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Gestão Hospitalar N.º 24 2021

#gestão em saúde, por Vasco Reis Homenagem Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração” Testemunhos de familiares e amigos Saúde Global Portugal na saúde global A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19 Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais? SNS: e agora para algo completamente diferente Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório A farmacogenética na prática clínica Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria? Liderança Digital: ENESIS 2020-22

#gestão em saúde, por Vasco Reis
Homenagem
Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração”
Testemunhos de familiares e amigos
Saúde Global
Portugal na saúde global
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais?
SNS: e agora para algo completamente diferente
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório
A farmacogenética na prática clínica
Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?
Liderança Digital: ENESIS 2020-22

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JANEIRO FEVEREIRO MARÇO <strong>2021</strong><br />

Edição Trimestral<br />

N<strong>º</strong> <strong>24</strong><br />

GESTÃO<br />

HOSPITALAR<br />

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA aSSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES<br />

vasco reis<br />

1942-<strong>2021</strong>


GH cabeça<br />

TÍTULO<br />

novo<br />

GH SUMÁRIO<br />

janeiro fevereiRO marçO <strong>2021</strong><br />

4<br />

Editorial<br />

#gestão em saúde, por Vasco Reis<br />

6<br />

Homenagem<br />

Vasco Reis: “A inoculação do bichinho da saúde teve como<br />

instrumento a administração”<br />

GESTÃO<br />

HOSPITALAR<br />

12<br />

Homenagem<br />

Testemunhos de familiares e amigos<br />

Autor<br />

Cargo<br />

NAlictem. Et eostibus volesecatur as a<br />

ide dolorerfero consequia debis des<br />

am hicium nos preptatquo vel esto tem<br />

aut latquam, iur, omnim is porit eos re<br />

vendipieni vel iducimusapit ut utam vent<br />

utem dignam accabor eptatem quam et ute non re molor<br />

sandam et haribus aboribus.<br />

Debitas utemolu ptaspie ntibus molesci mintius si dit,<br />

necus et officid emperibus, con eatusam volorum quidusam<br />

abore cus dolorem aceperibus, quaerrum aut<br />

qui con reprovid que poresti ut aut lictota turiam ra<br />

cum repellabo. Aperum accum eatissi ncilla sam, ium<br />

res sam voluptae pa cones doluptatus nimillor rerisciae.<br />

Gentibu sandae molum, quident quo qui autent de in<br />

prate demporro tempore stiuntem nimus et doluptaque<br />

con et voles consequis nescius, eost ipsae corum<br />

reptatquae sa solupta eperum, odipsum estrum si dolor<br />

modi comnimporia sum, sitaectiat platuri tasseque es a<br />

si tecae eatur audam laut doluptatur sum quiatur, accatur,<br />

odit dipsum et volorum reiur, ut laccatem ut denditio<br />

moluptaquas atuscipsam ad eum iunt rem voluptate<br />

maximil lesenim agnatur, velitat adiorroviti tecture ptasitiae<br />

eostrume nem quo ius et volorem aciis nonsed<br />

eum vene veni beario ipsus mos eatumquo et dolum<br />

re, sequaturere nulpa inctum faccumq uaeritatesti autat<br />

fuga. Ut officia nossi aut ut faccabo ribusae eatur, cus<br />

escium voloruptas ab iunt eaqui omnime quatia dolor<br />

ad ut as quam facepe mo blaccabo. Ibus qui culpa aut<br />

aliquos utempore laccum et maxim res nat eaquaec<br />

aborporaes sum rest, sam fuga. Axim consecu llendunt<br />

landi officimos et in pa voluptae laborrum fuga. Con est<br />

rero imin re pariam qui ommodi conserovit, consequia<br />

porum quat ea que et a consed unto inctem ea volectecerro<br />

omnim venis et molorro voles nonestiVelicae.<br />

Ovitio veliatur, temolut dollique volorio. Ita dis quidebis<br />

PROPRIEDADE<br />

APAH - Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es<br />

Parque de Saúde de Lisboa Edíficio, 11 - 1<strong>º</strong> Andar<br />

Avenida do Brasil, 53<br />

1749-002 Lisboa<br />

secretariado@apah.pt<br />

www.apah.pt<br />

DIRETOR<br />

Alexandre Lourenço<br />

DIRETORA-ADJUNTA<br />

Bárbara Sofia de Carvalho<br />

COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Catarina Baptista, Miguel Lopes<br />

COORDENAÇÃO TÉCNICA<br />

Alexandra Santos, Sofia Marques<br />

EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO<br />

Bleed - Sociedade Editorial e Organização<br />

de Eventos, Ltda<br />

Av. das Forças Armadas, 4 - 8B<br />

1600 - 082 Lisboa<br />

Tel.: 217 957 045<br />

info@bleed.pt<br />

www.bleed.pt<br />

PROJETO GRÁFICO<br />

Sara Henriques<br />

DISTRIBUIÇÃO<br />

Gratuita<br />

PERIODICIDADE<br />

Trimestral<br />

DEPÓSITO LEGAL N.<strong>º</strong><br />

16288/97<br />

ISSN N.<strong>º</strong><br />

0871- 0767<br />

TIRAGEM<br />

6.000 exemplares<br />

IMPRESSÃO<br />

Grafisol, Lda<br />

Rua das Maçarocas<br />

Abrunheira Business Center, 3<br />

2710-056 Sintra<br />

Esta revista foi escrita segundo as novas regras<br />

do Acordo Ortográfico<br />

Estatuto Editorial disponível em www.apah.pt<br />

44<br />

46<br />

56<br />

58<br />

62<br />

66<br />

72<br />

74<br />

78<br />

84<br />

88<br />

94<br />

98<br />

104<br />

Saúde Global<br />

Portugal na saúde global<br />

Estudo<br />

A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura<br />

sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação<br />

Voz do Cidadão<br />

Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19<br />

Espaço ENSP<br />

Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde<br />

no contexto da pandemia<br />

Direito Biomédico<br />

Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono:<br />

fazendo justiça durante e além da emergência da Covid<br />

Iniciativa APAH I Prémio Healthcare Excellence<br />

Monitorização Covid-19<br />

Saúde Pública<br />

Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente<br />

Comunicação em saúde<br />

Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão<br />

dos hospitais?<br />

Opinião<br />

SNS: e agora para algo completamente diferente<br />

Doença Oncológica<br />

Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres<br />

com cancro de mama<br />

Estudo<br />

Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório<br />

Iniciativa APAH I 8ª Conferência de Valor<br />

A farmacogenética na prática clínica<br />

Iniciativa APAH I 8ª Conferência de Valor<br />

Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação<br />

e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?<br />

104 Iniciativa APAH I Webinars<br />

Liderança Digital: ENESIS 2020-22<br />

3


GH EDITORIAL<br />

Alexandre Lourenço<br />

Presidente da APAH<br />

# gestão em saúde,<br />

por Vasco Reis<br />

“<br />

A<br />

gestão (...) é, indiscutivelmente, uma<br />

ciência e também uma arte”, defendia<br />

Vasco Reis no seu livro “<strong>Gestão</strong><br />

em Saúde: um espaço de diferença”.<br />

Tive a honra de ser aluno do<br />

Professor Vasco Reis. Estou certo que este sentimento<br />

perpassa todos os administradores hospitalares que<br />

tanto lhe devem.<br />

O Prof. Vasco Reis representava a administração hospitalar<br />

portuguesa. Foi gestor/diretor do Curso de Especialização<br />

em Administração <strong>Hospitalar</strong> entre 1980<br />

e 2005. Um cavalheiro - trabalhador, distinto, conhecedor,<br />

sensato, moderado. Espírito crítico, exigente.<br />

Quando alguém tinha um problema, dizia-se “por que<br />

não falas com o Prof. Vasco Reis?”. Tinha a porta do<br />

seu gabinete sempre aberta. Dispunha de uma palavra<br />

amiga, e encaminhava, até os iniciados. Enquanto aluno,<br />

nem sempre concordei com a sua visão da administração<br />

hospitalar. A experiência aproxima-me.<br />

Nasceu em Coimbra em 16 de fevereiro de 1942 e aí<br />

fez o liceu e se licenciou em Direito em outubro de<br />

1964. Em janeiro de 1970, concluiu o I Curso de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> que se realizou na Escola Nacional<br />

de Saúde Pública e de Medicina Tropical, onde<br />

em 1978 ingressou como assistente. Aposentou-se<br />

em 2007, após uma carreira académica recheada, como<br />

Professor Catedrático do Grupo de Disciplinas de<br />

<strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde da Escola Nacional<br />

de Saúde Pública. Nesse ano é granjeado com a<br />

medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde<br />

grau “ouro”.<br />

Paralelamente com a atividade docente, realizou um<br />

percurso profissional que o levou a desempenhar diferentes<br />

cargos no âmbito do Ministério da Saúde,<br />

quer em hospitais (sobretudo nos Hospitais Civis de<br />

Lisboa a que esteve ligado durante mais de 20 anos,<br />

dez dos quais como Administrador Geral) quer noutros<br />

serviços do Ministério da Saúde. É com um sorriso<br />

que, recordamos as suas estórias do Hospital de São<br />

José. Representou o Ministério da Saúde no Comité<br />

Director de Saúde Pública do Conselho da Europa entre<br />

1990 e 2000. Sócio 103 da Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es, os seus pares, atribuíram-lhe<br />

o título de sócio de mérito em 2018.<br />

No livro “50 anos, 20 olhares - o percurso da administração<br />

hospitalar portuguesa” sobre a sua profissão,<br />

que começou por ser um ofício, sublinha a importância<br />

conquistada. “Não é fácil, ao fim de estes anos todos,<br />

dizer que chegámos aqui. E chegámos. Agora, vamos<br />

lá ver. Vamos continuar? Vamos”.<br />

Esta GH é parte da homenagem dos administradores<br />

hospitalares ao Prof. Vasco Reis, testemunhada por<br />

muitos que sentem a dor da sua perda. No ano em<br />

que a sua associação completa 40 anos, iremos procurar<br />

perpetuar o seu contributo para a modernização<br />

da gestão hospitalar portuguesa através da publicação<br />

ou republicação dos seus contributos escritos.<br />

É essa a nossa obrigação. Ã<br />

4


GH homenagem<br />

VASCO REIS 1942-<strong>2021</strong><br />

“<br />

A INOCULAÇÃO<br />

DO BICHINHO DA SAÚDE<br />

TEVE COMO INSTRUMENTO<br />

A ADMINISTRAÇÃO<br />

”<br />

“A gestão (…) é, indiscutivelmente, uma ciência e também uma arte”,<br />

defende Vasco Reis no seu livro “<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de diferençaˮ.<br />

E foi com arte que navegou pela ciência e se dedicou à administração hospitalar<br />

na sua vertente prática e teórica. O exercício e teorização desta profissão, diz,<br />

implicam-se um ao outro. “Eu não me via numa profissão sem cuidar do seu<br />

enquadramento teórico”. “Consegui associar as duas atividades. E conciliar<br />

as duas coisas é desejável. Talvez não seja necessário entrecruzá-las.<br />

Mas é desejável, embora não seja fácil. Mas sobrevivi. E agora, já não havendo<br />

mortes com efeito retroativo, estou aqui assim”, afirma com o humor característico<br />

de quem sabe por onde andou, por onde vai, e com a firme convicção de que hoje,<br />

se recomeçasse, faria tudo igual. Nascido em Coimbra, é sócio honorário da APAH<br />

e paralelamente à sua atividade docente realizou um percurso profissional que o levou<br />

a desempenhar diferentes cargos no âmbito do Ministério da Saúde - que em 2007<br />

lhe atribuiu a Medalha de Serviços Distintos de grau Ouro. A vida na saúde começou<br />

por ser um part-time. Mas foi o suficiente para a inoculação do“bichinho da saúde”.<br />

Ao pai, que o via a seguir a advocacia, a carreira jurídica, disse que era só transitório.<br />

Mas por lá ficou. O que, dando direito a discussão, acabou por se provar que era<br />

o caminho certo. O seu caminho. Sobre a profissão, que começou por ser um ofício,<br />

sublinha a importância conquistada. “Não é fácil, ao fim de estes anos todos, dizer<br />

que chegámos aqui. E chegámos. Agora, vamos lá ver. Vamos continuar ? Vamos”.<br />

