Gestão Hospitalar N.º 24 2021
#gestão em saúde, por Vasco Reis Homenagem Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração” Testemunhos de familiares e amigos Saúde Global Portugal na saúde global A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19 Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais? SNS: e agora para algo completamente diferente Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório A farmacogenética na prática clínica Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria? Liderança Digital: ENESIS 2020-22
#gestão em saúde, por Vasco Reis
Homenagem
Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração”
Testemunhos de familiares e amigos
Saúde Global
Portugal na saúde global
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais?
SNS: e agora para algo completamente diferente
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório
A farmacogenética na prática clínica
Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?
Liderança Digital: ENESIS 2020-22
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GH homenagem<br />
”Testemunhos<br />
VASCO REIS,<br />
a persistência da solidez<br />
António Correia de Campos<br />
Sócio Honorário da APAH<br />
Vasco Manuel Pinto dos Reis nasceu a<br />
16 de fevereiro de 1942 e faleceu<br />
poucos dias antes de concluir 79 anos,<br />
no início de <strong>2021</strong>. A sua vida acompanhou<br />
algumas das maiores mudanças<br />
que a Saúde teve em Portugal e Vasco Reis foi protagonista<br />
quase direto de muitas delas. Eis por que a sua<br />
vida e obra são importantes para se conhecer a história<br />
contemporânea dos serviços de saúde em Portugal. A<br />
dedicação à Saúde e em especial aos hospitais fez com<br />
que ele jamais abandonasse a vida pública, ou saísse do<br />
País à procura de outras ocupações e outros temas.<br />
Vasco foi um dos primeiros jovens licenciados a ingressarem<br />
na então muito moderna Direção-Geral dos Hospitais,<br />
chefiada durante os seus primeiros nove anos por<br />
Coriolano Ferreira. A ele se seguiram outros jovens: em<br />
Coimbra, Júlio Pereira dos Reis, José Pedro Costa Alemão,<br />
José António Menezes Correia, João Santos Cardoso,<br />
Cândido Pacheco de Araújo e eu próprio; em Lisboa,<br />
Cristiano de Freitas, António Menezes Duarte, Manuel<br />
Cassiano Póvoas, João Delgado Simões, Mário Vieira<br />
de Carvalho, Sílvio Carvalho Santos, Margarida Lucas<br />
Barros Moura; e no Porto, Eduardo Sá Ferreira, Raul Moreno<br />
Rodrigues, Rui Pinto.<br />
A admissão destes jovens, planeada por Coriolano Ferreira<br />
e acompanhada de perto por alguns menos jovens,<br />
como Augusto Mantas, José Manuel Caldeira da Silva, Álvaro<br />
de Paiva Brandão, Eduardo Caetano e mulheres notáveis<br />
como Maria dos Prazeres Beleza, Maria Fernanda<br />
Resende, Mariana Diniz de Sousa, Marta Lima Basto, Irene<br />
Pinto de Carvalho, entre muitas outras, trouxe força<br />
motora a uma direção-geral que, dentro ainda do regime<br />
autoritário, nasceu para inquietar e provocar mudanças<br />
há muito necessárias.<br />
Entre 1965 e 1975, Vasco Reis foi técnico superior de administração,<br />
cumpriu serviço militar, diplomou-se no primeiro<br />
Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> da então Escola<br />
Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical, em<br />
1971, concorreu a diretor de serviço e foi nomeado em<br />
1972 para dirigir os serviços financeiros do maior hospital<br />
do País, os Hospitais Civis de Lisboa, com sete estabelecimentos<br />
dispersos pela cidade, 3.600 leitos e 4.000<br />
funcionários, função que desempenhou entre 1972 e<br />
1975. Depois, entre 1975 e 1978, passou a dirigir o Hospital<br />
de Santo António dos Capuchos, uma unidade dos<br />
HCL dotada de crescente autonomia que Vasco foi desenhando<br />
e construindo pondo em prática projetos que<br />
havia preparado e tinham recolhido à gaveta no tempo<br />
político anterior. O seu prestígio interno e externo tornaram<br />
natural a nomeação, em 1978 aos 36 anos, como<br />
administrador-geral desse grande estabelecimento integrado,<br />
tendo permanecido dez anos nessas funções,<br />
sempre intercalando com trabalho em comissões de reformas<br />
para que era regularmente nomeado.<br />
Em 1988, uma precoce epidemia privatística, levou à sua<br />
substituição forçada por pessoa cujo nome a história não<br />
regista, vinda de fora, certamente bem-intencionada, mas<br />
sem qualquer preparação específica para o lugar. Vasco<br />
foi acolhido no Departamento de Estudos e Planeamento,<br />
dirigido por Luís Magão, médico diplomado em<br />
administração hospitalar. Entre 1989 e 1997, Vasco Reis<br />
assegurou com brilho e sustentabilidade a representação<br />
