

terceiro cortejo – do Santíssimo Sacramento<br />

–, ao que seguirá o do Imperador-rei.<br />

Na primeira linha estão escudeiros<br />

vestidos de vermelho escarlate; em seguida<br />

militares da corte, com panache<br />

branco, montados em cavalos cinzas<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Cardeal Léon-Adolphe Amette, Arcebispo de Paris, em 1912<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

de toute beauté; os dragões e os hussardos.<br />

Ainda um esquadrão de cavalaria e<br />

eis que chegam os cardeais. Cada um<br />

possui sua carruagem particular…<br />

Vejam que coisa bonita! Não vai<br />

uma espécie de ônibus de cardeais.<br />

Cada cardeal tem sua carruagem.<br />

Então aquelas fileiras de cardeais<br />

com bonitas carruagens e o purpurado<br />

ali com a sua corte. É belíssimo!<br />

…e vem acompanhado a pé pelo encarregado<br />

de sua capela, levando seu<br />

crucifixo, seu báculo, o archote ritual e<br />

seu livro de orações. Sua Eminência o<br />

Cardeal Amette vem sentado num admirável<br />

carro com relevos negro e ouro,<br />

atrelado por quatro cavalos. Ele não<br />

sofrerá com a chuva, mas manifesta-se<br />

preocupado pelos outros, e admira esta<br />

multidão que se apressa, desde a aurora,<br />

para honrar o Santíssimo Sacramento.<br />

Fanfarras ressoam, sinos tocam por<br />

toda parte e, precedida por oficiais,<br />

camareiros e do grande marechal da<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1994<br />