6 7


GH homenagem<br />

Do ofício à profissão<br />

Quando se fala da profissão, o que é<br />

que se chama profissão? A profissão<br />

não é o que existe hoje. Para mim, tudo<br />

começou com aquilo a que eu chamo<br />

o ofício.<br />

E o que é o ofício? Ofício é a atividade que quando começa<br />

a ser consubstanciada com recurso a alguma teorização,<br />

ou seja, quando sobre o ofício avança a formação,<br />

começa a aproximar-nos da profissão. Portanto, para<br />

mim temos o ofício. Depois temos a formação.<br />

No caso que nos ocupa, o ofício começou em meados<br />

do século passado, nos anos 40, 50, com os primeiros<br />

lugares, empregos se quisermos, de administrador hospitalar,<br />

adjuntos de administração, que foram criados<br />

fundamentalmente à volta dos hospitais especializados,<br />

ou seja, psiquiátricos. Não havia sequer curso. O curso<br />

apareceu depois. Então, nesses meados do século passado<br />

começaram a desenvolver-se múltiplos lugares.<br />

Quando nos fomos aproximando do fim do quartel, começaram<br />

também a vir inputs do exterior e começou a<br />

ser necessária uma formação que consolidasse a profissão.<br />

Nessa altura, a acrescentar-se à prática a formação,<br />

o “como fazer”, apareceu a profissão - o que aconteceu<br />

já no final da década de 60, princípio da década de 70.<br />

Foi então que a formação caiu sobre o ofício e nós começámos<br />

a poder falar sobre profissão.<br />

Na estreia do curso<br />

Eu fiz o primeiro curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> que<br />

se realizou em Portugal.<br />

Antes, os primeiros candidatos ao curso de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> foram fazê-lo a Rennes. Eu não pude<br />

ir, porque havia o serviço militar. Eu estava na tropa e,<br />

portanto, não podia ir para o estrangeiro - não me deixaram<br />

abandonar o país durante os dois anos que demorava<br />

o curso. Mas prometeram-me que quando fizessem<br />

o primeiro cá em Portugal eu iria. E fui.<br />

Feito o curso, desenvolvi então a carreira de administração<br />

hospitalar: entrando nos Hospitais Civis de Lisboa<br />

(HCL), de onde nunca saí até à aposentação. Lá fiz toda<br />

a carreira, de diretor de serviços a administrador geral,<br />

passando por administrador num hospital integrado.<br />

O grupo dos HCL era uma instituição composta por sete<br />

estabelecimentos hospitalares que, no seu conjunto,<br />

faziam o grupo dos HCL, mas cada um deles, cada um<br />

dos hospitais, existia per se: São José, Capuchos, Curry<br />

Cabral, Desterro, Dona Estefânia, Santa Marta, Arroios.<br />

Hoje também já se juntou a Maternidade Alfredo da<br />

Costa, mas naquela altura não estava.<br />

O grupo HCL era o maior estabelecimento hospitalar<br />

do país, o que me obrigou a dar também atenção à formação<br />

e à teorização da administração hospitalar. Hoje<br />

sou professor, mas também posso dizer que também<br />

sou um teórico da administração hospitalar. O meu livro<br />

“<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de diferençaˮ é um<br />

produto da teorização da minha vida.<br />

Acabei por desenvolver uma dupla carreira, acumulando<br />

a prática da administração hospitalar com a carreira<br />

de docente e com a investigação necessária à carreira<br />

de docente. E, portanto, tive que andar pelos dois lados.<br />

O que fiz até me reformar.<br />

De facto, reformei-me como professor catedrático da<br />

Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova<br />

de Lisboa (ENSP-Nova), mas dois ou três anos antes<br />

ainda estava nos HCL - embora em acumulação com a<br />

Escola, a desempenhar as funções docentes. Era a forma<br />

legalmente possível de acumular as duas situações.<br />

Situação que ainda hoje existe.<br />

Por isso, pode ser, por vezes, difícil perceber o que eu<br />

digo se não se tiver em consideração que, sendo um<br />

administrador hospitalar, também sou um docente universitário<br />

que efetivamente conseguiu, penso eu que<br />

consegui, cruzar as duas atividades e conciliá-las.<br />

Talvez não seja necessário cruzá-las. Mas é desejável.<br />

Não é fácil. Mas sobrevivi. E agora, já não havendo mortes<br />

com efeito retroativo, aqui estou assim.<br />

Faria tudo de novo<br />

Hoje provavelmente, faria tudo igual. Não foi fácil, mas,<br />

em qualquer das circunstâncias, se voltasse ao princípio<br />

faria igual.<br />

Comecei muito cedo a fazer aquilo que hoje se chamaria<br />

- na altura também se falava disso com este nome<br />

- investigação em gestão de unidades de saúde e/ou administração<br />

hospitalar.<br />

Apanhei na minha vida uma viragem que foi extremamente<br />

importante, que foi quando a administração hospitalar<br />

foi substituída (acrescentada) pela gestão em saúde.<br />

A importância de um H<br />

Nós somos um país de cultura francófona. A minha segunda<br />

língua é o francês. O inglês vem lá atrás. E outras<br />

no meio. Ora, o inglês - que quando eu entrei para a<br />

saúde pouca gente falava - tinha uma vantagem que eu<br />

na altura não valorizava e hoje valorizo: é que hospital<br />

e health começavam com a mesma letra. Com H. Não<br />

fazem ideia do que isso facilitou nos países anglo-saxónicos.<br />

Hospital Administration e Health Administration eram<br />

o mesmo: HA.<br />

“<br />

COMECEI MUITO CEDO A FAZER AQUILO<br />

QUE HOJE SE CHAMARIA - NA ALTURA<br />

TAMBÉM SE FALAVA DISSO COM ESTE<br />

NOME - INVESTIGAÇÃO EM GESTÃO<br />

DE UNIDADES DE SAÚDE E/OU<br />

ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR.<br />

”<br />

O exercício e a teorização<br />

Licenciei-me em Direito em 1964 e entrei para a Direção-Geral<br />

dos Hospitais em 1965. Mas ainda estive ligado<br />

à advocacia uns anos, pois era uma área que não me<br />

exigia dedicação exclusiva.<br />

A saúde começou por ser um part-time, de manhã ou<br />

de tarde.<br />

Mas foi o suficiente para a inoculação do bichinho.<br />

E não me via a ser administrador de outra área. De facto,<br />

o bichinho era um bichinho da saúde, embora o instrumento<br />

de inoculação fosse a administração.<br />

Hoje, conciliaria tudo novamente, a carreira docente<br />

com a de administrador hospitalar. Para mim, nem sequer<br />

concebo outra coisa. Eu não me via numa profissão<br />

sem cuidar da sua estrutura teórica. Não me perguntem<br />

o que é que foi mais importante para mim, se<br />

foi o exercício ou se foi, efetivamente, a teorização e a<br />

formação. Um ajuda e implica o outro. }<br />

8 9


GH homenagem<br />

A entrada na carreira<br />

Vou contar uma coisa. Que foi razão de uma das poucas<br />

discussões que eu tive com o meu pai, que era advogado<br />

em Coimbra e com quem eu estagiava. Um dia, um<br />

colega meu falou-me de um lugar de técnico na Direção-Geral<br />

dos Hospitais em Coimbra - que era o apoio<br />

ao desenvolvimento de uma nova estrutura da saúde<br />

que nessa altura (anos 60, 70) se estava a criar.<br />

E eu falei com o meu pai, a quem disse: “O jeito que<br />

me dava ganhar umas massas…” Não foi fácil, mas ele<br />

lá concordou e, com o seu apoio, concorri e mais tarde<br />

fui para lá. Só que “aquilo” tinha um bichinho que se me<br />

pegou, e pouco a pouco fui dando mais atenção à parte<br />

da saúde do que à parte jurídica.<br />

E, ainda por cima, era uma profissão nova numa área<br />

“<br />

NÃO ESTOU PESSIMISTA EM RELAÇÃO<br />

AO FUTURO DOS SISTEMAS DE SAÚDE,<br />

GRAÇAS A UM CONJUNTO DE MEDIDAS<br />

QUE PODEM PERMITIR À ESTRUTURA<br />

DE SAÚDE SUPERAR OS OBSTÁCULOS<br />

QUE VÃO SURGINDO NO CAMINHO.<br />

”<br />

com permanentes exigências de inovação, e que me dava<br />

a possibilidade de integrar equipas pluridisciplinares<br />

(por exemplo, administradores, enfermeiros, assistentes<br />

sociais, etc.) com o objetivo de organizar e propiciar os<br />

melhores cuidados para uma população dentro de limites<br />

financeiros pré-estabelecidos.<br />

Hospitais Civis de Lisboa<br />

Poucos anos mais tarde, e depois de feito o curso de<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong>, surgiu a hipótese de concorrer<br />

para o Hospital de Santo António dos Capuchos<br />

(Hospitais Civis de Lisboa).<br />

Com apenas 30 anos, o que naquela altura era relativamente<br />

raro, entrei para o que seria o primeiro degrau<br />

do meu percurso hospitalar. Sete anos depois, com 37<br />

anos, tomei posse do lugar de administrador geral do<br />

grupo HCL. No total, eram 3.000 ou 4.000 camas. Eram<br />

os tais sete hospitais, e cedo fui escolhido para administrador<br />

geral, por deliberação dos membros dos conselhos<br />

de administração dos hospitais do grupo, integrando<br />

assim a respetiva Comissão Coordenadora. Foi<br />

o segundo marco do meu percurso.<br />

Nesse contexto, começou a ser possível a utilização de<br />

maior autonomia para lançar processos inovadores. Lancei,<br />

por exemplo, um método baseado numa experiência<br />

americana - não o inventei - e que se chamava certificação<br />

de estadia, através do qual os médicos eram obrigados,<br />

a partir do momento em que o doente entrava no<br />

hospital, a fazer previsões quanto à alta do doente, tentando<br />

efetivamente que ela não fosse produto do acaso,<br />

mas fosse produto de uma atitude programada e dirigida.<br />

Aos 37 anos estava como administrador geral do grupo<br />

dos HCL e em 1986, com 44 anos, candidatei-me e<br />

realizei as provas públicas equiparadas ao doutoramento.<br />

Foi um dos primeiros doutoramentos em Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>. Em rigor, não sendo doutoramento,<br />

era legalmente equiparado, porque a minha escola não<br />

tinha capacidade de outorgar doutoramentos. Tinha, no<br />

entanto, a capacidade de aplicar a mesma legislação que<br />

aplicavam às universidades e, não lhe chamando doutoramento,<br />

fazer concursos para professor auxiliar que era<br />

o lugar com que se ficava depois desse concurso.<br />

Um dos primeiros a fazê-lo foi o Correia de Campos e<br />

depois, pouco antes de mim, o Nogueira da Rocha também<br />

o foi fazer. Eu também, e depois outros, tendo<br />

mais tarde sido utilizado como base para o desenvolvimento<br />

da carreira docente universitária.<br />

Mais tarde, e a partir dessas provas, nesse concurso para<br />

professor auxiliar, obtive em 2006 o título de agregado,<br />

que é condição sine qua non para se concorrer a professor<br />

catedrático. É evidente que eu, simultaneamente com<br />

isto, ensinava, criava e dirigia cursos, etc. Mas ao mesmo<br />

tempo, também fazia em acumulação funções de administração.<br />

Nem sempre como administrador geral, mas<br />

durante muitos anos como administrador geral.<br />

Sedimentação do ofício e formação<br />

de consolidação<br />

Há alguns pontos que considero terem sido muito relevantes<br />

no percurso da profissão entendida no seu conjunto.<br />

Primeiro, a progressiva sedimentação - a partir dos<br />

meados do século passado, dos anos 50 do século passado<br />

- de um ofício. Começaram nessa altura a surgir os<br />

lugares de administrador hospitalar, com vários nomes,<br />

nos poucos hospitais que existiam - uns eram das Misericórdias,<br />

outros eram do Estado, outros eram das Universidades,<br />

etc. E, portanto, foi nessa altura que se pode<br />

considerar que houve um progressivo crescimento do<br />

ofício, isto é, da prática da administração hospitalar. E já<br />

nessa altura começou a ser muito importante o profes-<br />

sor Coriolano Ferreira, porque foi o fomentador de tudo<br />

isso. Destaco um segundo ponto, que tem a ver com<br />

os empregos de administrador hospitalar, de adjunto de<br />

administrador, disto, daquilo e daqueloutro. Com esse<br />

desenvolvimento, surgiu a necessidade de uma formação<br />

específica que consolidasse esses ofícios, definindo uma<br />

prática que consolidou não só o ofício, mas que passou a<br />

ter também alguma teorização, com algum preceito - o<br />

que contribuiu para o crescente conhecimento público.<br />

Começou-se a falar então de administração hospitalar.<br />

Estes são dois aspetos extremamente relevantes no percurso<br />

da profissão.<br />

Em meados do século passado, criado o ofício, a formação<br />

começou a despontar - e foi nessa altura que fiz o<br />

curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>, uma parte numas instalações<br />

que viriam a pertencer à escola, que não existia<br />

ainda nessa altura, e o resto no Instituto de Medicina Tropical<br />

(IMT) na Junqueira.<br />

Os primeiros administradores hospitalares que conheci<br />

não tinham o curso, pois ele não existia. E não tinham a<br />

sua prática fundada no conhecimento.<br />

Como é que as pessoas hoje arranjam emprego? Fazem<br />

uma formação, agarram na formação e há um amigo da<br />

família, um conhecido, há um vizinho, etc.: “Então não<br />

queres ir trabalhar para tal parte?”. E pronto. E esse é o<br />

ofício. Depois quando alguém começa a dizer: “É melhor<br />

veres o que é que estás a fazer, tentar exteriorizar<br />

um pouco a tua prática” - então, nessa altura, começa a<br />

surgir a profissão.<br />

Profissão trouxe ganhos à saúde<br />

Com a profissão evidenciou-se o contributo significativo<br />

e importante para a melhoria dos resultados de saúde<br />

da máquina de produzir cuidados de saúde. Eu penso<br />

que a própria saúde criou mecanismos de adaptação<br />

às novas realidades, porque tem de continuar a existir<br />

uma atividade de saúde com resultados e o custo disso<br />

é uma adaptação das estruturas de saúde e dos profissionais.<br />

Por isso, não estou pessimista em relação ao<br />

futuro dos sistemas de saúde, graças a um conjunto de<br />

medidas que podem permitir à estrutura de saúde superar<br />

os obstáculos que vão surgindo no caminho e permitir<br />

às populações que continuem a beneficiar de ganhos<br />

em saúde.<br />

Evolução por entre abanões<br />

A profissão teve um incremento de importância e de<br />

visibilidade, o que justifica que tenha passado a levar alguns<br />

abanões quer do poder político, quer de outros<br />

poderes circundantes. Abanões que influenciaram a sua<br />

evolução sem a pôr em causa. A profissão tem continuado<br />

a evoluir e eu só posso manifestar o meu voto para<br />

que continue a evoluir vencendo os piores obstáculos. Ã<br />

10 11


GH homenagem<br />

VASCO REIS, HOMEM DE FAMÍLIA<br />

3<br />

4<br />

Rute Reis<br />

Filha<br />

Pedro Reis<br />

Filho<br />

”Testemunhos<br />

A<br />

Direção da Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es<br />

(APAH), decidiu reservar para esta<br />

edição da revista <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong><br />