de Portugal no Comité Diretor de Saúde Pública do Conselho<br />
da Europa, com deslocações periódicas a Estrasburgo.<br />
Foram os anos difíceis da propagação do SIDA pela<br />
Europa, do sangue contaminado, do início dos transplantes,<br />
da importância crescente das questões de ética e da<br />
qualidade em saúde, temas centrais das preocupações do<br />
Conselho da Europa em matéria de saúde pública.<br />
Vasco Reis iniciou funções de assistente na já então ENSP<br />
em 1978. Em 1985 apresentou-se a provas de concurso<br />
para professor auxiliar, sendo aprovado por unanimidade.<br />
Em 2006 obteve a agregação, quando a ENSP<br />
se havia já integrado na Universidade Nova de Lisboa.<br />
Pouco depois, mediante concurso, subia a professor catedrático.<br />
Entre 1978 e 2007 dirigiu primeiro o Curso<br />
de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> e depois<br />
o Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde. Entre 1998 e 2007<br />
integrou o Conselho Diretivo da ENSP, sucessivamente<br />
como vogal, subdiretor e mais tarde diretor, até à sua<br />
aposentação em 2007. Nessa data foi agraciado com a<br />
Medalha de Ouro de Serviços Distintos do<br />
Ministério da Saúde.<br />
No primeiro ano da sua vida profissional,<br />
em 1965, Vasco Reis redigiu dois pequenos<br />
textos (entradas) para o Dicionário Jurídico<br />
da Administração Pública, um sobre “Assistência<br />
<strong>Hospitalar</strong>” e outro sobre “Assistência<br />
na Doença aos Servidores do Estado”.<br />
O seu primeiro trabalho de fôlego foi<br />
a dissertação final do Curso de Administração<br />
<strong>Hospitalar</strong>, em 1971, sob o título “Financiamento<br />
<strong>Hospitalar</strong>. Situação do problema<br />
em Portugal”. Este excelente trabalho<br />
ficou silenciado pela rapidez das alterações<br />
ocorridas nos anos imediatos.<br />
Basta lembramo-nos de que em 1971 é<br />
publicada a reforma de Gonçalves Ferreira<br />
e Arnaldo Sampaio, sendo ministro<br />
Baltazar Rebelo de Sousa; em 1974, o<br />
Movimento dos Capitães inscreve no<br />
seu programa (DL n<strong>º</strong> 203/74, de 15 de<br />
maio) em matéria de política social, o<br />
“Lançamento das bases para a criação<br />
de um serviço nacional de saúde ao qual<br />
tenham acesso todos os cidadãos”. Em<br />
1978, um despacho do Ministro António<br />
Arnaut abre a todos os cidadãos os<br />
serviços públicos de saúde, do Estado ou<br />
da Previdência Social; ainda nesse ano, a Previdência Social<br />
deixou de contribuir para os encargos de saúde dos<br />
seus beneficiários, passando estes a ser inteiramente<br />
suportados pelo Ministério da Saúde isto é, pelo Orçamento<br />
do Estado. Em setembro de 1979 é aprovada na<br />
AR a Lei de Bases do SNS, imediatamente regulamentada<br />
por uma série de diplomas publicados nos últimos<br />
dias do V Governo Constitucional, de Maria de Lurdes<br />
Pintasilgo. A dissertação de fim-de-curso de Vasco Reis<br />
ficou rapidamente desatualizada em menos de sete<br />
anos. Mas a sua leitura é essencial para quem pretenda<br />
conhecer a história do financiamento dos hospitais<br />
nos complexos e emocionantes tempos de transição<br />
do assistencialismo para o providencialismo, de matriz<br />
“bismarckiana”. Curiosamente, a transição para o modelo<br />
“beveridgeano”, iniciada com o esforço de universalização<br />
do acesso promovido pelo Ministro António<br />
Arnaut, acaba por obter consagração legal em diploma<br />
do referido V Governo, sendo Ministro dos Assuntos<br />
Sociais Alfredo Bruto da Costa, saindo da pena afiada<br />
de Coriolano Ferreira, então Secretário de Estado da<br />
Segurança Social. Este pequeno e importante diploma<br />
foi um dos liminarmente revogados nas primeiras semanas<br />
do Governo Sá Carneiro, tal como outros da Saúde.<br />
Todavia, a lógica da construção do Estado Social imposta<br />
pela Constituição determinava o modelo universal. E<br />
foi por iniciativa de António Bagão Félix, secretário de<br />
estado que sucedeu a Coriolano na Segurança Social, já<br />
no governo da AD que os princípios gerais do diploma<br />
inicial foram retomados.<br />
O segundo trabalho, talvez o mais importante de Vasco<br />
Reis, foi a sua tese para concurso a professor auxiliar<br />
(prova equivalente ao doutoramento), sob o título “O<br />
papel do Administrador Principal no Hospital Português”.<br />
Com base nos princípios de Henri Mintzberg divulgados<br />
nos anos de 70 e 80, Vasco Reis realizou uma<br />
investigação social aprofundada, usando o método Delphi<br />
de geração progressiva de consenso de grupo, sobre<br />
o papel dominante do administrador hospitalar principal.<br />
Utilizou quatro painéis (administradores principais, }<br />
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