corte, a carruagem da coroação de<br />

Maria Teresa, pintada por Rubens, penetra<br />

na Helden Platz, atrelada por oito<br />

cavalos negros. A parte alta é quase<br />

toda de vidro e pode-se ver comodamente<br />

o legado papal, ajoelhado ante<br />

um altar no qual está o ostensório.<br />

Rubens era um desses pintores internacionais<br />

de fama indelével, suas<br />

obras são preciosidades. Essa carruagem<br />

batida pela chuva era pintada por<br />

ele. Pois bem, ela sai em honra do Santíssimo<br />

Sacramento, transformada numa<br />

capela ambulante dentro da qual<br />

está montado um altar com o Santíssimo<br />

Sacramento; e ajoelhado diante do<br />

ostensório o legado papal.<br />

Todos ficaram felizes por<br />

terem honrado a Sagrada<br />

Eucaristia, apesar da chuva<br />

A chuva cessa por um momento e o<br />

Sol deixa entrever alguns pálidos raios.<br />

Todos tiram os chapéus. Muitos caem de<br />

joelhos, sem se preocuparem com a lama.<br />

Aí então, num silêncio dos mais comoventes,<br />

passa o Deus da Eucaristia.<br />

Como Nosso Senhor deve ter abençoado<br />

esses humildes que se inclinam<br />

ante sua passagem, e ouvido os ecos<br />

de sua comovida piedade!<br />

Depois da carruagem de Nosso Senhor,<br />

eis agora a do Imperador.<br />

Numa carruagem atrelada por oito<br />

cavalos brancos, e vestido com um<br />

uniforme azul, Francisco José olha fixamente<br />

o Santíssimo Sacramento,<br />

que ele acompanha. A seu lado está o<br />

arquiduque-herdeiro.<br />

Uma formidável e uníssona ovação<br />

é proclamada por esta imensa multidão,<br />

para acolher o Imperador que<br />

chegava na Helden Platz.<br />

Sentia-se que os cem mil católicos<br />

presentes queriam não somente honrar<br />

o soberano, mas sobretudo agradecer-lhe<br />

pelo exemplo de Fé que ele dava,<br />

e mostrar que todos os corações vibravam<br />

neste instante supremo.<br />

O cortejo termina por uma soberba<br />

cavalgada da guarda montada austríaca,<br />

da guarda montada húngara e<br />

pelas carruagens dos arquiduques. Desenvolve-se<br />

conforme o itinerário prescrito,<br />

mas é impossível celebrar a Missa<br />

onde está montado o altar, e nem<br />

mesmo ser dada a bênção.<br />

Uma feliz ideia é enunciada pelo legado<br />

papal: ele se volta em direção à<br />

multidão perfilada e seu carro percorre<br />

de novo a imensa praça. Por meio da<br />

vidraça da carruagem aparece nitidamente<br />

o prelado levando o ostensório<br />

e benzendo a multidão. Todos ficam<br />

consolados por esta bênção suprema.<br />

Precedendo ou seguindo o Santíssimo<br />

Sacramento, os bispos, os cardeais e<br />

o Imperador entram então na capela do<br />

palácio imperial, o Cardeal-legado celebra<br />

a Santa Missa, à qual assistem piedosamente<br />

o soberano e toda a sua corte.<br />

É uma hora da tarde: a imensa<br />

multidão se dispersa. Estão felizes por<br />

terem honrado a Sagrada Eucaristia,<br />

apesar da hostilidade dos elementos<br />

da natureza. Uma dama austríaca di-<br />

20


Dorotheum (CC3.0)<br />

Imperador Francisco José em sua carruagem.<br />

Em destaque, o Imperador em 1910<br />

zia: “Nosso Senhor quer nos mostrar<br />

que é preciso fazer face às dificuldades<br />

para segui-Lo.” É um pensamento<br />

dos melhores. O Deus da Eucaristia<br />

quis permanecer o Deus escondido,<br />

mas sem dúvida quis receber essas homenagens<br />

dos grandes e dos humildes.<br />

O melhor repouso da<br />

alma é admirar<br />

ra, no perpétuo tédio, na<br />

monotonia inexorável de<br />

certos ambientes contemporâneos,<br />

encontramos a<br />

ação do demônio, pois o<br />

lugar empoeirado, feio, ordinário<br />

é propício para que<br />

o demônio entre e apresente<br />

as tentações dele.<br />

Sabe-se que a tendência hoje<br />

dos psiquiatras e especialistas em<br />

distúrbios nervosos é de não mandar<br />

para os hospícios senão os casos<br />

de pessoas que se tornam fisicamente<br />

agressivas, porque os hospícios estão<br />

tão cheios que não há mais lugar<br />

onde pôr os loucos. Às vezes,<br />

nos perguntamos quem não terá alguma<br />

coisa de loucura hoje em dia.<br />

Mas por quê? Entre outras razões,<br />

porque nunca aparecem cenas como<br />

essas. As pessoas não admiram mais.<br />

A hierarquia, o esplendor, a nobreza,<br />

a sacralidade fazem bem para a alma<br />

devido a uma razão sobrenatural.<br />

São ocasiões de graças. Vimos, pela<br />

leitura, que o Santíssimo Sacramento<br />

as difundiu ali em quantidade para<br />

atrair aquela multidão, que não iria se<br />

não fossem as graças. Com a graça vem<br />

a melhor forma de felicidade que existe<br />

Faço um comentário colateral, mas<br />

que me parece muito oportuno. Não é<br />

verdade que ao ouvirmos esta narração<br />

nos sentimos um pouco mais descansados,<br />

distendidos?<br />

Vemos, assim, o absurdo da civilização<br />

ou daquilo que se poderia chamar<br />

cultura moderna que, sob o pretexto de<br />

promover a igualdade e tornar os caminhos<br />

desimpedidos para todo o mundo,<br />

fazendo as coisas depressa, cria uma<br />

existência ultratensiva a ser vivida por<br />

homens em cujo espírito a admiração<br />

não tem lugar, por viverem num ambiente,<br />

numa cultura, que não procura<br />

levar as pessoas para admiração.<br />

Resultado: não tendo o que admirar,<br />

a pessoa não tem como descansar.<br />

O melhor repouso da alma é<br />

admirar. Ademais, na perpétua feiuna<br />

Terra, e a melhor cura para nervosos:<br />

a tranquilidade sobrenatural.<br />

E enquanto não há isto não adianta<br />

vir com história de querer fazer<br />

uma cura psiquiátrica para uma zona<br />

de um país onde haja muitos gagás.<br />

Ponha o Santíssimo, Nossa Senhora,<br />

o sobrenatural, e os caminhos<br />

se abrem para as soluções. v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de<br />

17/8/1994)<br />

1) Do francês: Bela Época. Período entre<br />

1871 e 1914, durante o qual a Europa<br />

experimentou profundas transformações<br />

culturais, dentro de um<br />

clima de alegria e brilho social.<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