um espaço para homenagear a memória<br />

do Administrador <strong>Hospitalar</strong>, Professor Doutor<br />

Vasco Manuel Pinto dos Reis, solicitando-nos evocar a<br />

memória (bem presente) do nosso Pai.<br />

Talvez comecemos por referir a extrema dificuldade que<br />

ainda sentimos neste momento, em desvendar a intimidade<br />

de uma relação que nos marcou profundamente,<br />

tendo sido decidido “apenas” recordarmos algumas memórias<br />

do percurso pessoal, familiar e profissional do<br />

nosso Pai.<br />

O Pai nasceu em Coimbra em 16 de fevereiro de 1942.<br />

Aí fez o liceu e licenciou-se em Direito em outubro de<br />

1964. De acordo com as histórias muitas vezes contadas,<br />

a infância ficou marcada entre Coimbra onde residia, a<br />

Lousã materna e a Figueira da Foz, onde passava todos<br />

os meses de agosto.<br />

Orgulhosamente, sempre nos disse que praticou muito<br />

desporto, desde futebol (era um confesso ferrenho benfiquista),<br />

quer na equipa da Faculdade, quer sobretudo<br />

na praia da Figueira da Foz, mas também desporto federado,<br />

onde nadou e jogou basquete na Associação<br />

Académica de Coimbra.<br />

Ainda no período Universitário, foi dirigente associativo<br />

da secção de Intercâmbio da Associação Académica, desenvolveu<br />

o gosto pelo cinema, no Clube de Cinema de<br />

Coimbra e teatro (ator no Teatro dos Estudantes da<br />

Universidade de Coimbra e no Círculo de Iniciação Teatral<br />

da Academia de Coimbra).<br />

Foi contínua a sua qualificação tanto profissional como<br />

académica. Sempre foi exigente na sua formação, preparou-se<br />

com rigor e submeteu-se a provas de avaliação<br />

em que sempre se destacou pela qualidade.<br />

Em 1970, fez o I<strong>º</strong> Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>, na<br />

Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical<br />

(ENSP), onde era o aluno mais novo do curso. Em 1978<br />

ingressou na ENSP como assistente. Em janeiro de 1986,<br />

foi aprovado em concurso de provas públicas idênticas<br />

às exigidas para a concessão do grau de Doutor nas Universidades<br />

para a categoria de Professor Auxiliar. Tendo<br />

passado em 2001 a tempo inteiro para a ENSP como<br />

professor associado convidado onde fez a agregação (a<br />

primeira feita na Escola) em março de 2004.<br />

Em maio de 2006, após respetivo concurso de provas<br />

públicas, foi nomeado Professor Catedrático do Grupo<br />

de Disciplinas de <strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde da<br />

ENSP da Universidade Nova de Lisboa (UNL).<br />

Acumulou a atividade docente, nas áreas de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, das Políticas de Saúde e da <strong>Gestão</strong><br />

de Organizações de Saúde, com diferentes cargos e funções<br />

académicas tendo sido sucessivamente “Gestor do<br />

Curso de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong><br />

(1980/1998), diretor do mesmo Curso (1998/2005), Diretor<br />

do Curso de Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde<br />

(2005/2007) e Membro do Conselho Diretivo. Desde<br />

1998, foi Subdiretor da ENSP e no seu último mandato,<br />

em regime de exercício seu Diretor, nos últimos três<br />

meses em que esteve no ativo. }<br />

1<br />

2<br />

5<br />

7<br />

9<br />

6<br />

8<br />

10<br />

12 13


GH homenagem<br />

12<br />

14<br />

15<br />

11<br />

13<br />

”Testemunhos<br />

Iniciou percurso profissional em 1965 na Direção Geral<br />

dos Hospitais a nível hospitalar, desempenhou funções<br />

nos Hospitais Civis de Lisboa em julho de 1972, onde foi<br />

“administrador geral” entre 1978 e finais de 1988, integrando<br />

o Conselho com o Dr. Mateus Marques e a Enf.ª<br />

Maria Silva (que com vaidade regularmente lembrava).<br />

Dedicou os últimos anos da sua atividade no Ministério<br />

da Saúde ao Departamento de Estudos e Planeamento<br />

da Saúde e à Direção Geral de Saúde, onde realizou<br />

numerosos projetos e estudos no plano nacional e internacional.<br />

Representou o Ministério em organizações<br />

internacionais, OMS e no Conselho da Europa (integrou<br />

entre 1990 e 2000 “Comité Diretor de Saúde Pública”)<br />

e foi ainda Gestor do Subprograma saúde do II Quadro<br />

Comunitário de Apoio (1994/1995). Desenvolveu<br />

atividade também no SUCH e na SAUDEC (empresa<br />

de consultadoria SUCH/IPE/CGD) onde realizou os estudos<br />

estratégicos para construção em PPP de diversos<br />

novos Hospitais.<br />

Escreveu dezenas de artigos e textos, participou em quase<br />

uma centena de comunicações em conferências de<br />

natureza técnico-científica. Um dos seus maiores marcos<br />

a nível da escrita, foi o seu livro publicado em 2007,<br />

“<strong>Gestão</strong> em saúde: um espaço de diferença”, editado<br />

pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade<br />

Nova de Lisboa.<br />

Aposentou-se em Fevereiro de 2007 como Professor<br />

Catedrático da ENSP/UNL. Mantendo ainda actividade<br />

profissional como docente convidado da Escola Superior<br />

de Saúde de Alcoitão (ESSA/SCML) e da Escola de<br />

Ciências da Saúde da Universidade Lusófona (até 2017).<br />

Em Novembro de 2007 foi-lhe concedida a medalha de<br />

Serviços Distintos do Ministério da Saúde grau “ouro”.<br />

Paralelamente ao percurso profissional, o nosso Pai era<br />

um Homem de Família. Bem-disposto, com apurado<br />

sentido de humor, tinha um visual muito característico,<br />

usou “pêra” desde os 17 anos e só interrompeu quando<br />

se encontrava à porta do Quartel em Mafra. Sempre<br />

muito orgulhoso dos filhos e especialmente dedicado à<br />

Mãe (com quem celebrou as Bodas de Ouro, 2018). Os<br />

nossos Pais partilhavam uma grande paixão por viajar e<br />

conhecer novas culturas, tendo feito inúmeras viagens,<br />

sempre metodologicamente planeadas por mais curtas<br />

que fossem, que lhes permitiu conhecer todos os continentes.<br />

Ultimamente, mantinham as suas habituais viagens<br />

anuais para Tenerife com um grupo de amigos de<br />

longa data. Mantinham também a tradição de almoçar<br />

todos os fins-de-semana com o mesmo grupo de amigos<br />

na Praia das Maçãs, onde temos uma casa de família.<br />

Podemos ainda dizer que o nosso Pai era uma pessoa<br />

com um enorme orgulho nas suas conquistas, em tudo<br />

aquilo que, com muito esforço e dedicação, conseguiu<br />

desenvolver e alcançar. Trabalhador, com um forte sentido<br />

de responsabilidade, perseverança e humildade. Cultivava<br />

as suas relações, quer a nível familiar, quer a nível<br />

das suas amizades, procurando acompanhar o percurso<br />

de vida de todos aqueles que o rodeavam e mostrando-<br />

-se sempre disponível para ajudar.<br />

Um marido, pai, avô, amigo e profissional inigualável. O<br />

seu falecimento representa uma grande perda para todos<br />

aqueles que se cruzarem com ele ao longo da sua<br />

vida pessoal, académica ou profissional. Acreditamos ainda<br />

que deixará para sempre um grande marco na Saúde<br />

por ter contribuído para o prestígio da gestão hospitalar<br />

em Portugal. Deixará também um forte marco na história<br />

da nossa família que com saudade o relembrará para<br />

sempre e que tudo fará para que a memória do seu<br />

exemplo perdure. Ã<br />

16<br />

18<br />

1. Infância em Coimbra 2. Em família 3. 1964, formatura 4. Com os pais e irmão 5. Baquetebol 6. Tropa 7. 1970, CEAH<br />

com o Prof. Coriolano, Prof. Caldeira da Silva e Prof. Correia de Campos 8. 1986, evento com a assistência de familiares<br />

9. 1986, com o Prof. Caldeira da Silva 10. 1986, com o Prof. Galvão Melo 11. 1986, com o Prof. Nogueira da Rocha<br />

12. 1986, com o Dr. Mateus Marques e a Enfª Mª Silva 13. 1986, com o Prof. Coriolano e o Prof. Mantas 14. Com o<br />

Dr. Mateus Marques 15. Anos 90, com a Dra. Teresa Sustelo 16. 2004, Agregação 17. Macau, com Rogério Carvalho<br />

18. 2007, com o Dr. Manuel Delgado 19. 2007, com o Prof. A. Rendas.<br />

17<br />

19<br />

14 15


GH homenagem<br />

VASCO REIS,<br />

UM COMPANHEIRO E AMIGO<br />

”Testemunhos<br />

Nogueira da Rocha<br />

Provedor do Associado e do Cliente do SUCH, Sócio de Mérito APAH<br />

No seu livro “<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço<br />

de diferençaˮ, Vasco Reis, na parte inicial<br />

que ele designou por “A causa das coisas”<br />

afirmou o seguinte: “E se não registasse,<br />

aqui e agora, alguns nomes, poucos<br />

de entre os credores que fui semeando mas sobretudo<br />

aqueles que nesta já longa viagem pela gestão da saúde<br />

continuam a ser uma referência permanente”. E ao referir-<br />

-se à minha pessoa disse: “O de Nogueira da Rocha com<br />

um percurso paralelo ao que segui e com ele tenho vivido<br />

uma inultrapassável cumplicidade pessoal e profissional”.<br />

Ao decidir revisitar e reviver esta afirmação optei por dar<br />

a este meu testemunho um tom marcadamente narrativo<br />

por se me afigurar ser o mais adequado e conforme com<br />

o “mote” de que parti.<br />

Alterarei a ordem das cumplicidades referindo-me em primeiro<br />

lugar à profissional, acrescentando que, em razão<br />

de qualquer das duas, na forma como reciprocamente nos<br />

tratávamos, ele era o Vasco e eu o Zé.<br />

Conheci o Vasco em 1966, num daqueles acasos que a<br />

vida nos proporciona. Era eu então Chefe de Repartição<br />

da Direção Geral dos Hospitais e o Vasco Técnico Superior<br />

da Comissão Inter-<strong>Hospitalar</strong> do Centro, com sede<br />

em Coimbra. Coriolano Ferreira, então Diretor-Geral dos<br />

Hospitais, havia, naquele ano, estado na origem da criação<br />

do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH)<br />

e, na primeira Assembleia Geral que teve lugar no Salão<br />

Nobre do Hospital de S. José no dia 27 de junho de 1966,<br />

foi decidido criar na Zona Centro (Coimbra) a Divisão de<br />

Instalações e Equipamentos com imediata entrada em<br />

funcionamento. Esta Divisão necessitava de uma viatura,<br />

tendo, para o efeito, sido adquirida, em Lisboa, um Renault<br />

4L, que deveria seguir para Coimbra. Fui encarregado<br />

desta tarefa e querem saber quem foi o meu “pendura“?<br />

O Vasco.<br />

Depois disso, e durante algum tempo, foram esporádicos<br />

os nossos encontros. Com significado, só em 1972 nos<br />

voltamos a encontrar. Era eu administrador de um dos<br />

Hospitais Integrados dos Hospitais Civis de Lisboa (HCL),<br />

o Hospital do Desterro, quando o Vasco iniciou o desempenho<br />

do cargo de Diretor dos Serviços Financeiros<br />

daquela Instituição, cargo esse - Diretor de Serviço - criado<br />

pelo Decreto n.<strong>º</strong> 499/70, de <strong>24</strong> de outubro, e constante<br />

do quadro tipo a ele anexo. O nosso relacionamento<br />

passou, então, a ser mais frequente, havendo a destacar<br />

a nossa designação, como representantes dos HCL para<br />

a Comissão de Escolha dos Novos Hospitais de Lisboa<br />

(Hospital Ocidental) e de Coimbra. Mas foi só em 1974,<br />

nos dias que se seguiram ao 25 de abril, que a cumplicidade<br />

profissional começou, verdadeiramente, a ganhar raízes.<br />

Neste período turbulento que assolou os HCL, como,<br />

de resto, a quase totalidade dos Hospitais e de um grande<br />

número de organizações públicas e privadas, unimos esforços<br />

no sentido de evitar que se instalasse a demagogia,<br />

o oportunismo e a ânsia de poder sem controlo, para mais<br />

marcado por disputas corporativas. E se o sucesso contra<br />

estes “males” não foi total, embora o saldo tivesse sido<br />

positivo, a nossa participação em todas as Assembleias<br />

Gerais de Trabalhadores, enfrentando muitas vezes insinuações<br />

e acusações mais ou menos diretas, bem como<br />

outras ações de que não tivemos o exclusivo, evitaram<br />

um “mal maior”.<br />

A partir de 1975 o Vasco passou a desempenhar o cargo<br />

de administrador do Hospital dos Capuchos e eu já<br />

havia iniciado, desde meados de 1974, funções como administrador<br />

do Hospital de Dona Estefânia. Consequência<br />

natural do desempenho destes cargos e porque o tema,<br />

vinha, há já algum tempo, a ser objeto das nossas “congeminações”,<br />

entendemos dever repensar a estrutura dos<br />

HCL, marcada por forte centralização, já que os Hospitais<br />

Integrados dispunham de um grau de autonomia extremamente<br />

reduzida e, mesmo esta, apenas pela via da delegação<br />

de poderes. Em diálogo com a Comissão Instaladora<br />

- os HCL viviam então em regime de instalação - e<br />

com os outros órgãos informais de gestão dos Hospitais<br />

integrados, lançámo-nos na elaboração de uma proposta<br />

que veio a encontrar, com a publicação do Decreto-Lei<br />

n.<strong>º</strong> 129/77 de 2 de abril e do Decreto n.<strong>º</strong> 30/ 77 de 20<br />

de maio, terreno propício à sua concretização. E ela veio<br />

a verificar-se com a aprovação e publicação da I Parte do<br />

Na vinha. Da direita para a esquerda: Eu, Belinhas,<br />

Correia de Campos, Corália e Vasco Reis.<br />

Regulamento Interno dos Hospitais Civis de Lisboa (Portaria<br />

n.<strong>º</strong> 358, de 6 de julho, Diário da República, I Série, n.<strong>º</strong><br />

