Gestão Hospitalar N.º 24 2021
#gestão em saúde, por Vasco Reis Homenagem Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração” Testemunhos de familiares e amigos Saúde Global Portugal na saúde global A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19 Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais? SNS: e agora para algo completamente diferente Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório A farmacogenética na prática clínica Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria? Liderança Digital: ENESIS 2020-22
#gestão em saúde, por Vasco Reis
Homenagem
Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração”
Testemunhos de familiares e amigos
Saúde Global
Portugal na saúde global
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais?
SNS: e agora para algo completamente diferente
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório
A farmacogenética na prática clínica
Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?
Liderança Digital: ENESIS 2020-22
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
GH homenagem<br />
Do ofício à profissão<br />
Quando se fala da profissão, o que é<br />
que se chama profissão? A profissão<br />
não é o que existe hoje. Para mim, tudo<br />
começou com aquilo a que eu chamo<br />
o ofício.<br />
E o que é o ofício? Ofício é a atividade que quando começa<br />
a ser consubstanciada com recurso a alguma teorização,<br />
ou seja, quando sobre o ofício avança a formação,<br />
começa a aproximar-nos da profissão. Portanto, para<br />
mim temos o ofício. Depois temos a formação.<br />
No caso que nos ocupa, o ofício começou em meados<br />
do século passado, nos anos 40, 50, com os primeiros<br />
lugares, empregos se quisermos, de administrador hospitalar,<br />
adjuntos de administração, que foram criados<br />
fundamentalmente à volta dos hospitais especializados,<br />
ou seja, psiquiátricos. Não havia sequer curso. O curso<br />
apareceu depois. Então, nesses meados do século passado<br />
começaram a desenvolver-se múltiplos lugares.<br />
Quando nos fomos aproximando do fim do quartel, começaram<br />
também a vir inputs do exterior e começou a<br />
ser necessária uma formação que consolidasse a profissão.<br />
Nessa altura, a acrescentar-se à prática a formação,<br />
o “como fazer”, apareceu a profissão - o que aconteceu<br />
já no final da década de 60, princípio da década de 70.<br />
Foi então que a formação caiu sobre o ofício e nós começámos<br />
a poder falar sobre profissão.<br />
Na estreia do curso<br />
Eu fiz o primeiro curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> que<br />
se realizou em Portugal.<br />
Antes, os primeiros candidatos ao curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong> foram fazê-lo a Rennes. Eu não pude<br />
ir, porque havia o serviço militar. Eu estava na tropa e,<br />
portanto, não podia ir para o estrangeiro - não me deixaram<br />
abandonar o país durante os dois anos que demorava<br />
o curso. Mas prometeram-me que quando fizessem<br />
o primeiro cá em Portugal eu iria. E fui.<br />
Feito o curso, desenvolvi então a carreira de administração<br />
hospitalar: entrando nos Hospitais Civis de Lisboa<br />
(HCL), de onde nunca saí até à aposentação. Lá fiz toda<br />
a carreira, de diretor de serviços a administrador geral,<br />
passando por administrador num hospital integrado.<br />
O grupo dos HCL era uma instituição composta por sete<br />
estabelecimentos hospitalares que, no seu conjunto,<br />
faziam o grupo dos HCL, mas cada um deles, cada um<br />
dos hospitais, existia per se: São José, Capuchos, Curry<br />
Cabral, Desterro, Dona Estefânia, Santa Marta, Arroios.<br />
Hoje também já se juntou a Maternidade Alfredo da<br />
Costa, mas naquela altura não estava.<br />
O grupo HCL era o maior estabelecimento hospitalar<br />
do país, o que me obrigou a dar também atenção à formação<br />
e à teorização da administração hospitalar. Hoje<br />
sou professor, mas também posso dizer que também<br />
sou um teórico da administração hospitalar. O meu livro<br />
“<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de diferençaˮ é um<br />
produto da teorização da minha vida.<br />
Acabei por desenvolver uma dupla carreira, acumulando<br />
a prática da administração hospitalar com a carreira<br />
de docente e com a investigação necessária à carreira<br />
de docente. E, portanto, tive que andar pelos dois lados.<br />
O que fiz até me reformar.<br />
De facto, reformei-me como professor catedrático da<br />
Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova<br />
de Lisboa (ENSP-Nova), mas dois ou três anos antes<br />
ainda estava nos HCL - embora em acumulação com a<br />
Escola, a desempenhar as funções docentes. Era a forma<br />
legalmente possível de acumular as duas situações.<br />
Situação que ainda hoje existe.<br />
Por isso, pode ser, por vezes, difícil perceber o que eu<br />
digo se não se tiver em consideração que, sendo um<br />
administrador hospitalar, também sou um docente universitário<br />
que efetivamente conseguiu, penso eu que<br />
consegui, cruzar as duas atividades e conciliá-las.<br />
Talvez não seja necessário cruzá-las. Mas é desejável.<br />
Não é fácil. Mas sobrevivi. E agora, já não havendo mortes<br />
com efeito retroativo, aqui estou assim.<br />
Faria tudo de novo<br />
Hoje provavelmente, faria tudo igual. Não foi fácil, mas,<br />
em qualquer das circunstâncias, se voltasse ao princípio<br />
faria igual.<br />
Comecei muito cedo a fazer aquilo que hoje se chamaria<br />
- na altura também se falava disso com este nome<br />
- investigação em gestão de unidades de saúde e/ou administração<br />
hospitalar.<br />
Apanhei na minha vida uma viragem que foi extremamente<br />
importante, que foi quando a administração hospitalar<br />
foi substituída (acrescentada) pela gestão em saúde.<br />
A importância de um H<br />
Nós somos um país de cultura francófona. A minha segunda<br />
língua é o francês. O inglês vem lá atrás. E outras<br />
no meio. Ora, o inglês - que quando eu entrei para a<br />
saúde pouca gente falava - tinha uma vantagem que eu<br />
na altura não valorizava e hoje valorizo: é que hospital<br />
e health começavam com a mesma letra. Com H. Não<br />
fazem ideia do que isso facilitou nos países anglo-saxónicos.<br />
Hospital Administration e Health Administration eram<br />
o mesmo: HA.<br />
“<br />
COMECEI MUITO CEDO A FAZER AQUILO<br />
QUE HOJE SE CHAMARIA - NA ALTURA<br />
TAMBÉM SE FALAVA DISSO COM ESTE<br />
NOME - INVESTIGAÇÃO EM GESTÃO<br />
DE UNIDADES DE SAÚDE E/OU<br />
ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR.<br />
”<br />
O exercício e a teorização<br />
Licenciei-me em Direito em 1964 e entrei para a Direção-Geral<br />
dos Hospitais em 1965. Mas ainda estive ligado<br />
à advocacia uns anos, pois era uma área que não me<br />
exigia dedicação exclusiva.<br />
A saúde começou por ser um part-time, de manhã ou<br />
de tarde.<br />
Mas foi o suficiente para a inoculação do bichinho.<br />
E não me via a ser administrador de outra área. De facto,<br />
o bichinho era um bichinho da saúde, embora o instrumento<br />
de inoculação fosse a administração.<br />
Hoje, conciliaria tudo novamente, a carreira docente<br />
com a de administrador hospitalar. Para mim, nem sequer<br />
concebo outra coisa. Eu não me via numa profissão<br />
sem cuidar da sua estrutura teórica. Não me perguntem<br />
o que é que foi mais importante para mim, se<br />
foi o exercício ou se foi, efetivamente, a teorização e a<br />
formação. Um ajuda e implica o outro. }<br />
8 9