21


Flávio Lourenço<br />

C<br />

alendário<br />

São Marcelino<br />

1. São Justino, mártir (†c. 165).<br />

Santo Ínhigo, abade (†c. 1060).<br />

Abade do mosteiro de Oña, perto de<br />

Burgos, Espanha, cuja morte os próprios<br />

judeus e mouros choraram.<br />

2. Santos Marcelino e Pedro, mártires<br />

(†304).<br />

São Nicolau (†1094). Peregrino que<br />

percorria a região da Apúlia, Itália, levando<br />

na mão um Crucifixo e invocando<br />

sem cessar o perdão de Deus.<br />

3. Solenidade do Santíssimo Corpo<br />

e Sangue de Cristo.<br />

dos Santos – ––––––<br />

São Carlos Lwanga e companheiros,<br />

mártires (†1886).<br />

São Lifardo, presbítero (†s. VI). Levou<br />

em Meung-sur-Loire, França, uma<br />

vida eremítica de grande austeridade.<br />

4. Imaculado Coração de Maria.<br />

São Quirino, mártir (†309). Bispo<br />

de Siszeck, na atual Hungria, foi jogado<br />

num rio com uma pedra de moinho<br />

atada ao pescoço.<br />

5. São Bonifácio, bispo e mártir<br />

(†754). Monge proveniente da Inglaterra<br />

enviado pelo Papa Gregório II à Alemanha<br />

para evangelizar. Sendo Bispo<br />

de Mogúncia, foi massacrado pela espada<br />

em Dokkum, atual Holanda.<br />

6. X Domingo do Tempo Comum.<br />

São Norberto, bispo (†1134).<br />

São Marcelino Champagnat, fundador<br />

(†1840). Fundador do Instituto dos<br />

Pequenos Irmãos de Maria (maristas).<br />

7. Santo Antônio Maria Gianelli,<br />

bispo (†1846). Bispo de Bobbio, fundou<br />

a Congregação das Filhas de Maria<br />

Santíssima do Horto. Deu exemplo<br />

de dedicação às necessidades dos<br />

pobres, à salvação das almas e à promoção<br />

da santidade do clero.<br />

8. Santo Efrém, diácono e Doutor<br />

da Igreja (†373).<br />

São Medardo, bispo (†561). Bispo<br />

de Noyon, França, trabalhou com todo<br />

o empenho para converter o povo das<br />

superstições pagãs à doutrina de Cristo.<br />

9. São José de Anchieta, presbítero<br />

(†1597).<br />

Beato Luís Boccardo, presbítero<br />

(†1936). Da Diocese de Turim, fundador<br />

do Instituto das Filhas de Jesus<br />

Rei e Sacerdote, religiosas de vida<br />

contemplativa.<br />

10. São Bogumilo, bispo (†1182).<br />

Bispo de Gniezno, Polônia, que renunciando<br />

à sede episcopal, ali seguiu a vida<br />

eremítica em suprema austeridade.<br />

11. Solenidade do Sagrado Coração<br />

de Jesus.<br />

São Barnabé, Apóstolo.<br />

Beato Estêvão Bandelli, presbítero<br />

(†1450). Da Ordem dos Pregadores<br />

falecido em Saluzzo, Itália. Foi<br />

eminente na pregação e assíduo no<br />

ministério das Confissões.<br />

12. Imaculado Coração de Maria.<br />

Santo Ésquilo de Strängnäs, mártir<br />

(†c. 1080). Natural da Inglaterra,<br />

foi ordenado Bispo por São Sigfredo,<br />

seu mestre. Dedicou-se com empenho<br />

a converter os pagãos, pelos<br />

quais morreu lapidado, na Suécia.<br />

13. XI Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Antônio de Pádua, presbítero<br />

e Doutor da Igreja (†1231).<br />

14. Santo Eliseu, profeta.<br />

Beata Francisca de Paula de Jesus<br />

(†1895). Filha e neta de escravos do<br />

Estado de Minas Gerais, Brasil, que<br />

tendo ficado órfã aos dez anos, dedi-<br />

Samuel Holanda<br />

São Gregório Barbarigo<br />

22


–––––––––––––––––– * Junho * ––––<br />

cou toda a sua vida à oração e ao serviço<br />

dos mais necessitados.<br />

15. Santa Germana, virgem<br />

(†1601). Aceitou todo o gênero de tribulações<br />

com fortaleza de alma e alegria,<br />

até que, aos 22 anos de idade,<br />

descansou em paz em Pibrac, França.<br />

16. São Cecardo, bispo e mártir<br />

(†860). Bispo de Luni e Sarzana, assassinado<br />

por obreiros das pedreiras<br />

de mármore em Carrara, Itália.<br />

17. Beato Filipe Papon, presbítero<br />

e mártir (†1794). Condenado à prisão<br />

numa galera ancorada em Rochefort,<br />

França, depois de ter dado a absolvição<br />

a um companheiro de prisão moribundo,<br />

entregou sua alma a Deus.<br />

18. São Gregório Barbarigo, bispo<br />

(†1697). Bispo de Pádua, Itália, considerado<br />

pacífico para com todos e severo<br />

para consigo.<br />

19. São Romualdo, abade (†1027).<br />

Santos Remígio Isoré e Modesto<br />

Andlauer, mártires (†1900). Presbíteros<br />

da Companhia de Jesus mortos<br />

durante a rebelião dos boxers na província<br />

de Hebei, China.<br />

20. XII Domingo do Tempo Comum.<br />

Beata Margarida Ball, mártir<br />

(†1584). Viúva septuagenária presa e<br />

torturada nas masmorras do Castelo<br />

de Dublin, Irlanda, por ter acolhido<br />

em sua casa sacerdotes perseguidos.<br />

21. São Luís Gonzaga, religioso<br />

(†1591).<br />

São Meveno (ou Mévio), abade<br />

(†s. VI). Tendo nascido no País de<br />

Gales, se recolheu numa floresta da<br />

Bretanha. Fundou na atual comuna<br />

de Saint-Meén-le-Grand, França, o<br />

mosteiro que hoje leva o seu nome.<br />

22. São Paulino de Nola, bispo (†431).<br />

São João Fisher, bispo, e São Tomás<br />

Moro, mártires (†1535).<br />

São Nicetas, bispo (†c. 414). Bispo<br />

de Remesiana, atual Sérvia, evangeli-<br />

zou assiduamente os bárbaros, transformando-os<br />

em ovelhas de Cristo<br />

conduzidas ao redil da paz.<br />

23. São Bílio, bispo e mártir (†c. 914).<br />

Segundo a tradição, foi morto pelos normandos<br />

quando saquearam a cidade de<br />

Vannes, França.<br />

24. Natividade de São João Batista.<br />

São José Yuan Zaide, presbítero<br />

(†1817). Presbítero cruelmente estrangulado<br />

por ódio à Fé na província<br />

chinesa de Sichuan.<br />

25. Beata Maria Lhuillier, virgem<br />

e mártir (†1794). Religiosa das Irmãs<br />

Santa Germana<br />

Hospitaleiras da Misericórdia decapitada<br />

em Laval, França, durante a Revolução<br />

Francesa por sua fidelidade à<br />

Igreja nos votos religiosos.<br />

26. Beato Raimundo Petiniaud de<br />

Jourgnac, presbítero (†1794). Por ser<br />

sacerdote, ficou detido em condições<br />

desumanas num barco ancorado em<br />

Rochefort, França, e ali morreu consumido<br />

pelas chagas e insetos.<br />

27. Solenidade de São Pedro e São<br />

Paulo, Apóstolos. (Transferida do dia 29).<br />

Samuel Holanda<br />

São Meveno<br />

São Cirilo de Alexandria, bispo e<br />

Doutor da Igreja (†444).<br />

Santo Arialdo, diácono e mártir<br />

(†1066). Foi cruelmente atormentado<br />

e morto por dois clérigos, em Milão,<br />

Itália, por se opor tenazmente à simonia<br />

e à depravação.<br />