153, de 6 de julho de 1978).<br />

A nossa cumplicidade profissional continuou, reforçada, a<br />

partir de 1978, na Escola Nacional de Saúde Pública, quer<br />

no exercício de funções docentes quer como membros<br />

do Conselho Diretivo (entre 1998 e 2002).<br />

No exercício de funções docentes a nossa cumplicidade<br />

perdurou até 2004, após a minha aposentação em 2002,<br />

já que o Vasco “obrigou-me” a continuar responsável pelo<br />

ensino das disciplinas Administração Geral e Estrutura<br />

da Administração Pública. Mas foi entre 1998 e 2002 que<br />

a nossa cumplicidade aumentou ainda mais. Com efeito<br />

passou a unir-nos novas responsabilidades já que, continuando<br />

as docentes, foram-lhe acrescentadas outras determinantes<br />

com forte e natural interdependência entre si:<br />

para o Vasco a de Diretor do Curso de Especialização em<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong> e para mim a de Coordenador<br />

do Grupo de Disciplinas de Administração da Saúde.<br />

De realçar ainda a participação conjunta, em 1997, no<br />

Curso de Mestrado de Administração e <strong>Gestão</strong> Pública -<br />

Ramo de Administração de Saúde - organizado pela Universidade<br />

do Minho, Escola de Economia e <strong>Gestão</strong>, tendo<br />

como matéria “A Estrutura das Organizações de Saúdeˮ.<br />

Por último, como Presidente do Conselho de Administração<br />

do SUCH, pude contar com a valiosa colaboração<br />

do Vasco na abertura de uma nova frente de trabalho - a<br />

O meu doutoramento. Da direita para a esquerda: Prof. Correia de Campos,<br />

Prof. Lopes dos Reis, eu, minha mulher, Prof. Augusto Mantas e Prof. Vasco Reis.<br />

constituição de parcerias com empresas privadas - do<br />

que viria a resultar um significativo aumento da dimensão<br />

da Instituição.<br />

Em muito poucas palavras direi que este meu relacionamento<br />

com o Vasco permite-me afirmar sem reservas<br />

que a sua ação marcou a prática e o ensino da Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> em Portugal e muito lhe ficam a dever<br />

as muitas centenas de profissionais que foram seus alunos.<br />

Naturalmente decorrente, em grande parte, da cumplicidade<br />

profissional, surgiu, aumentou e manteve-se a cumplicidade<br />

pessoal que o Vasco refere. Cumplicidade pessoal<br />

que se traduziu em encontros que raramente ultrapassavam<br />

o espaço quinzenal, prejudicados nos últimos<br />

tempos pela pandemia que nos assola e tarda a desaparecer.<br />

Falávamos de tudo. Dos nossos sucessos, insucessos,<br />

das nossas famílias e das nossas “maleitas”. Enfim, de tudo<br />

quanto o passado e o presente nos fazia recordar e daquilo<br />

que o futuro poderia ou não vir a ser.<br />

A estes encontros juntaram-se alguns fins de semana passados<br />

na minha Quinta em Penafiel e que o Vasco e a Corália<br />

muito apreciavam.<br />

Poderia e deveria alongar-me nesta segunda cumplicidade.<br />

Muito gostaria de o fazer. Mas não me é possível pelo<br />

espaço limitado que me foi concedido. Direi tão somente<br />

que o Vasco foi um grande amigo, amizade que se alargou<br />

à sua mulher e filhos: Corália, Rute e Pedro.<br />

Obrigado Vasco. Será impossível esquecer-te. Ã<br />

16 17


GH homenagem<br />

”Testemunhos<br />

VASCO REIS,<br />

a persistência da solidez<br />

António Correia de Campos<br />

Sócio Honorário da APAH<br />

Vasco Manuel Pinto dos Reis nasceu a<br />

16 de fevereiro de 1942 e faleceu<br />

poucos dias antes de concluir 79 anos,<br />

no início de <strong>2021</strong>. A sua vida acompanhou<br />

algumas das maiores mudanças<br />

que a Saúde teve em Portugal e Vasco Reis foi protagonista<br />

quase direto de muitas delas. Eis por que a sua<br />

vida e obra são importantes para se conhecer a história<br />

contemporânea dos serviços de saúde em Portugal. A<br />

dedicação à Saúde e em especial aos hospitais fez com<br />

que ele jamais abandonasse a vida pública, ou saísse do<br />

País à procura de outras ocupações e outros temas.<br />

Vasco foi um dos primeiros jovens licenciados a ingressarem<br />

na então muito moderna Direção-Geral dos Hospitais,<br />

chefiada durante os seus primeiros nove anos por<br />

Coriolano Ferreira. A ele se seguiram outros jovens: em<br />

Coimbra, Júlio Pereira dos Reis, José Pedro Costa Alemão,<br />

José António Menezes Correia, João Santos Cardoso,<br />

Cândido Pacheco de Araújo e eu próprio; em Lisboa,<br />

Cristiano de Freitas, António Menezes Duarte, Manuel<br />

Cassiano Póvoas, João Delgado Simões, Mário Vieira<br />

de Carvalho, Sílvio Carvalho Santos, Margarida Lucas<br />

Barros Moura; e no Porto, Eduardo Sá Ferreira, Raul Moreno<br />

Rodrigues, Rui Pinto.<br />

A admissão destes jovens, planeada por Coriolano Ferreira<br />

e acompanhada de perto por alguns menos jovens,<br />

como Augusto Mantas, José Manuel Caldeira da Silva, Álvaro<br />

de Paiva Brandão, Eduardo Caetano e mulheres notáveis<br />

como Maria dos Prazeres Beleza, Maria Fernanda<br />

Resende, Mariana Diniz de Sousa, Marta Lima Basto, Irene<br />

Pinto de Carvalho, entre muitas outras, trouxe força<br />

motora a uma direção-geral que, dentro ainda do regime<br />

autoritário, nasceu para inquietar e provocar mudanças<br />

há muito necessárias.<br />

Entre 1965 e 1975, Vasco Reis foi técnico superior de administração,<br />

cumpriu serviço militar, diplomou-se no primeiro<br />

Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> da então Escola<br />

Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical, em<br />

1971, concorreu a diretor de serviço e foi nomeado em<br />

1972 para dirigir os serviços financeiros do maior hospital<br />

do País, os Hospitais Civis de Lisboa, com sete estabelecimentos<br />

dispersos pela cidade, 3.600 leitos e 4.000<br />

funcionários, função que desempenhou entre 1972 e<br />

1975. Depois, entre 1975 e 1978, passou a dirigir o Hospital<br />

de Santo António dos Capuchos, uma unidade dos<br />

HCL dotada de crescente autonomia que Vasco foi desenhando<br />

e construindo pondo em prática projetos que<br />

havia preparado e tinham recolhido à gaveta no tempo<br />

político anterior. O seu prestígio interno e externo tornaram<br />

natural a nomeação, em 1978 aos 36 anos, como<br />

administrador-geral desse grande estabelecimento integrado,<br />

tendo permanecido dez anos nessas funções,<br />

sempre intercalando com trabalho em comissões de reformas<br />

para que era regularmente nomeado.<br />

Em 1988, uma precoce epidemia privatística, levou à sua<br />

substituição forçada por pessoa cujo nome a história não<br />

regista, vinda de fora, certamente bem-intencionada, mas<br />

sem qualquer preparação específica para o lugar. Vasco<br />

foi acolhido no Departamento de Estudos e Planeamento,<br />

dirigido por Luís Magão, médico diplomado em<br />

administração hospitalar. Entre 1989 e 1997, Vasco Reis<br />

assegurou com brilho e sustentabilidade a representação<br />

de Portugal no Comité Diretor de Saúde Pública do Conselho<br />

da Europa, com deslocações periódicas a Estrasburgo.<br />

Foram os anos difíceis da propagação do SIDA pela<br />

Europa, do sangue contaminado, do início dos transplantes,<br />

da importância crescente das questões de ética e da<br />

qualidade em saúde, temas centrais das preocupações do<br />

Conselho da Europa em matéria de saúde pública.<br />

Vasco Reis iniciou funções de assistente na já então ENSP<br />

em 1978. Em 1985 apresentou-se a provas de concurso<br />

para professor auxiliar, sendo aprovado por unanimidade.<br />

Em 2006 obteve a agregação, quando a ENSP<br />

se havia já integrado na Universidade Nova de Lisboa.<br />

Pouco depois, mediante concurso, subia a professor catedrático.<br />

Entre 1978 e 2007 dirigiu primeiro o Curso<br />

de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> e depois<br />

o Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde. Entre 1998 e 2007<br />

integrou o Conselho Diretivo da ENSP, sucessivamente<br />

como vogal, subdiretor e mais tarde diretor, até à sua<br />

aposentação em 2007. Nessa data foi agraciado com a<br />

Medalha de Ouro de Serviços Distintos do<br />

Ministério da Saúde.<br />

No primeiro ano da sua vida profissional,<br />

em 1965, Vasco Reis redigiu dois pequenos<br />

textos (entradas) para o Dicionário Jurídico<br />

da Administração Pública, um sobre “Assistência<br />

<strong>Hospitalar</strong>” e outro sobre “Assistência<br />

na Doença aos Servidores do Estado”.<br />

O seu primeiro trabalho de fôlego foi<br />

a dissertação final do Curso de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, em 1971, sob o título “Financiamento<br />

<strong>Hospitalar</strong>. Situação do problema<br />

em Portugal”. Este excelente trabalho<br />

ficou silenciado pela rapidez das alterações<br />

ocorridas nos anos imediatos.<br />

Basta lembramo-nos de que em 1971 é<br />

publicada a reforma de Gonçalves Ferreira<br />

e Arnaldo Sampaio, sendo ministro<br />

Baltazar Rebelo de Sousa; em 1974, o<br />

Movimento dos Capitães inscreve no<br />

seu programa (DL n<strong>º</strong> 203/74, de 15 de<br />

maio) em matéria de política social, o<br />

“Lançamento das bases para a criação<br />

de um serviço nacional de saúde ao qual<br />

tenham acesso todos os cidadãos”. Em<br />

1978, um despacho do Ministro António<br />

Arnaut abre a todos os cidadãos os<br />

serviços públicos de saúde, do Estado ou<br />

da Previdência Social; ainda nesse ano, a Previdência Social<br />

deixou de contribuir para os encargos de saúde dos<br />

seus beneficiários, passando estes a ser inteiramente<br />

suportados pelo Ministério da Saúde isto é, pelo Orçamento<br />

do Estado. Em setembro de 1979 é aprovada na<br />

AR a Lei de Bases do SNS, imediatamente regulamentada<br />

por uma série de diplomas publicados nos últimos<br />

dias do V Governo Constitucional, de Maria de Lurdes<br />

Pintasilgo. A dissertação de fim-de-curso de Vasco Reis<br />

ficou rapidamente desatualizada em menos de sete<br />

anos. Mas a sua leitura é essencial para quem pretenda<br />

conhecer a história do financiamento dos hospitais<br />

nos complexos e emocionantes tempos de transição<br />

do assistencialismo para o providencialismo, de matriz<br />

“bismarckiana”. Curiosamente, a transição para o modelo<br />

“beveridgeano”, iniciada com o esforço de universalização<br />

do acesso promovido pelo Ministro António<br />

Arnaut, acaba por obter consagração legal em diploma<br />

do referido V Governo, sendo Ministro dos Assuntos<br />

Sociais Alfredo Bruto da Costa, saindo da pena afiada<br />

de Coriolano Ferreira, então Secretário de Estado da<br />

Segurança Social. Este pequeno e importante diploma<br />

foi um dos liminarmente revogados nas primeiras semanas<br />

do Governo Sá Carneiro, tal como outros da Saúde.<br />

Todavia, a lógica da construção do Estado Social imposta<br />

pela Constituição determinava o modelo universal. E<br />

foi por iniciativa de António Bagão Félix, secretário de<br />

estado que sucedeu a Coriolano na Segurança Social, já<br />

no governo da AD que os princípios gerais do diploma<br />

inicial foram retomados.<br />

O segundo trabalho, talvez o mais importante de Vasco<br />

Reis, foi a sua tese para concurso a professor auxiliar<br />

(prova equivalente ao doutoramento), sob o título “O<br />

papel do Administrador Principal no Hospital Português”.<br />

Com base nos princípios de Henri Mintzberg divulgados<br />

nos anos de 70 e 80, Vasco Reis realizou uma<br />

investigação social aprofundada, usando o método Delphi<br />

de geração progressiva de consenso de grupo, sobre<br />

o papel dominante do administrador hospitalar principal.<br />

Utilizou quatro painéis (administradores principais, }<br />

18 19


GH homenagem<br />

”Testemunhos<br />

outros profissionais de administração, médicos hospitalares<br />

e pessoal dos serviços centrais do ministério), a<br />

quem eram apresentadas listas das dez funções mais<br />

comuns do administrador principal. Este trabalho foi solidamente<br />

fundamentado por uma extensa e profunda<br />

revisão de literatura, para cuja pesquisa Vasco Reis estagiou<br />

nos EUA e por um bem organizado trabalho de<br />

campo. A partir de então muitos outros investigadores<br />

recorreram a este tipo de painel para obter ou identificar<br />

os consensos possíveis sobre matérias individualizadas<br />

e pré-definidas.<br />

O trabalho que Vasco Reis apresentou ao júri da sua<br />

agregação em 2007, como prova de aptidão pedagógica,<br />

é uma peça de enorme maturidade académica e<br />

profissional. O seu título “<strong>Gestão</strong> integrada: estudo de<br />

casos” prolonga a ótica do administrador principal, responsável<br />

pela condução do hospital. Assenta em profunda<br />

pesquisa de literatura e na considerável experiência<br />

profissional do autor. Mas revela a solidez do método<br />

de casos para ensinar gestão integrada, tão em moda<br />

nos EUA, inúmeras vezes ensaiado no seu próprio<br />

ensino. As próprias histórias, baseadas em factos reais e<br />

ficcionais revelam o humor natural do seu autor e a adequação<br />

perfeita à realidade social e profissional do nosso<br />

País. O trabalho, infelizmente limitado às prateleiras<br />

dos trabalhos académicos, mereceria publicação para<br />

universo mais amplo.<br />

Ainda em 2007, Vasco Reis reúne uma série de trabalhos<br />

que publica no livro “<strong>Gestão</strong> em Saúde: um espaço de<br />

diferença”. O título é precioso, “em” e não “da”, para<br />

evitar engulhos inesperados e esperados. Dentre os<br />

primeiros, os mais insólitos viriam provavelmente de colegas<br />

de outras faculdades que julgam o termo “gestão”<br />

coutada de economistas. Também me confrontei com<br />

essas e outras ridículas disputas territoriais. O livro centra-se<br />

nas especificidades da gestão em saúde, na sua organização<br />

diferenciada e como podem as diferenças ser<br />

operacionalizadas. Termina debatendo as implicações<br />

que um território tão sui generis tem para efeitos de formação.<br />

Quem entende que qualquer bom gestor dará<br />

um bom administrador hospitalar, não deve ler este livro.<br />

Ele vai desiludi-lo, se pretende reconverter a sua formação<br />

em “pau-para-toda-a-colher”. Para quem esteja no<br />

setor, o livro é um desafio e uma excelente reflexão do<br />

que a cada um falte fazer para ser bom administrador.<br />

Na parte final da sua vida ativa, quando Vasco Reis se dedicou<br />

à ENSP a tempo inteiro, a sua produção aumentou<br />

em qualidade e quantidade. Quase sempre acompanhado,<br />

o que é uma das características dos bons mestres.<br />

Merecem especial destaque artigos ainda precoces, como<br />

os que publicou na revista dos administradores (APAH)<br />

com Corália Reis e Pedro Esteves sobre consumo de<br />

medicamentos, sobre as questões dos sistemas de saúde,<br />

ou sobre a organização interna dos hospitais nos Açores.<br />

Ou quando passou a publicar regularmente na Revista<br />

Portuguesa de Saúde Pública, em 1985, como “Hospital,<br />

um sistema aberto”, um notável trabalho com Carlos<br />

Costa; em 1993, sobre “O sucesso nas organizações de<br />

saúde”, onde de forma clara se diferencia privado e público,<br />

prevenindo ambiguidades e confusões (artigo que<br />

merece ser hoje relido, pela sua atualidade); com Rute<br />

Reis, sobre “A saúde e a empresaˮ. Mais recentemente,<br />

publicou em 2003 na RPSP, com Eva Falcão, um outro<br />

excelente artigo sobre “Hospital público português: da<br />

crise à renovação”, onde se descrevem, com profundo<br />

sentido analítico as experiências inovadoras que mais<br />

tarde deram origem à maior autonomia do hospital público,<br />

quer como sociedade anónima (SA), quer depois<br />

como entidade pública empresarial (EPE). Ou ainda o<br />

clarificador artigo publicado em 2004, a solo, na RPSP<br />

sobre “<strong>Gestão</strong> em Saúde”, bem como o excelente editorial<br />

que publicou na RPSP, em 2005, na apresentação<br />

do número temático sobre “Avaliação do desempenho<br />

em meio hospitalarˮ. Vale ainda a pena ler o artigo que<br />

Vasco escreveu para o volume temático da RPSP sobre<br />

novos modelos de gestão da saúde em Portugal, sob o<br />

título “A intervenção privada na prestação pública: da<br />

expansão do Estado às parcerias público-privadas”. Este<br />

artigo analisa as três vagas de intervenção privada no domínio<br />

público: na indústria, nas infraestruturas e na área<br />

social. Em vez do maniqueísmo tão comum no nosso<br />

meio, o artigo procura identificar os requisitos de compatibilidade<br />

das PPP com sistemas de saúde organizados<br />

e orientados para a universalidade; vale a pena relê-lo, no<br />

mundo complexo da disputa presente e recente entre<br />

a bondade e a maldade de cada um dos setores. Vasco<br />

Reis foi um protagonista discreto e atento de todas estas<br />

mudanças que descreveu com elegância literária. Mas foi<br />

também um observador que delas tirou lições para o<br />

ensino a seu cargo.<br />

Causou sempre inveja nos colegas a sua elevada popularidade<br />

entre alunos e alunas. Havia quem a fundamentasse<br />

no paternalismo que lhe era congénito, ou na simpatia<br />

natural que irradiava, ou ainda no seu sentido de responsabilidade<br />

social que o levara a, logo no início da carreira,<br />

ter preferido a função pública a uma advocacia privada<br />

que se previa viesse a ser altamente confortável. Ou ainda<br />

ao seu feitio de estando longe continuar por perto,<br />

como os treinadores de bancada no velho café Arcádia<br />

de Coimbra. Podem inventar-se inúmeras explicações.<br />

Certo é que Vasco era apreciado por colegas, respeitado<br />

por colaboradores e adorado por discentes. Uma<br />

invejável combinação. Vasco Reis foi um contribuinte<br />

ativo para a profissão dos administradores de hospitais,<br />

talvez o mais permanente, persistente e fiável contribuinte.<br />

Muitos de nós, próximos dele, nos cansávamos<br />

depressa. Outros estavam constantemente a mudar de<br />

poiso e função, não aquecendo lugares e deveres por<br />

mais de dois ou três anos. Fui um desses. Tarde para<br />

mudar e jamais arrependido, não deixo de apreciar os<br />

que permaneciam na fortaleza, reforçando suas muralhas<br />

e agregando novos defensores.<br />

Os administradores de hospitais, o pessoal da Saúde, os<br />

serviços, a Escola e o País devem tudo isso e muito mais<br />

a Vasco Manuel Pinto dos Reis.<br />

Deixo para o fim uma nota pessoal. Conheci Vasco Reis<br />

em Novembro de 1961, era eu tesoureiro da direção<br />

da Associação Académica da Faculdade de Direito de<br />

Lisboa e ele diretor da secção de intercâmbio da Associação<br />

Académica de Coimbra, quando preparávamos<br />

a pernoita de estudantes de Lisboa em Coimbra por<br />

ocasião de uma reunião de convívio inter-academias,<br />

que precedeu o famoso Dia do Estudante de março de<br />

1962. Forçado a continuar estudos em Coimbra a partir<br />

do final desse ano, convivi diariamente com Vasco. Foi<br />

por seu intermédio que obtive emprego em 1966 na<br />

Comissão Inter-<strong>Hospitalar</strong> de Coimbra. Foi por minha<br />

proximidade que ele e Corália Andrade Pais se reuniram<br />

em casamento bem-sucedido. Pouco depois, um<br />

irmão de Corália, Fernando Andrade Pais, casou com<br />

Ana Dantas, irmã de minha Mulher Gilberta. Ambos<br />

adorávamos e chorámos a perda precoce desse cunhado<br />

comum. Os nossos filhos foram criados com grande<br />

e fraterno convívio. Relações quase familiares e de<br />

enorme proximidade. O recrudescimento brutal da<br />

pandemia Covid-19 impediu que todos fizéssemos como<br />

nos cumpria, o luto da sua perda. Vasco era um<br />

homem bom. A sua permanente bonomia, disponibilidade<br />

e carinho, fator de união entre as nossas famílias,<br />

espraiaram-se por todos, colegas, colaboradores, alunos<br />

e amigos que tiveram o privilégio de o conhecer. Ã<br />

20 21


GH homenagem<br />

”Testemunhos<br />

VASCO REIS<br />

Manuel Delgado<br />

Sócio de Mérito e Presidente da APAH (1992-2008)<br />

Um professor, um chefe, um colega e sobretudo<br />

um amigo. Foi com estes quatro<br />

chapéus que conheci e partilhei os últimos<br />

42 anos da minha vida com Vasco<br />

Reis. Sempre afável, sereno, atento às falhas<br />

mas também aos pequenos ou grandes sucessos, Vasco<br />

Reis sabia ser solidário, reunir consensos e liderar projetos.<br />

Fazia-o como ninguém, discretamente, dando liberdade<br />

de pensamento e de ação, incentivando quando a vontade<br />

esmorecia, discutindo em pé de igualdade caminhos<br />

ou soluções, partilhando sempre a autoria dos projetos,<br />

preocupando-se sempre com o futuro dos seus discípulos,<br />

abrindo-lhes portas, dando-lhes oportunidades.<br />

1. O Professor<br />

Vasco Reis foi um dos professores que mais admirei quando<br />

fui aluno do X Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>, da<br />

Escola Nacional de Saúde Pública. Conheci-o antes, quando<br />

realizei as provas de acesso finalizando com uma entrevista<br />

em que ele também esteve presente. Não me recordo<br />

já do conteúdo desses primeiros contactos, mas fiquei<br />

impressionado com a tranquilidade e segurança daquele<br />

plêiade de professores em que VR se integrava. Era um<br />

professor claro na mensagem, que combinava com elegância<br />

e sabedoria a parte teórica com a parte prática, nas<br />

suas aulas. Tive o privilégio de o ter como Gestor do Curso<br />

e de partilhar com ele várias reuniões ao longo de dois<br />

anos como delegado dos alunos. Recordo-me bem de um<br />

episódio complicado que tivemos de resolver: convidar<br />

um aluno a abandonar o curso, tal a visível inaptidão que<br />

o mesmo revelava todos os dias. VR demonstrou aqui o<br />

seu profundo sentido ético e humano, colocando em cima<br />

da mesa todas as soluções, dando ao aluno todas as oportunidades,<br />

reunindo de forma persistente e serena todos<br />

os prós e contras para a sua continuidade e, por fim, comunicando-lhe<br />

com cuidado e total dignidade a decisão final.<br />

Apesar de doloroso, o colega em causa saiu do curso<br />

aceitando bem a decisão tomada. Como professor, VR<br />

assumiu sempre um grande protagonismo na orientação<br />

académica dos alunos, quer na conceção e distribuição<br />

temporal do programa, quer na escolha dos locais de estágio,<br />

quer no apoio, sempre disponível, no aconselhamento<br />

e orientação dos alunos. Enveredou, entretanto,<br />

pela carreira académica, doutorou-se e assumiu funções<br />

de liderança na gestão da Escola Nacional de Saúde Pública.<br />

Fui seu colega como docente, e sei bem a importância<br />

que VR teve na atualização do Curso de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, na forma como defendia o profissionalismo na<br />