28. Santo Irineu, bispo e mártir<br />

(†c. 202).<br />

Santa Vicência Gerosa, virgem<br />

(†1847). Religiosa da Lombardia que<br />

fundou, juntamente com Santa Bartolomea<br />

Capitanio, o Instituto das Irmãs<br />

da Caridade de Lovere, Itália.<br />

29. São Cássio, bispo (†558). Bispo<br />

de Narni, Itália, oferecia todos os<br />

dias o Santo Sacrifício todo banhado<br />

em lágrimas e dava em esmolas tudo<br />

o que tinha.<br />

30. Santos Protomártires da Igreja<br />

de Roma (†64).<br />

Santo Otão, bispo (†1139). Bispo<br />

de Bamberg, Alemanha, evangelizou<br />

com grande zelo os pomeranos.<br />

Flávio Lourenço<br />

23


Hagiografia<br />

Santa Clotilde e a<br />

conversão do Rei Clóvis<br />

Enfrentando duríssimas provações com muita Fé e<br />

confiança na Divina Providência, Santa Clotilde conseguiu<br />

a conversão de seu esposo Clóvis, Rei da França. Após a<br />

vitória obtida na Batalha de Tolbiac, ele e três mil de seus<br />

soldados foram batizados por São Remígio, Bispo de Reims.<br />

Mbzt (CC3.0)<br />

Apesar de ser filha dos Reis<br />

de Borgonha, teve Clotilde<br />

uma infância muito triste.<br />

Nascida em torno a 475, em Gundobaldo,<br />

seu tio, obcecado pela ambição,<br />

assassinou os pais de Clotilde,<br />

dois dos irmãos, enclausurou a<br />

irmã mais velha num convento e levou<br />

consigo Clotilde, menina de extraordinária<br />

beleza. Embora vivesse<br />

num ambiente todo ariano, Clotilde<br />

teve a felicidade de receber uma<br />

mestra católica que a educou na Religião<br />

verdadeira. Quanto mais aversão<br />

lhe inspirava a presença do as-<br />

sassino dos pais, tanto mais se entregava<br />

a Deus e à sua divina Mãe.<br />

Capela riquíssima e<br />

culto esplendoroso<br />

Debalde se esforçava por ficar<br />

desconhecida do mundo: rara beleza<br />

e, mais ainda, as belas qualidades<br />

de coração e de espírito da donzela<br />

atraíram a atenção de toda a Borgonha,<br />

que se orgulhava de possuir<br />

uma princesa tão virtuosa.<br />

Pedida em casamento por Clóvis I,<br />

Rei da França, deu consentimento só<br />

24<br />

Retábulo da Basílica de<br />

Santa Clotilde - Paris


depois de muito rezar, e<br />

ainda assim com a condição<br />

do Rei, que ainda era<br />

pagão, deixar-lhe praticar<br />

a Religião cristã. Clóvis<br />

deu palavra de honra de<br />

querer respeitar a Religião<br />

de Clotilde, e assim contraíram<br />

núpcias em 493.<br />

O único desejo de Clotilde<br />

era a conversão do Rei<br />

e do povo ao Catolicismo.<br />

Contando com a influência<br />

do bom exemplo, instalou a<br />

Rainha no palácio uma capela<br />

riquíssima e organizou<br />

o culto do modo mais esplendoroso.<br />

Pessoalmente,<br />

de pontualidade rigorosa<br />

no cumprimento dos deveres<br />

religiosos, sua vida era<br />

de penitência, de caridade<br />

sem precedentes. Deste<br />

modo Clotilde não só alcançou<br />

ser respeitada e amada<br />

no meio dos elementos<br />

mais ou menos hostis à Religião<br />

cristã, mas ainda conseguiu<br />

que o Rei perdesse<br />

os preconceitos em matéria<br />

de religião e se sentisse feliz<br />

em possuir uma esposa virtuosa.<br />

Clotilde não perdia ocasião de<br />

mostrar ao esposo a beleza da Religião<br />

de Cristo. Incessantemente dirigia<br />

preces à misericórdia divina, para<br />

que se compadecesse do Rei e do povo<br />

da França e lhes concedesse a graça<br />

da conversão. Clóvis não era inacessível<br />

aos rogos da esposa, mas não<br />

se animava a abandonar as superstições<br />

do paganismo, receando o desagrado<br />

do povo. Não obstante consentiu<br />

que o primeiro filhinho fosse batizado<br />

com toda a solenidade.<br />

Provações duríssimas<br />

enfrentadas com<br />

confiança em Deus<br />

Clóvis, o Rei dos francos - Coleção<br />

do Palácio de Versailles<br />

ro filho morreu poucos dias depois<br />

de ter recebido o Batismo. Indescritível<br />

era a dor do Rei e o seu coração<br />

encheu-se de rancor contra a esposa,<br />

levantando-lhe as mais duras acusações.<br />

— Vejo na morte de meu filho a<br />

ira dos deuses que, irritados com o<br />

Batismo cristão, assim se vingaram.<br />

Clotilde, com mansidão, respondeu:<br />

— Não menos motivo tenho de<br />

chorar a morte da criança; mas dou<br />

graças a Deus que Se dignou de dar-<br />

-me um filho para recolhê-lo logo ao<br />

seu reino.<br />

Que bela resposta, digna duma<br />

mãe cristã!<br />

Clotilde não desanimou e continuou<br />

a preparar o espírito de Clóvis<br />

para que recebesse a graça do Cristia-<br />

Aprouve a Deus sujeitar a fiel serva<br />

a provações duríssimas. O primeinismo.<br />

Quando deu à luz o<br />

segundo filho, conseguiu<br />

do Rei o consentimento<br />

para o Batismo da criança.<br />

Aconteceu, porém,<br />

que esse segundo menino<br />

também adoeceu gravemente<br />

depois da recepção<br />

do Sacramento. Para Clóvis<br />

já não havia mais dúvida<br />

que era o Sacramento<br />

cristão o causador da morte<br />

do primeiro e da doença<br />

do segundo filho. Alucinado<br />

pela dor, rompeu em<br />

blasfêmia e lançou contra<br />

a esposa os mais graves insultos.<br />

Clotilde sofreu tudo<br />

calada, mas seu amor a<br />

Deus e a confiança na Divina<br />

Providência nenhum<br />

abalo sofreram. Com o intuito<br />

de desagravar a Santa<br />

Religião ultrajada, tomou<br />

a criança doente nos<br />

braços e, de joelhos ante<br />

o crucifixo, ofereceu a<br />

inocência do filhinho pela<br />

conversão do pai. Deus recompensou<br />

essa humildade<br />

e caridade pela repentina<br />

cura do menino.<br />

A alegria e o pasmo de Clóvis, ao<br />

ver o filho são e salvo, eram indescritíveis.<br />

Bendizendo a grandeza e o<br />

poder do Deus dos cristãos, prometeu<br />

aceitar a Fé cristã, promessa cujo<br />

cumprimento, porém, depois protelou,<br />

alegando mil motivos.<br />

François-Louis Dejuinne (CC3.0)<br />

“Se eu lá estivesse com<br />

os meus francos...”<br />

Neste entrementes, veio a guerra<br />

contra os alamanos. Despedindo-se<br />

da mulher, esta lhe disse:<br />

— Não ponhas tua confiança em<br />

teus deuses que nenhum poder têm,<br />

mas confia em Deus Todo-Poderoso<br />

que te dará a vitória sobre teus inimigos.<br />

Lembra-te destas palavras,<br />

quando te achares em perigo.<br />

25


Hagiografia<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Em Tolbiac, travou-se sangrenta<br />