gestão dos hospitais e no brio e orgulho como protegia os<br />

seus discípulos. Era o porto seguro a cuja porta todos batiam,<br />

quando já em exercício profissional ou ainda como<br />

alunos, sempre que se colocavam decisões difíceis. Nunca<br />

regateava um conselho amigo, desinteressado e esclarecido.<br />

2. O Gestor<br />

Estagiei nos “velhos” mas sempre atuais HCL (Hospitais<br />

Civis de Lisboa) a partir de 1980 e tive aí o meu primeiro<br />

emprego como administrador hospitalar. VR era então o<br />

administrador da Comissão Coordenadora, com o médico<br />

Mateus Marques e a enfermeira Maria Silva. Faziam um<br />

trio notável, em que a combinação de competências, o nível<br />

ético e técnico dos protagonistas e a sua capacidade de<br />

liderança marcaram provavelmente um dos melhores períodos<br />

do grupo hospitalar. VR tinha, como colaboradores,<br />

um conjunto de jovens administradores hospitalares que<br />

desenvolveram novos métodos de gestão, criaram novos<br />

indicadores e começaram a dar os primeiros passos na governação<br />

clínica. Os HCL eram, ao tempo, uma das principais<br />

referências nacionais na administração hospitalar e<br />

isso deve-se muito ao trabalho de VR.<br />

3. O Amigo<br />

Cresci, como pessoa e profissional, com os ensinamentos<br />

e os conselhos de VR. Devo-lhe as oportunidades de carreira<br />

que sempre tinha a gentileza de me sugerir. A nossa<br />

amizade foi também crescendo e sempre contei com a<br />

sua experiência e conhecimentos em muitas conferências,<br />

congressos, debates e pareceres que, ao longo dos muitos<br />

anos em que presidi à APAH, patrocinei ou organizei.<br />

VR nunca esqueceu as suas raízes profissionais na administração<br />

hospitalar, mantendo sempre uma relação ativa<br />

e colaborante com os interesses dos profissionais, sentindo-se<br />

sempre um dos nossos. Nos últimos anos partilhei<br />

com VR mais a amizade do que o trabalho. Depois da sua<br />

aposentação veio também a minha e passamos a almoçar<br />

periodicamente, já livres da pressão dos acontecimentos. Foi<br />

uma nova fase do nosso relacionamento, e aquela que mais<br />

me ligou à sua personalidade e ao seu caráter. Tínhamos<br />

longas conversas que se estendiam por variadíssimos temas:<br />

a família, a saúde, os amigos, as férias, a política, etc. VR era<br />

uma pessoa de grandes princípios, de grande amor e uma<br />

ternura cativante pelos que mais amava: a mulher, os filhos<br />

e os netos. Estará sempre presente na minha vida como um<br />

exemplo a seguir. Almoçaremos juntos um dia destes. Ã<br />

MEMORANDO<br />

Pedro Lopes<br />

Presidente da APAH (2008-2013)<br />

O<br />

meu primeiro contacto com o Professor<br />

Vasco Reis ocorreu no ano de<br />

1984, na Escola Nacional de Saúde<br />

Pública, no momento em que realizava<br />

as minhas provas para a entrada<br />

para o curso na altura designado por “Curso de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>”.<br />

Tive a honra e o privilégio da posterior ligação ao “nosso<br />

Professor” como seu aluno e ainda nos contactos<br />

necessários originados pelo facto de ser o Gestor do<br />

Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong> na altura.<br />

Uma pessoa com uma personalidade muito vincada que<br />

não deixava ninguém indiferente, designadamente pela<br />

forma como abordava a relação quer como professor,<br />

quer como confidente, com o seu semblante majestoso<br />

e também coloquial/jocoso que só a sua elevação colocava<br />

no correto momento discursivo.<br />

Um professor muito atualizado que rasgava o status quo<br />

da “Administração” de influência francesa na linha dos<br />

“meninos de Rennes”, os nossos primeiros colegas formados<br />

na Ecole Nationale de Santé Publique e partilhava<br />

o discurso da “<strong>Gestão</strong>” de cariz essencialmente anglo-saxónico.<br />

Sempre preocupado com a nossa formação lembro-me<br />

bem das suas sugestões para a leitura de revistas de<br />

administração e gestão hospitalar, designadamente a<br />

“Gestion Hospitaliére” que ainda hoje acompanho com<br />

a sua leitura mensal no serviço de Documentação do<br />

meu hospital.<br />

O seu percurso profissional, iniciado na década de 60,<br />

em Coimbra, sua cidade natal, na Direção Geral da Saúde,<br />

na nova estrutura regional em criação, a Comissão<br />

Inter-<strong>Hospitalar</strong>, como técnico superior, seguido de vários<br />

cargos e desempenho como administrador hospitalar,<br />

nomeadamente de Administrador Geral dos Hospitais<br />

Civis de Lisboa que culminou com a ocupação<br />

do cargo de Administrador da Comissão Coordenadora<br />

desses mesmos hospitais foi relevantíssimo, não só pelo<br />

seu contributo para a gestão do hospital público português,<br />

mas também para o ensino, refletindo assim, todo<br />

este conhecimento prático no seu papel de docente na<br />

Escola Nacional de Saúde Pública.<br />

As suas aulas de Administração <strong>Hospitalar</strong> recheadas<br />

de conhecimento teórico traziam, também, as suas vivências<br />

da prática hospitalar que transmitia, muitas vezes,<br />

com episódios por si passados no ambiente da gestão<br />

hospitalar e recheados de momentos humorísticos,<br />

pitada de sal que tão bem administrava nos momentos<br />

presenciados por todos os alunos do curso de administração<br />

hospitalar.<br />

Não tendo trabalhado pessoalmente com o Professor<br />

Vasco Reis não posso, no entanto, deixar de mencionar<br />

o seu espírito inovador designadamente a criação do<br />

Sistema de <strong>Gestão</strong> Previsional Descentralizado (SGPD)<br />

que recolhia informação dos vários serviços dos hospitais<br />

do Grupo com vista à definição das estratégias de<br />

planeamento e gestão, sistema este referido no Livro<br />

“50 Anos em 20 Olhares” da Associação Portuguesa<br />

de Administração <strong>Hospitalar</strong> que passo a citar: “Lancei,<br />

por exemplo, um método baseado numa experiência<br />

americana…”.<br />

Da sua vasta obra como investigador, professor e gestor<br />

hospitalar, não posso deixar de salientar o seu contributo,<br />

para mim o maior, no estudo, análise e proposta<br />

de um novo Estatuto Jurídico do Hospital que culminou<br />

com a apresentação em Janeiro de 1997 do respetivo<br />

Relatório Final, na sequência da nomeação para Coordenador<br />

do Grupo de Trabalho criado pelo Despacho<br />

169/96, de 19 de Abril, da Ministra da Saúde Maria de<br />

Belém, com vista ao estudo e eventual modificação do<br />

estatuto jurídico dos hospitais.<br />

O detalhe histórico dos vários estatutos jurídicos dos<br />

hospitais e a abordagem e recomendações práticas, em<br />

particular a questão da autonomia dos hospitais que ainda<br />

hoje discutimos, estão plasmadas nesse portentoso<br />

documento que infelizmente não foi levado à prática na<br />

sua totalidade.<br />

Estes são pequenos apontamentos de uma vida plena<br />

de intervenções quer no panorama académico, quer no<br />

panorama gestionário dos hospitais públicos portugueses.<br />

Deixa saudades o nosso Professor Vasco Reis. Ã<br />

22 23


GH homenagem<br />

VASCO pinto dos REIS:<br />

O Príncipe Perfeito<br />

Saber, seriedade<br />

e um sorriso<br />

Delfim Rodrigues<br />

Vice Presidente da APAH<br />

Carla Nunes<br />

Diretora da ENSP-NOVA<br />

”Testemunhos<br />

Vasco Reis. Pela sua capacidade, visão e<br />

planeamento é O nosso Príncipe Perfeito.<br />

Uma liderança serena, mas lúcida,<br />

firme e afável. Num tempo em que, como<br />

ele costumava adiantar, cito de memória:<br />

“A Administração <strong>Hospitalar</strong>, no fundamental, se<br />

caracterizava por ser confrontada com autorização de<br />

despesas urgentes e inadiáveis, com o senão de já haverem<br />

sido realizadas, exigia-se do Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />

uma mera ratificaçãoˮ.<br />

É neste ambiente que ousa centrar a nossa atividade nos<br />

doentes, o foco do sucesso para o nosso trabalho.<br />

A forma, enquanto Administrador Geral dos Hospitais<br />

Civis de Lisboa, como conseguiu, ainda no final dos anos<br />

70 e 80 do século passado, inspirar e dirigir a agregação,<br />

integração destas sete instituições, é um exemplo notável<br />

de empresarialização avant la lettre.<br />

Em época de elevadas taxas de ocupação e demoras mé-<br />

dias, concebeu um modelo de gestão centrado no doente<br />

e nos profissionais, “Sistema de ratificação de admissões<br />

e de revisão de internamentos ao sétimo dia”, incrementando<br />

o n.<strong>º</strong> de camas disponíveis e de par, de acordo<br />

com os mecanismos de financiamento do tempo, a receita<br />

disponível.<br />

Fonte de inspiração para os alunos de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, Saúde Pública, Medicina do Trabalho e da nossa<br />

profissão, participou ativamente na comissão negociadora<br />

da carreira. Recordo a sua grande admiração por<br />

outro grande Português, Joaquim Agostinho. O Vasco,<br />

naquela sua bonomia, elevado e requintado senso de humor,<br />

sempre nos adiantava, antes dos testes, que qualquer<br />

menção a Joaquim Agostinho, desde que a propósito<br />

das perguntas, só poderia ser devidamente valorizada.<br />

Um grande abraço meu Mestre amigo Vasco por tanta<br />

inspiração, tanto ensinamento incentivo, alento em que<br />

me revejo como Pessoa e Administrador <strong>Hospitalar</strong>. Ã<br />

A<br />

vida da Escola Nacional de Saúde Pública<br />

estará para sempre ligada ao percurso<br />

do Professor Vasco Reis. É uma<br />

honra e privilégio para a comunidade<br />

ENSP ter tido a oportunidade de usufruir<br />

do seu conhecimento. Um homem que sempre se<br />

diferenciou no seu enorme saber, seriedade e formalidade,<br />

mas que para os amigos e colegas sempre acompanhava<br />

com um sorriso brincalhão.<br />

Vasco Reis foi das primeiras pessoas que conheci na Escola<br />

e com quem tive o privilégio de trabalhar. Das primeiras<br />

aulas de Estatística que lecionei na ENSP foi no curso<br />

de <strong>Gestão</strong> em Saúde, do qual era coordenador. Falámos<br />

um pouco sobre a necessidade de ensinar estatística de<br />

uma forma muito adaptada às necessidades concretas daquele<br />

curso e da conveniência de ajustar a linguagem ao<br />

perfil daqueles alunos, ele com um semblante sério e muito<br />

formal. E eu que vinha de uma escola de engenharia, de<br />

um departamento de matemática, onde ensinava estatística<br />

a futuros matemáticos e engenheiros.<br />

Após este primeiro encontro “desafiante”, rapidamente<br />

houve empatia entre nós, e mesmo depois de ele sair da<br />

Escola, sempre trocamos palavras e mensagens muito carinhosas,<br />

simpáticas e brincalhonas.<br />

Vasco Reis foi um dos primeiros alunos da nossa Escola,<br />

em 1970, do primeiro Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong><br />

na Escola Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical.<br />

Com a sua licenciatura de base em Direito na Universidade<br />

de Coimbra, entrou na escola como aluno e<br />

saiu como professor catedrático, de <strong>Gestão</strong> de Organizações<br />

de Saúde, tendo-se aposentado em 2007. Conhecia<br />

a Escola como ninguém e sabia que era o ensino adaptado<br />

aos desafios da realidade que fazia sentido. O seu<br />

percurso foi assim: era docente e era administrador hospitalar<br />

(e inúmeros outros cargos já referidos na sua nota<br />

biográfica), lecionando de uma forma diferente e proporcionando<br />

que as suas aulas fossem muito estimulantes,<br />

focadas nos problemas concretos e reais da administração<br />

hospitalar. Trazia a realidade de fora para dentro da<br />

Escola, em todos os cursos que coordenou e onde lecionou,<br />

tanto no Curso de Especialização em Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, como no Curso de Mestrado em <strong>Gestão</strong> da<br />

Saúde. É reconhecido pela sua preocupação em formar<br />

gestores em saúde para obter o melhor desempenho<br />

profissional. Acrescentou ao conhecimento científico a<br />

experiência profissional que possuía pela forma como<br />

geriu a sua carreira.<br />

A ele, e a alguns outros colegas, a escola deve o reconhecimento<br />

do seu papel único e imprescindível na formação<br />

em Administração <strong>Hospitalar</strong>, das Políticas de Saúde<br />

e da <strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde. Acompanhou<br />

de perto, e de forma despretensiosa, as diversas etapas<br />

que a Escola viveu, sempre de uma forma ponderada e<br />

dedicada, tendo também desempenhado por diversas<br />

vezes funções de direção na ENSP (Conselho Diretivo,<br />

subdiretor e diretor em exercício).<br />

É um amigo da Escola e eu, enquanto atual diretora da<br />

Escola, sei a “sorte” que tivemos em ter o Professor Vasco<br />

Reis connosco! Ã<br />

25


GH homenagem<br />

ESTE É UM TEXTO QUE EU<br />

NUNCA QUERERIA VIR A ESCREVER<br />

Professor, tutor, colega,<br />

mestre, o exemplo<br />

Jorge Poole da Costa<br />

Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />

Ana Escoval<br />

Professora Associada ENSP<br />

”Testemunhos<br />

Este é um texto que eu nunca quereria vir<br />

a escrever. Nos últimos tempos, em que<br />

as más notícias se sucedem e a tristeza<br />

cobre os nossos dias, tento viver numa<br />

realidade alternativa como se estes tempos<br />

não fossem de verdade e, num destes dias, tudo<br />

voltasse a ser como dantes. Não volta. O tempo é implacável<br />

e nada permanece igual.<br />

Os almoços mensais com o Professor Vasco Reis acabaram.<br />

Acabou o seu sorriso e já não vai mais ser possível<br />

abraçá-lo, naquele abraço caloroso que só a genuína<br />

amizade permite.<br />

Tenho de voltar atrás. Àquele dia de Verão em que o<br />

conheci, numa entrevista que aos vinte e três anos me<br />

levaria para uma profissão que era, para mim, uma incógnita<br />

total. Foi inteligente, sarcástico, paternal e sedutor.<br />

Manteve-se assim pela vida toda.<br />

Levou-me para estágios nos Hospitais Civis de Lisboa<br />

onde se impunha pelo trabalho, pela capacidade e pela<br />

inovação que imprimia a uma instituição que dirigia com<br />

indisfarçável prazer e reconhecida competência.<br />

Levou-me para a investigação em Administração <strong>Hospitalar</strong><br />

com as novas ferramentas que a informática disponibilizava<br />

e que a classificação internacional de doenças<br />

permitia. Distribuímos os volumes, que até aí permaneciam<br />

amontoados, pelos hospitais do grupo e pelos<br />

serviços e iniciámos a experiência da codificação com<br />

um resumo clínico informatizado que visava substituir,<br />

em 1986, a secular “papeleta”.<br />

Fizemos um imenso inquérito à população que acorria<br />

à urgência de S. José, conduzido por médicos, que demonstrou<br />

a enorme percentagem de falsas urgências naqueles<br />

setecentos ou oitocentos episódios por dia. Para<br />

ele tudo tinha de ser demonstrado. Não bastavam as<br />

convicções ou as aparências. A gestão é uma ciência e<br />

têm de ser utilizados os instrumentos adequados para<br />

caracterizar ou medir uma determinada realidade. O<br />

trabalho foi apresentado em 1988, numas jornadas de<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong> intituladas: “Urgência: Uma<br />

excepção que se transforma em regra?”.<br />

Levou-me até Macau para, juntos, prepararmos a geração<br />

de dirigentes que ficaria nos Serviços de Saúde quando<br />

Portugal deixasse a administração do território. Ajudou-me<br />

a preparar as aulas e, com imenso entusiasmo,<br />

mostrou-me Hong Kong e Macau de forma inesquecível.<br />

Conhecia os restaurantes, as lojas, os monumentos.<br />

Vibrava com a viagem, com as conversas, com a missão<br />

cumprida. Desde as pérolas do Tó-pô no Hotel Lisboa,<br />

que insistia que trouxesse para a minha mulher, até às<br />

lojas das grandes marcas em Kowloon.<br />

Voltaríamos lá para colaborarmos no relatório sobre a<br />

organização dos serviços de saúde e a situação sanitária<br />

que Portugal deixava naquele distante território.<br />

A nossa cumplicidade era enorme. A nossa amizade também.<br />

Era um homem de família. Apaixonado pela família<br />

que criou. Tínhamos imenso em comum e sempre sentimos<br />

isso. Estive com ele quando partiu a mãe e depois<br />

o pai. Estive com ele quando nasceu a primeira neta. Ele<br />

esteve comigo sempre.<br />

Muitos terão já dito muitas vezes que era um professor<br />

brilhante. Um grande gestor hospitalar. Um servidor<br />

público de excepção. Um investigador inquieto e curioso.<br />

Muitos terão já dito que a sua obra publicada é de<br />

imensa qualidade e interesse. Muitos terão já dito muitas<br />

coisas que o fariam sorrir de orgulho.<br />

Eu, no fundo, quero apenas dizer-vos que partiu um homem<br />

profundamente bom. Terno. Meigo. Único. Esse<br />

era o seu maior brilho. Ã<br />

Distinguiu-me a Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es com<br />

o convite para escrever um pequeno<br />

artigo, um testemunho, sobre o nosso<br />

Professor Vasco Reis, que foi e será<br />

sempre uma referência para todos os Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es. Estou grata. Faleceu no dia 23 de janeiro<br />

de <strong>2021</strong>. Dia triste. Foi meu Professor de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> no 15<strong>º</strong> Curso, na ENSP. Conheci-o por isso<br />

em 1984 (já lá vão quase 37 anos), enquanto professor<br />

na disciplina de Administração <strong>Hospitalar</strong>. Foi igualmente<br />

meu Tutor de estágio no Hospital de Santo António<br />

dos Capuchos integrado nos Hospitais Civis de Lisboa,<br />

onde experienciei o dia-a-dia de um administrador na<br />

gestão. Foi um extraordinário mergulho.<br />

Para as muitas gerações de administradores hospitalares<br />

que tiveram o privilégio de o conhecer, trabalhar e<br />

aprender com ele, o dia da sua morte foi um dia de profunda<br />

tristeza. A profissão está de luto. O Professor Vasco<br />

Reis representava a administração hospitalar portuguesa.<br />

Foi por mais de duas décadas diretor do Curso<br />

de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> na Escola<br />

Nacional de Saúde Pública (ENSP) e deixou-nos uma<br />

herança ímpar para a saúde pública e para a administração<br />

hospitalar em Portugal.<br />

Desafiador, humano e compassivo, sarcástico e irónico,<br />

reservado e disponível, tolerante e complacente, entre<br />

outras, são características que relembro dele em várias<br />

situações e palcos. Também revejo o homem de família,<br />

o pai que tinha nos seus dois filhos, igualmente administradores<br />

hospitalares, um orgulho enorme e que dava<br />

sempre aos seus alunos e colaboradores de quem se<br />

orgulhava um apoio forte e de grande cumplicidade. Enquanto<br />

pedagogo e mestre guiava, orientava e cobria<br />

com o manto da segurança que transmitia. Procurava<br />

dar liberdade e responsabilizar, mas era muito exigente<br />

nos resultados.<br />

As relações fazem-se e cimentam-se em estórias e histórias<br />

e, daí relembro aquando do meu estágio no Hospital<br />

dos Capuchos, o dia em que o meu tutor Vasco<br />

Reis me pede para ir a uma reunião ao Departamento<br />

de <strong>Gestão</strong> Financeira do Ministério da Saúde, discutir algumas<br />

das questões que se levantavam com a aplicação<br />

da matriz em que assentava a modalidade de pagamento<br />

aos hospitais. Quis saber quem ia acompanhar, ao<br />

que o Professor Vasco Reis respondeu: “Acompanha-se<br />

a si própria e vai falar com a Dr.ª Suzete Tranquada para<br />

lhe apresentar as questões que estivemos a discutir<br />

na reunião de ontemˮ. Deixava-nos experimentar, voar,<br />

opinar, fazer e quando nos corrigia era com delicadeza<br />

e suavidade. Nunca nos colocava em situações constrangedoras.<br />

Ouvia-nos e exemplificava os seus pontos<br />

de vista. Queria-nos excelentes, resilientes, humanos,<br />

disponíveis, sábios. Queria-nos maiores e respeitados.<br />

Para além do dom da palavra tinha o da escrita. Das suas<br />

inúmeras publicações (livros, artigos, estudos, relatórios,<br />

etc.) destaco a sua participação no livro da APDH, “O<br />

Futuro da Saúde em Portugal”, subordinado ao tema “O<br />

sistema de saúde português: donde vimos, para onde vamos”,<br />

onde António Correia de Campos, na altura Ministro<br />

da Saúde, no Posfácio da referida publicação escreve<br />

“Vasco Reis identifica a enorme transformação sofrida<br />

no sistema de Saúde português, especificamente na<br />

organização, na prestação e no financiamento dos cuidados<br />

de saúde…”, e eu atrevo-me a realçar do que escreveu<br />

a necessidade de manutenção dum sistema universal,<br />

tendencialmente gratuito, compreensivo, sustentável<br />

e que garanta a acessibilidade que viabiliza um dos<br />

pilares da nossa solidariedade. Que assim possa ser a<br />

bem do nosso SNS, caro Professor Vasco Reis. Ã<br />

26 27


GH homenagem<br />

VASCO REIS,<br />

LíDER DA GESTãO HOSPITALAR<br />

O meu Mestre inesquecível<br />

”Testemunhos<br />

José Gonçalves André<br />

Admininstrador <strong>Hospitalar</strong> - Sócio APAH, Auditor Interno ARSLVT,<br />

Membro CAAH 2020-<strong>2021</strong><br />

O<br />

Professor Vasco Reis era um homem<br />

com uma personalidade muito vincada,<br />

com pensamento próprio e muito<br />

atualizado, devido às suas preocupações<br />

em saber o que se passava no<br />

mundo da gestão hospitalar. Lembro-me que uma das<br />

suas revistas de referência era a revista francesa de<br />

“Gestion Hospitaliere”, que nos aconselhava também<br />

a ler.<br />

Para além de administrador da Comissão Coordenadora<br />

dos HCL, nos anos 80 do século passado, data<br />

em que tive o privilégio de trabalhar e aprender com<br />

ele, era sobretudo um líder no sentido de influenciar<br />

e conduzir equipas de gestão dos diversos serviços e<br />

hospitais que integravam os HCL.<br />

Tendo passado por diversos serviços, recordo quando<br />

exercia funções no chamado Serviço de Auditoria, que<br />

funcionava junto da Comissão Coordenadora (CC), e<br />

que tinha como função principal, desenvolver atividades<br />

de planeamento e controlo de gestão, que fazia a<br />

integração e acompanhamento dos diversos planos de<br />

atividade de cada um dos sete Hospitais dos HCL, termos<br />

posto em prática um modelo de gestão inovador<br />

criado pelo Vasco Reis, designado por Sistema de <strong>Gestão</strong><br />

Previsional Descentralizado (SGPD), que permitia<br />

recolher e tratar a informação de gestão dos diversos<br />

serviços e hospitais e fornecer à CC a informação que<br />

precisava para fazer a gestão do Grupo.<br />

De tal forma este sistema foi importante e marcante<br />

que já nos finais da década de 90, quando fui nomeado<br />

como administrador delegado do Hospital da Covilhã,<br />

ensaiei um modelo semelhante e, em Mirandela, no início<br />

dos anos 2000 o apliquei com ótimos resultados e<br />

satisfação dos principais responsáveis.<br />

José Gonçalves André com Vasco Reis no Congresso Europeu<br />

de Administração <strong>Hospitalar</strong>.<br />

Voltando ao Vasco Reis, eu diria em abono da verdade,<br />

que para além de grande gestor da administração<br />

hospitalar, foi um grande professor na ENSP, que curiosamente<br />

nunca deixou essa atividade de ensino, a par<br />

da função de administrador (confidenciava-me ele, nos<br />

tempos de vacas frias, quando foi vítima da divisão do<br />

Grupo HCL, que a sua “salvação”, era a sua ligação aos<br />

CAH da ENSP).<br />

Para além do que já referi, perdemos um amigo, com<br />

qualidades humanas excecionais. Ã<br />

Teresa Sustelo de Freitas<br />

Presidente do Conselho Diretivo do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />

Psiquiátrico de Lisboa<br />

Começo por referir que tudo o que vou<br />

escrever sobre o meu muito querido<br />

Mestre e Amigo Professor Vasco Reis,<br />

será sempre uma ténue sombra sobre<br />

uma das pessoas mais excecionais que<br />

conheci. Sinto-me ainda mais pequena do que sou, pois<br />

tudo o que possa referir será altamente redutor e não<br />

conseguirei expressar-me com a justiça que merece e<br />

que se impõe. Espero que me perdoem por isso.<br />

O nosso primeiro encontro foi em setembro de 1983,<br />

na entrevista que fazia parte dos métodos de seleção<br />

para o Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>. Pessoa afável<br />