batalha e a vitória pendia para o<br />

lado dos alamanos. Nas fileiras dos<br />

exércitos de Clóvis reinavam já desordens,<br />

e ele mesmo corria risco de<br />

ser aprisionado. Nesta suprema angústia,<br />

Clóvis se lembrou das palavras<br />

que a esposa lhe dissera na despedida<br />

e, olhos e mãos elevadas ao<br />

céu, assim rezou:<br />

“Ó Deus de Clotilde valei-me!<br />

Se me libertardes desse perigo e me<br />

concederdes a vitória, acreditarei em<br />

Vós e a vossa Religião será introduzida<br />

no meu reino.”<br />

Imediatamente as coisas mudaram<br />

de aspecto. Um pânico inexplicável<br />

apoderou-se dos inimigos, que<br />

foram completamente derrotados.<br />

Indescritível foi o júbilo dos francos<br />

e do Rei, que tão evidentemente<br />

acabara de experimentar o poder do<br />

Deus dos cristãos.<br />

Desta vez Clóvis cumpriu a palavra.<br />

Instruído na Doutrina cristã por<br />

São Remígio, pelo mesmo santo bis-<br />

Batismo de Clóvis - Coleção do<br />

Palácio de Versailles<br />

Batalha de Tolbiac - Coleção do Palácio de Versailles<br />

po foi batizado em 496, em Reims, e<br />

com ele três mil francos receberam<br />

o mesmo Sacramento.<br />

As ruas da cidade<br />

ostentavam ornato<br />

pomposo e a catedral<br />

achava-se solenemente<br />

enfeitada.<br />

— É este o reino<br />

dos Céus, santo padre?<br />

– perguntou o<br />

Rei ao transpor o limiar<br />

da catedral.<br />

Quando o bispo<br />

lhe falou da morte<br />

de Cristo na Cruz,<br />

Clóvis respondeu:<br />

— Se eu lá tivesse<br />

estado com os meus<br />

francos, nada Lhe teria<br />

acontecido.<br />

Quando Clóvis se<br />

dirigiu à pia batismal,<br />

São Remígio o<br />

recebeu com estas<br />

palavras:<br />

— Inclina tua cabeça,<br />

altivo sicambro,<br />

e adora o que até hoje perseguiste<br />

e persegue o que até agora<br />

adoraste.<br />

Diz a tradição que, no momento<br />

do Batismo de Clóvis, todo o povo<br />

viu uma pomba branquíssima que<br />

trazia no bico um frasco com os santos<br />

óleos, e um Anjo levava um estandarte<br />

de bordado riquíssimo. O<br />

frasco se conservou até o tempo da<br />

Revolução Francesa, quando foi<br />

quebrado. O lis, desde então o brasão<br />

dos reis de França, é um símbolo<br />

antiquíssimo de origem céltica e significa<br />

fertilidade.<br />

Embora cristão, Clóvis continuou<br />

na carreira de conquistador, dando<br />

muitas provas de um caráter bárbaro<br />

e índole feroz. Morreu na idade<br />

de setenta anos. Clotilde teve muitos<br />

e profundos desgostos com os filhos,<br />

que se guerreavam em lutas fratricidas.<br />

Morreu em 545 e seu corpo<br />

acha-se na Igreja de Santa Genoveva,<br />

em Paris.<br />

v<br />

(Extraído de O Legionário<br />

n. 773, 1/6/1947)<br />

Ary Scheffer (CC3.0)<br />

26


De Maria nunquam satis<br />

Vitória de João III Sobieski, Rei da<br />

Polônia, contra os turcos na Batalha<br />

de Viena - Museu do Vaticano<br />

Jean-Pol GRANDMONT (CC3.0)<br />

Que o Coração de Maria<br />

seja a nossa morada<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> desejaria não somente reclinar a cabeça sobre o Coração<br />

de Maria, mas poder estabelecer lá dentro a sua morada para que,<br />

iluminado nessa luz, virginizado nessa pureza e inflamado nas<br />

chamas dessa caridade, tudo o que ele dissesse fossem palavras<br />

de luz e fogo a brotar da abundância desse Coração inefável.<br />

Coração de Maria, minha esperança!”<br />

era o lema do célebre<br />

João Sobieski, Rei da<br />

Polônia, que nos transes difíceis de<br />

sua vida e do seu reinado ia haurir<br />

no Coração Imaculado de Maria<br />

alento e valor para as dificuldades.<br />

Com este grito de guerra, “Cor Mariæ,<br />

spes mea”, a vibrar-lhe na alma<br />

e a inebriar-lhe o coração, se lançou<br />

ele afoito contra os turcos em 1683,<br />

e pouco depois libertava heroicamente<br />

a cidade de Viena do apertado<br />

cerco muçulmano.<br />

Grito de guerra para uma<br />

Cruzada invencível<br />

“Coração de Maria, nossa esperança!”<br />

é o grito de guerra com que<br />

dum recanto ao outro da Terra te-<br />

mos que convocar todas as almas de<br />

boa vontade para, numa Cruzada invencível,<br />

sob a égide da Rainha dos<br />

Céus, marcharmos à rude tarefa de<br />

libertar enfim a pobre humanidade<br />

dos terríveis cercos de ferro com<br />

que a perversidade e a insânia tentam<br />

aniquilá-la. É pelo Coração de<br />

Maria que faremos triunfar o Coração<br />

de Jesus!<br />

Leão XIII apontava para o Coração<br />

Santíssimo de Jesus como o<br />

grande sinal no firmamento a prometer-nos<br />

vitória: In hoc signo vinces!<br />

– Com este sinal vencerás! E<br />

com ele nos mandava armar, como<br />

outrora os soldados de Constantino,<br />

com o Sinal da Cruz. E muitos dos<br />

cristãos obedeceram e o mundo foi<br />

consagrado oficialmente pelo Papa<br />

ao Sagrado Coração do Salvador.<br />

Por isso podia na sua primeira encíclica<br />

escrever Pio XII: “Da difusão<br />

e aprofundamento do culto ao Divino<br />

Coração do Redentor, que encontrou<br />

o seu coroamento não só na<br />

consagração da humanidade, ao declinar<br />

do último século, mas também<br />

na instituição da festa da Realeza de<br />

Cristo pelo nosso imediato Predecessor,<br />

de feliz memória, resultaram<br />

indizíveis bens para inúmeras almas;<br />

foi um caudal impetuoso que alegra<br />

a cidade de Deus: fluminis impetus<br />

lætificat civitatem Dei” (Sl 45, 5).<br />

Mas havemos de reconhecer que<br />

os triunfos do Coração de Jesus ainda<br />

não correspondem plenamente<br />

nesta época às sorridentes esperanças<br />

de Leão XIII ao consagrar-Lhe o universo.<br />

“Que época mais do que a nossa<br />

– diz ainda Pio XII – foi atormen-<br />

27


De Maria nunquam satis<br />

Gabriel K.<br />

Nossa Senhora do Sagrado Coração - Igreja do<br />

Sagrado Coração de Jesus, Montreal<br />

tada de vazio espiritual e profunda indigência<br />

interior, a despeito de todos<br />

os progressos técnicos e puramente<br />

civis?… Pode conceber-se dever<br />

maior e mais urgente do que evangelizar<br />

as insondáveis riquezas de Cristo<br />

(Ef 3, 8) aos homens do nosso tempo?<br />

E pode haver coisa mais nobre<br />

do que desfraldar o estandarte do<br />

Rei – vexilla Regis – diante dos que<br />

têm seguido e seguem ainda bandeiras<br />

falazes, e procurar reconduzir para<br />

o pendão vitorioso da Cruz os que<br />

o abandonaram?”<br />

Arrebatadora dos corações<br />

Ora, se urge anunciar essas riquezas<br />

insondáveis de Cristo aos homens,<br />

o caminho mais rápido e obrigatório é<br />

Maria – per Mariam ad Iesum. Tem sido<br />

sempre assim desde o começo da Igreja.<br />

É por Maria que nos vem Jesus.<br />

E o impulso cristão – que irrompe<br />

afinal das almas sob a ação do Espírito<br />

Santo, como numa das suas encíclicas<br />

sobre o Rosário o notou Leão<br />

XIII – vai mais longe afirmando cada<br />

vez mais clara e afoitamente, sobretudo<br />

de há um século a esta parte, que é<br />

pelo Coração de Maria que nos há de<br />

vir o Coração de Jesus; é pelo Reinado<br />

do Coração da Mãe que há de vir<br />

o Reinado do Coração do Filho.<br />

Para O fazer reinar é mister amá-<br />

-Lo – é o seu triunfo nos corações e<br />

nas vontades. Para O amar é urgente<br />

primeiro conhecê-Lo – é o seu reinado<br />

nas inteligências.<br />

Contribuam estas linhas para levar<br />

às almas essa luz e esse calor.<br />

Assim como não se conhece deveras<br />

a Cristo enquanto não se conhece<br />

seu Coração – o Coração de Jesus é<br />

o melhor ponto de vista do Salvador,<br />

é a chave do enigma de todas as suas<br />

misericórdias, o abismo inesgotável<br />

de todas as suas invenções de amor<br />

–, assim também Maria Santíssima<br />

só será conhecida e amada e reinará<br />

plenamente nas almas quando intimamente<br />

for conhecido o seu Coração<br />

Imaculado. É também ele o melhor<br />

ponto de vista de Maria. À luz do<br />

seu Coração ilumina-se das mais suaves<br />

e deslumbrantes tonalidades a sua<br />

virgindade sem par, a sua inexcedível<br />

dignidade de Mãe de Deus, de Esposa<br />

do Espírito Santo e de Filha predileta<br />

do Altíssimo, a sua terníssima solicitude<br />

de Mãe dos homens e de Rainha<br />

dos Céus e da Terra.<br />

O seu Coração é o ímã misterioso<br />

que nos arrebata os corações, o que<br />

levou São Bernardo a denominá-La<br />

a arrebatadora dos corações: raptrix<br />

cordium. Mas se é pelo Coração que<br />

Ela nos conquista, é também ele a<br />

arma com que A conquistamos: tocar-Lhe<br />

no Coração é vencê-La. E<br />

– mistério profundo! – não é outro<br />

o cetro com que Maria impera junto<br />

do Altíssimo. Mostrar ao Pai, ao<br />

Filho e ao Espírito Santo o seu Coração<br />

de Filha, Esposa e Mãe é conquistar<br />

a Deus; é inclinar a nosso favor<br />

toda a Santíssima Trindade.<br />

“Sozinha destruiu todas as<br />

heresias do mundo inteiro”<br />

Daqui vem que tudo o que se afirma<br />

de Maria Santíssima na sua missão<br />

e misericórdia a respeito dos indivíduos,<br />

da humanidade e da Igreja<br />

em especial, se haja de afirmar<br />

com mais forte razão do seu Coração<br />

Imaculado.<br />

Portanto, não conhece Maria<br />

quem não conhece o seu Coração;<br />

mas quem conhecer esse Coração<br />

possui o melhor conhecimento de<br />

Maria. Não ama a Maria quem não<br />

ama o seu Coração; mas amar o Coração<br />

de Maria é amá-La pelo melhor<br />

modo como Ela deseja ser amada.<br />

É no seu Coração que está a ra-<br />

28


zão de todas as suas bondades para<br />

com os homens; é essa a força que<br />

nos atrai quando a Ela acudimos e<br />

o bálsamo que nos conforta quando<br />

A imploramos, na certeza de sermos<br />

socorridos.<br />

É porque no peito de Maria palpitava<br />

um Coração tão semelhante ao<br />

seu que o Coração de Jesus, à hora<br />

da Morte no Calvário, no-La deu por<br />

Mãe: “Ecce Mater tua”, e a Ela nos<br />

entregou por filhos: “Ecce filius tuus”.<br />

Se de São Paulo se afirmou que tinha<br />

um coração parecido ao de Cristo:<br />

cor Pauli, Cor Christi, muito mais<br />

e melhor que ninguém tem direito a<br />

este encômio supremo Maria Santíssima:<br />

Cor Mariæ, Cor Iesu.<br />

É porque em seu peito continua<br />

lá no Céu a pulsar o mesmo Coração<br />

dulcíssimo e amantíssimo, que a<br />

Santa Igreja, nas horas aflitivas, nos<br />

manda acudir a Maria, seguros de<br />

obtermos sempre pronto socorro.<br />

“Quem considerar atentamente os<br />

anais da Igreja Católica – escrevia<br />

o saudoso Pontífice Pio XI<br />

–, verá facilmente unido a todos<br />

os fastos do nome cristão<br />

o valioso patrocínio da Virgem<br />

Mãe de Deus. E na verdade,<br />

quando os erros, grassando por<br />

toda parte, procuravam dilacerar<br />

a túnica inconsútil da Igreja<br />

e subverter o mundo católico,<br />

Àquela que ‘sozinha destruiu<br />

todas as heresias do mundo<br />

inteiro’ 1 acudiram nossos<br />

pais e se dirigiram com o coração<br />

cheio de confiança; e a vitória<br />

por Ela obtida trouxe-lhes<br />

tempos mais felizes.”<br />

Quando a impiedade muçulmana,<br />

confiada em potentes armadas<br />

e grandes exércitos, ameaçava<br />

arruinar e escravizar os<br />

povos da Europa, foi implorada<br />

instantissimamente, por conselho<br />

do Sumo Pontífice, a proteção<br />

da Mãe Celeste; deste modo<br />

foram destruídos os inimigos<br />

e submergidas as suas naus.<br />

E tanto nas calamidades públicas<br />

como nas necessidades particulares,<br />

têm acudido à Maria, suplicantes,<br />

os fiéis de todos os tempos, para<br />

que Ela venha benignissimamente<br />

em seu socorro, obtendo-lhes o<br />

alívio e remédio dos males do corpo<br />

e da alma. E jamais seu poderosíssimo<br />

socorro foi esperado em vão<br />

por aqueles que o imploram em prece<br />

confiante e piedosa.<br />

Que Nossa Senhora nos faça<br />

como que desaparecer n’Ela<br />

Com toda a razão, portanto, nas<br />

horas difíceis em que hoje vivemos,<br />

todas as nossas esperanças de salvação,<br />

de triunfos e de paz estão postas<br />

nesta Arca de salvação: no Coração<br />

de Maria.<br />

“A mim, o mínimo dos santos, foi-<br />

-me dada esta graça de evangelizar<br />

às gentes as investigáveis riquezas de<br />

Cristo” (Ef 3, 8), dizia São Paulo.<br />

Última Ceia - Convento Mãe de Deus, Lisboa<br />

Uma das mais insondáveis riquezas<br />

que nos legou Cristo foi o Coração<br />

de sua Mãe. Ah, se nos fora dado<br />

carisma parecido ao do Apóstolo<br />

de evangelizarmos aos nossos leitores<br />

toda a profundeza, longitude e<br />

latitude, todos os abismos preciosos<br />

de amor encerrados no Coração de<br />

Maria!<br />

Um erudito e piedoso autor dizia,<br />

ao escrever sobre o Coração da<br />

Mãe de Deus, que ambicionava para<br />

si poder reclinar-se, como outrora<br />

São João Evangelista na última Ceia<br />

sobre o peito do Senhor, também sobre<br />

o peito de Maria para, depois de<br />

escutar as palpitações de seu Coração,<br />

conseguir mais facilmente dizer<br />

desses segredos de amor.<br />

As nossas ambições vão mais longe<br />

neste instante: quiséramos não somente<br />

reclinar a cabeça sobre o Coração<br />

Imaculado de nossa Mãe do<br />

Céu, mas poder estabelecer lá dentro<br />

a nossa morada para que, iluminados<br />

nessa luz, virginizados nessa<br />

pureza e inflamados nas chamas<br />

dessa caridade, tudo o que<br />

Flávio Lourenço<br />

disséssemos fossem palavras de<br />

luz e fogo a brotar da abundância<br />

desse Coração inefável.<br />

Que Ela nos acolha nesse<br />

recôndito de amor, nos faça<br />

aí como que desaparecer<br />

n’Ela, para que afinal seja Maria<br />

quem diga de Si mesma,<br />

pelo débil instrumento que todo<br />

se Lhe consagra, as maravilhas<br />

do seu Coração.<br />

Que seja aí também que<br />

os nossos leitores coloquem a<br />

sua mansão, para nessa escola<br />

e a essa luz melhor compreenderem<br />

a obra-prima do Senhor.<br />

v<br />

(Extraído de O Legionário<br />

n. 555, 28/3/1943)<br />

1) Cf. Breviário Romano.<br />

29


Apóstolo do pulchrum<br />

À procura do belo<br />

e do superbelo<br />

Em suas obras, Claude<br />

Lorrain compõe o belo e<br />

introduz o superbelo. Para<br />

isso, capta os “flashes” dos<br />

estados mais bonitos da<br />

natureza e os fixa na tela.<br />

Entretanto, ao pintar uma<br />

paisagem não se limita a<br />

retratá-la como ela é, mas<br />

como ele a imagina.<br />

V<br />

ão ser consideradas fotografias de quadros de<br />

um pintor de origem lorena, mas que pintou a<br />

Itália e se tornou sobretudo célebre na Inglaterra.<br />

O nome dele é francês: Claude Lorrain 1 . Os quadros<br />

correspondem ao desejo de maravilhoso que ilustrava o<br />

Ancien Régime 2 .<br />

“Flashes” dos estados mais belos da natureza<br />

Nos quadros há dois dados que nos interessam realçar.<br />

Em primeiro lugar, é o modo elaborado e cultural de<br />

apresentar a natureza, por onde ela fica vista nos seus<br />

aspectos fugidios mais belos. Ele pega por assim dizer<br />

“flashes” dos estados mais belos da natureza e os fixa na<br />

30


tela. Ademais, tem esta posição que é muito criticada pelos<br />

modernos: compor o belo. Quer dizer, ao pintar uma<br />

paisagem, não a retrata como ela é, mas como ele a imagina.<br />

Pinta, por exemplo, um golfo real, mas figura no<br />

golfo uma ilha que não existe. E na ilha, um castelo que<br />

não existe também. E isto para pôr dentro do belo o superbelo.<br />

Qual a crítica que os modernos fazem a isso? Que não<br />

é real, as coisas não se passam assim e se deve pintar a<br />

realidade. Depois eles vão pintar na tela homens monstruosos<br />

que graças a Deus não existem, mas os partidários<br />

desse tipo de arte não chamam isso de “irrealismo”,<br />

e sim de “surrealismo”. Quer dizer, para eles isso não<br />

só é a realidade, mas a super-realidade. Ora, já se pode-<br />

mQHhySZUHdWMaA (CC3.0)<br />

31


Apóstolo do pulchrum<br />

ria impugnar o título: a super-realidade é real ou é a irrealidade?<br />

Além disso, uma coisa que é a super-realidade<br />

deveria ser algo mais belo do que a realidade, e não o<br />

monstruoso, que corresponde à sub-realidade. Há, portanto,<br />

uma inversão completa de conceitos e de valores.<br />

Parece-me que nesta época de poluição do ar, da mente,<br />

do senso estético, os quadros de Claude Lorrain apresentam<br />

qualquer coisa de muito formativo, neste sentido, com<br />

as restrições que se devem fazer às coisas do Ancien Régime.<br />

Ruínas que causam a impressão de<br />

serem feitas de pedras preciosas<br />

No primeiro quadro temos uma paisagem muito misturada:<br />

é uma espécie de meio-termo entre o campo e a cidade.<br />

The Yorck Project (CC3.0)<br />

32


Para melhor compreender a beleza desta obra de arte,<br />

é preciso ter tomado o gosto pelas ruínas e se pôr na perspectiva<br />

do belo tipicamente italiano. Alguns dos monumentos<br />

estão de tal maneira em ruínas que as pedras da<br />

parte de cima caíram, e no lugar nasceu uma vegetaçãozinha<br />

que não o enfeita nem um pouco. Em meio a tudo isso<br />

estão os camponeses se divertindo, conversando.<br />

Notem, entretanto, uma árvore de um formato até<br />

um pouco extravagante, mas com uma vegetação bonita,<br />

felpuda; ela tem um lance muito nobre e seus galhos<br />

pendem com muita dignidade e distinção. É uma árvore<br />

muito cortesã, por assim dizer.<br />

As colunas, apesar de constituírem ruínas, estão bem<br />

conservadas, e sobre elas incide uma luz muito bonita<br />

iluminando-as com distinção, de maneira a se ter quase<br />

a impressão de que são de pedra preciosa ou revestidas<br />

de alguma seda.<br />

A ruína de um monumento, com três colunas e um<br />

frontão em cima, é muito bonita também. Essas colunas<br />

são esguias, distintas, nobres. Os arcos sólidos, vigorosos,<br />

fazem pensar nos desfiles das legiões romanas vitoriosas,<br />

que vinham trazendo milhares de vencidos de<br />

guerra, acorrentados e que iam ser levados ao Capitólio<br />

para a cerimônia faustosa e terrível do triunfo romano,<br />

na qual o rei adversário seria morto. Ele vinha a pé<br />

e acorrentado como um escravo, para ser executado no<br />

Capitólio.<br />

Beleza especial em apreciar o passado<br />

Vê-se também um prédio romano abandonado, mas<br />

que conserva todas as colunas de sua fachada ainda em<br />

pé. Ao lado, um casario modesto, popular. Mais adiante,<br />

uma igreja católica em estilo românico que deve datar<br />

de antes da Idade Média, talvez um pouco depois, quiçá<br />

seja da Renascença, com uma torre, tendo em torno um<br />

convento ou um casario.<br />

Os homens daquele tempo julgavam haver uma beleza<br />

especial em apreciar o passado, tendo o curso dos séculos<br />

transcorrido em cima. De maneira que, sobre toda<br />

a grandeza e a desgraça do Império Romano, tinham decorrido<br />

séculos e séculos de abandono, de desmantelamento,<br />

deixando ver, ao mesmo tempo, a magnitude e o<br />

efêmero das coisas desta Terra.<br />

Então, as pessoas se punham a pensar, rememorando<br />

fatos, fazendo filosofia da História, sob um<br />

céu de um azul muito delicado e com umas nuvens<br />

que já podem ser chamadas de pré-românticas. Elas<br />

não obscurecem o firmamento, mas são um pouco<br />

obscuras e introduzem na paisagem qualquer coisa<br />

de melancólico.<br />

Em um dos quadros parece estar representado um<br />

personagem característico das paisagens italianas: um<br />

mendigo. Mas que mendigo saudável, inteligente! Que<br />

sabe tirar partido da despreocupação, do incerto e do<br />

aventureiro de sua vida. Dois homens do povo conversam<br />

com o mendigo, sobre chuva e bom tempo, sobre<br />

tudo e nada; é a vidoca de todos dos dias que continua<br />

aos pés das faustosas ruínas que os homens cultos admiram.<br />

33


Apóstolo do pulchrum<br />

Fascínio do desconhecido, do<br />

misterioso e do sublime<br />

Noutra pintura, Claude Lorrain representa um<br />

porto de mar sob um céu cujo colorido é parecido<br />

com o que já analisamos: um azul muito tênue com<br />

um mundo de pequenas nuvens que, nos seus pontos<br />

mais densos, tendem a ficar um pouco escuras.<br />

De maneira que se tem a bonança, mas também algo<br />

que de longe prenuncia uma tempestade, insinua<br />

uma preocupação.<br />

Ao lado vê-se um bosque exuberante, com árvores<br />

muito altas que insinuam ao espírito a ideia do frescor e<br />

da harmonia da natureza ao pé dessas árvores.<br />

Encontramos também dois prédios faustosos, ao gosto<br />

renascentista. O edifício bem junto ao cais pode ser<br />

perfeitamente uma igreja, como também um tribunal ou<br />

qualquer outra repartição pública. Ele está sobre uma<br />

pedra que o defende contra o mar.<br />

O outro edifício está sobre uma espécie de patamar<br />

de onde se erguem as colunas encimadas por um terracinho,<br />

de maneira que alguém pode sair do prédio e contemplar<br />

dois tipos de paisagens: a próxima e a remota<br />

que, por sua vez, apresentam os dois aspectos da vida de<br />

navegação os quais Claude Lorrain quis tornar presentes<br />

nesta obra.<br />

Em primeiro lugar, a caravela muito bonita. Notem<br />

a elegância das bandeirolas tremulando no topo dos<br />

mastros, no alto dos quais há uma espécie de terracinho<br />

para ficarem os vigias, e a beleza das velas enroladas<br />

num oblíquo elegante e distinto. Percebe-se a<br />

madeira faustosamente trabalhada da proa desse navio.<br />

Faz-nos reportar às viagens distantes das caravelas<br />

que iam buscar princesas no Báltico para se casarem<br />

em Nápoles, ou pegar ouro nas Américas para levar<br />

aos portos do Mar Mediterrâneo ou da Península<br />

Ibérica; enfim, caravelas que passavam por todas<br />

as aventuras, singrando todos os mares e cuja saga é<br />

lembrada pelo Sol que se perde no horizonte e cujo<br />

reflexo é mais nítido na água do que no próprio céu.<br />

Tem-se a impressão de um infinito que vai se prolongando<br />

e do qual a caravela vem trazendo todos os mistérios,<br />

todas as mercadorias, todos os estrangeiros,<br />

todas as narrações de aventura dos vários países onde<br />

ela esteve. É o fascínio do desconhecido, do misterioso<br />

e do sublime.<br />

Ao fundo há alguns navios de travessia menor, mas<br />

que também lembram as grandes navegações, de certo<br />

modo.<br />

Mais perto do porto vemos um formigar de barquinhos.<br />

É a vida comercial e social aqui representada: gente<br />

que vai pegar as riquezas das caravelas e levar para a<br />

terra, ou recolher viajantes, muitas vezes ilustres, e conduzi-los<br />

até o cais.<br />

Acaba de chegar um personagem de prol? Há um grupo<br />

de pessoas que o acompanha; alguém anda solícito,<br />

procurando ajudar. É uma cena de certa distinção. Inclusive<br />

está posto do lado de fora um tapete diante do<br />

edifício que bem pode ser um palácio.<br />

34


Veem-se pessoas que olham a cena, outras nem se importam<br />

com ela, estão pensando em coisas diversas. Há<br />

homens dentro dos barquinhos, ou porque trouxeram ou<br />

vão levar gente, ou estão descansando. Desse modo, numa<br />

mesma cena está condensada uma série de circunstâncias<br />

que, assim, raras vezes se encontram, e dão a ideia da vida,<br />

do movimento, da beleza quase pré-romântica da natureza<br />

campestre e da navegação, bem como do formigar<br />

da vida comercial e social de todos os dias. v<br />

(Extraído da conferência de 27/5/1972)<br />

1) Claude Gellée (*1600 - †1682).<br />

2) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático<br />

em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

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Poema de Contra-Revolução<br />

Oque vem a ser a sapiencialidade do<br />

Coração de Maria? A Sabedoria é<br />

um dos dons do Espírito Santo que,<br />

agindo sobre a inteligência, nos faz ver todas<br />

as criaturas pelos seus aspectos mais elevados,<br />

através dos quais elas mais se assemelham<br />

ao Criador.<br />

Considerando assim o universo, a mente<br />

humana adquire uma admirável unidade e<br />

uma extraordinária coerência: nada de contradição,<br />

dilaceração ou hesitação, mas certeza,<br />

Fé, convicção, firmeza desde os mais altos<br />

princípios até às menores coisas.<br />

A inteligência, soberanamente límpida e lúcida,<br />

porque cheia de convicção da existência de<br />

Deus, torna-se sumamente coerente, e a vontade<br />

forte e firme volta-se constantemente para o fim<br />

que deve ter em vista. Assim, o dom de Sabedoria<br />

alimenta todas as virtudes e ancora a alma<br />

no primeiro Mandamento da Lei de Deus.<br />

O Coração de Maria é soberanamente elevado,<br />

sério, profundo, porque sapiencial. A<br />

Santíssima Virgem é o vaso de eleição no<br />

qual pousou o Espírito Santo para nele gerar<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo. E o único hino<br />

que conhecemos como proferido por Ela<br />

em sua vida terrena é uma verdadeira maravilha<br />

de Sabedoria: o Magnificat.<br />

Por sua Sabedoria, Nossa Senhora mediu toda<br />

a grandeza de Deus, e nisso se alegrou; de outro<br />

lado, considerou sua pequenez. É um poema<br />

de Contra-Revolução! A escrava que se encanta<br />

de ver como o Senhor é infinitamente superior a<br />

Ela, e do fundo de seu nada O glorifica.<br />

Eis a verdadeira humildade que ama seu<br />

lugar inferior, adorando a grandeza que a<br />

eleva. Eis o Sapiencial e Imaculado Coração<br />

de Maria..<br />

(Extraído de conferência de 21/8/1968)<br />

Anunciação - Museu Nacional de<br />

Arte da Catalunha, Barcelona<br />

HAGvDYqnswVjKA (CC3.0)

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