e com enorme sentido de humor.<br />

Lembro-me que fiquei um pouco preocupada quando,<br />

durante a entrevista, eu respondi que uma das coisas<br />

que gostava de fazer era cozinhar e o professor riu-se e<br />

andou à volta desta resposta. Pensei que, se calhar, não<br />

devia ter dito mas era verdade. Mais tarde disse-me que<br />

eu tinha sido corajosa pois acreditava que poucas mulheres<br />

em circunstâncias idênticas teriam referido tal gosto.<br />

Foi o gestor do nosso 14<strong>º</strong> Curso e nosso professor,<br />

sempre muito atento aos alunos, rigoroso, exigente, disponível,<br />

perspicaz e profundamente trabalhador. Reunia<br />

duas qualidades fundamentais: um enorme conhecimento<br />

teórico sobre as coisas e o conhecimento prático<br />

da aplicação concreta no terreno. O curso durava<br />

dois anos com aulas e estágios e a tese. O último estágio<br />

do curso tive o privilégio de o fazer nos Hospitais Civis<br />

de Lisboa onde era o Administrador Geral da Comissão<br />

Coordenadora dos HCL. Era o elemento fundamental<br />

e preponderante desta comissão. Com ele aprendemos<br />

todos muitíssimo pois era um homem e um profissional<br />

muito à frente do seu tempo. Foi um eterno inovador.<br />

Estudava muito afincadamente tudo em geral, e<br />

em particular sobre gestão e administração, e punha em<br />

prática as teorias mais modernas e mais exigentes. Já<br />

em 1985, no nosso primeiro ano como administradores<br />

hospitalares, tivemos a oportunidade de perceber que<br />

tinha erguido um sistema de informação, de controlo e<br />

de auditoria de gestão, muito exigente, bem divulgado<br />

e que convidava à participação de todos os profissionais,<br />

com especial incidência dos conselhos de gerência<br />

dos vários hospitais que constituíam o grupo hospitalar<br />

e que atuavam com delegação de competências da Comissão<br />

Coordenadora. Criou um modelo de gestão em<br />

cascata, que se replicava a todos os níveis institucionais.<br />

Motivou, obviamente, o interesse dos vários setores em<br />

participar ativamente e criando um clima de saudável<br />

competição.Importa frisar que quem mais beneficiava<br />

do desenvolvimento destes importantes instrumentos<br />

de avaliação de resultados eram os doentes.<br />

Tive ainda o privilégio de trabalhar, sob a sua coordenação,<br />

no grupo de trabalho nomeado pela então ministra<br />

Dra. Maria de Belém Roseira, sobre o estatuto jurídico<br />

dos hospitais do SNS. Também neste contexto a sua<br />

faceta visionária, capacidade crítica, de análise e criativa<br />

permaneceram bem visíveis. Antecipou, e de uma<br />

forma mais profunda e consistente, a empresarialização<br />

dos hospitais.<br />

Publicou muitos artigos, fruto das suas investigações<br />

permanentes e divulgava-os, partilhando com todos nós,<br />

numa altura bem diferente da que vivemos, em termos<br />

de difusão da informação e do conhecimento.<br />

Eu tive o privilégio de iniciar a minha carreira a trabalhar<br />

com este grande Mestre. Foi a pessoa que mais influenciou<br />

a minha prática profissional e por quem tinha e<br />

tenho uma admiração enorme.<br />

Todos nós tomamos decisões difíceis e eu dou por mim<br />

muitas vezes a pensar como é que o meu Mestre faria<br />

naquelas circunstâncias. Estou segura que muitos pensarão<br />

da mesma forma porque, ou na ENSP ou nos Hospitais,<br />

o nosso querido Professor deixou para a nossa<br />

vida toda uma marca indelével.<br />

Tive o enorme privilégio de me aproximar muito dele e<br />

de me ter acolhido na sua fantástica família e de ter criado<br />

fortíssimos laços de amizade que muito prezo e de que<br />

tenho o maior orgulho.<br />

Estou-lhe eternamente grata por tanto e por tudo o que<br />

me deu, sempre tão profissional e generosamente.<br />

Está para sempre nas minhas melhores e belíssimas recordações.<br />

Ã<br />

28 29


GH homenagem<br />

ATÉ SEMPRE VASCO<br />

Foi assim que aconteceu!<br />

Germano de Sousa<br />

Administrador do Grupo Germano de Sousa<br />

António Pinto Soares<br />

Médico Dermatologista<br />

”Testemunhos<br />

Mais um amigo e companheiro dos tempos<br />

de Coimbra que a morte rouba<br />

ao nosso convívio e amizade. Quando<br />

lá cheguei, caloiro de medicina no início<br />

da notável década de 60 do século<br />

passado, o Vasco começava o 2<strong>º</strong> ano de Direito. E foi<br />

no meio do turbilhão das crises e revoltas estudantis que<br />

marcaram essa década, sem os quais talvez o 25 de abril<br />

se tivesse dado bem mais tarde, que nos fizemos amigos<br />

e companheiros na mesma luta pela libertação do jugo<br />

salazarista, partilhando a ânsia de liberdade e o encantamento<br />

dos novos ventos culturais que, vindos da Europa<br />

democrática a custo rompiam as fronteiras de um<br />

país cediço e cinzento. Com outros companheiros, muitos<br />

felizmente ainda entre nós, tudo fizemos e em tudo<br />

participámos. Desde cooperativas livreiras até ao teatro<br />

de vanguarda, desde as assembleias magnas e greves de<br />

protesto até aos convívios onde muitas vezes o Zeca e o<br />

Adriano faziam ouvir a sua voz. Com a sua habitual calma<br />

e já com a sua proverbial barba o Vasco estava presente<br />

contribuindo para o futuro com a sua inteligência,<br />

coragem e bom senso.<br />

Depois da Universidade, venho a reencontrá-lo nos Hospitais<br />

Civis de Lisboa, essa icónica instituição que desde<br />

sempre foi a melhor escola de ensino pós-graduado de<br />

Lisboa e do país, em todas as especialidades médicas e<br />

cirúrgicas e que graças ao Vasco, muito foi valorizada nos<br />

dez anos, de 1978 a 1988, em que foi seu Administrador<br />

Geral. Fui, durante esse período, Diretor de Serviço<br />

num dos hospitais do grupo e, como tal, testemunha privilegiada<br />

das reformas que introduziu, algumas muito inovadoras<br />

para a época, melhorando grandemente o funcionamento<br />

do grupo hospitalar.<br />

Durante todos estes anos fui seguindo com muito agrado<br />

o percurso do Vasco e o modo como se tornou uma<br />

figura incontornável na gestão e organização hospitalar<br />

bem como a sua brilhante carreira universitária. Recordo-me<br />

bem do forte abraço que lhe dei quando o soube<br />

catedrático na Escola Nacional de Saúde Pública.<br />

A última vez que estivemos juntos foi no casamento de<br />

uma amiga comum. Como sempre fizemos, comentámos<br />

as circunstâncias da política de saúde, intercalando-<br />

-as com memórias de in illo tempore.<br />

A ausência de um amigo que a morte levou é sempre<br />

injusta e precoce para os amigos e difícil de preencher.<br />

Mais ainda quando este país, que atravessa tempos tão<br />

difíceis, precisava também da sua inteligência, saber e da<br />

voz do seu bom senso na Saúde.<br />

Porém, verdadeiramente injusta, precoce e insubstituível<br />

foi a sua morte para toda a sua família a quem deixo as<br />

minhas mais sentidas condolências.<br />

Esta maldita pandemia não deixou que eu e muitos outros<br />

amigos, nos despedíssemos pela última vez. Que<br />

seja este depoimento a despedida.<br />

Até sempre, Vasco! Ã<br />

Em 1962, em Coimbra, o meu grande<br />

amigo José Carlos Monteiro Costa, mais<br />

tarde um dos primeiros a ter, em França,<br />

uma graduação em Administração <strong>Hospitalar</strong>,<br />

convidou-me para ir tomar café<br />

ao Mandarim...!<br />

O piso de cima acolhia a inquietude dos estudantes da<br />

época. Ali, entre o fumo e as gargalhadas, se discutia<br />

tudo, de André Breton a Sartre ou a Marcuse, de Miles<br />

Davis a John Cage e Billie Holiday, do Teatro Moderno<br />

a Gil Vicente, da pintura moderna a Pierro de la Francesca,<br />

da poesia provençal ao neo-realismo, de Fellini a<br />

Jean Luc Godard; e sobretudo a conspiração.<br />

Aquilo não era um café, era uma espécie de clube em<br />

que cada um se sentava num dos lugares disponíveis<br />

das mesas existentes, um turbilhão de sonho e inquietação.<br />

Foi ali que conheci o Vasco Reis, um pouco mais<br />

velho; tinha um aspeto de solidez e ponderação que o<br />

tornava diferente da divagação especializada.<br />

O Vasco, já nessa altura cofiava a pera e dava a entender<br />

um conhecimento particular dos meandros da<br />

política Universitária e da Nação.<br />

Nessa altura tinha 19 anos e criei laços de amizade para<br />

toda a vida com vários dos intervenientes daquelas<br />

noites. É certo que todos tiveram percursos diferentes,<br />

de opções culturais e políticas, de sucessos e insucessos;<br />

alguns foram-se encontrando ao longo da vida, mas<br />

mesmo aqueles que só raramente encontrei, sabia que<br />

quando os visse eram amigos reais, ou seja, era como<br />

se tivéssemos estado juntos ontem!<br />

Obtive o título de Especialista em Dermatologia e Venereologia<br />

pouco antes do 25 de Abril; trabalhava nos<br />

Hospitais Civis de Lisboa. O período que se seguiu até<br />

1976, foi particularmente confuso, na vida <strong>Hospitalar</strong><br />

e Universitária, onde também estava empenhado. No<br />

princípio dos anos 80, obtive a graduação e o lugar de<br />

Chefe de Serviço <strong>Hospitalar</strong> no Hospital do Desterro.<br />

É curioso que não tenho a noção dos Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es, no Hospital, até ao 25 de Abril; lembrome<br />

apenas do Dr. Lima das Neves e a imagem que<br />

tenho é que existiriam uns 6 ou 7 Administradores, no<br />

seu todo, nos 9 hospitais do grupo H.C.L.<br />

Por razões do acaso fui eleito Coordenador do Internato<br />

Médico dos H.C.L.; durante mais de 10 anos, durante<br />

toda a década de 80 e parte da de 90, mantive reuniões<br />

regulares com a Comissão Coordenadora dos H.C.L.<br />

Foi aí que reencontrei o Vasco que, conjuntamente<br />

com um médico notável pela sua inteligência e correção,<br />

o Dr. José Alberto Mateus Marques, mantinham<br />

a coesão dos H.C.L.; com os mesmos orçamentos de<br />

sempre, procuravam sempre modernizar as instalações<br />

e quadros hospitalares, assim como apoiar as estruturas<br />

culturais da Instituição, nomeadamente a Sociedade<br />

Médica dos Hospitais Civis de Lisboa, de que fui Presidente<br />

por um mandato nos anos 90.<br />

O Vasco Reis, sempre lúcido, leal, sereno e determinado,<br />

contribuiu para a reconstrução do Grupo <strong>Hospitalar</strong><br />

de uma forma digna e decisiva. Depois, o Vasco<br />

dedicou-se particularmente ao Ensino e à Vida Universitária<br />

e eu fui, nos últimos 23 anos da minha Vida <strong>Hospitalar</strong>,<br />

Diretor do serviço de Dermatologia do Hospital<br />

do Desterro e dos Capuchos.<br />

Fomo-nos encontrando pontualmente com doçura e<br />

amizade. Obrigado Vasco. Ã<br />

30 31


GH homenagem<br />

TERTÚLIAS DAS ALHEIRAS<br />

Para um Amigo<br />

”Testemunhos<br />

José de Quintanilha Mantas<br />

Filho de Augusto Mantas<br />

Meu pai, Augusto Mantas, convidava,<br />

para jantares de alheiras, (feitas em<br />

nossa casa, em Bornes, Macedo de<br />

Cavaleiros) alguns dos administradores<br />

hospitalares, colegas de trabalho,<br />

seus pares, com quem trabalhava e convivia, no dia a<br />

dia. Habituámo-nos a tratar os pares do pai, como a mãe<br />

os tratava, (Vasco Reis, Vasquinho, Correia de Campos,<br />

Campos, Francisco Ramos, Francisco) sempre dentro<br />

da cordialidade e carinho que nos mereceram.<br />

Perto das 19H30, tocavam à porta, corremos a escada<br />

(na casa velha, na Gonçalves Crespo, 78 degraus) e depois<br />

de vermos quem subia, chegámos ao pé da mãe,<br />

Mi e dissemos “Ó mãe o pai traz um Beatle...ˮ (cabelo<br />

despenteado, nós da gravata abaixo com botão desapertado,<br />

casaco na mão) nem mais que o Cristiano de<br />

Freitas, subia com o pai, apresentou-nos, o Cristiano à<br />

vontade, e começámos a preparar algumas bebidas e<br />

salgadinhos. De novo tocam à porta e vemos, a sempre<br />

linda cabeleira branca do Vasco Reis acompanhado<br />

pela Corália, casal mimoso e carinhoso. Abraços, beijos,<br />

o Vasco Reis e Corália cumprimentando o Cristiano.<br />

Conversa aqui, palavra ali, petiscando e bebendo. Chegam<br />

o Correia de Campos e Belinhas, sua mulher que<br />

se encontram à porta da rua com o Vitor da Fonseca e<br />

o Cassiano Póvoas.<br />

Passando ao jantar, a mãe geria os lugares, ficando o<br />

Vasco Reis ou o Campos à sua direita, e a Corália ou a<br />

Belinhas à direita do pai, seguidos dos restantes comensais.<br />

Sopa de agrião, alheiras de Bornes, batatas cozidas,<br />

grelos, azeite da casa, as travessas de mão em mão,<br />

explicando a mãe, nos entretantos, o seu fabrico.<br />

Eu ou o Toni abríamos as garrafas, Evel 66, Dão, Porta<br />

de Cavaleiros.<br />

Vasco Reis lembrava uma ou outra receita de família<br />

que a Corália ia fazendo, com requintes que seu marido<br />

enaltecia com ternura. Vasco Reis tinha um motus vivendi<br />

muito peculiar, no descritivo que fazia de receitas, da<br />

delicadeza dos passos que se davam à beira do fogão,<br />

saindo das mãos de sua mulher, deliciosos petiscos.<br />

No meio destes debates culinários, se desviavam as suas<br />

opiniões sobre alguns problemas hospitalares trocando<br />

com Correia de Campos e Augusto Mantas conversas<br />

amenas mas frutuosas, não menos opinadas também<br />

por Vitor da Fonseca (Vitor Manuel Mateus Ribeiro da<br />

Fonseca, meu Diretor no Such) e Cassiano.<br />

Após uma sobremesa de leite-creme, ou outra que a<br />

mãe Mi fazia, fruta, café, ficavam na sala de jantar, os<br />

Senhores, fumando e bebendo um Porto, Gouvinhas<br />

(anterior a 1898), um cognac Napoléon, um armagnac<br />

Marquis de Puysegur, prosseguindo os debates hospitalares,<br />

sempre frutuosos e elucidativos pela parte de<br />

Vasco Reis, sempre muito seguro e direto no que descrevia,<br />

cabendo à mãe Mi encaminhar as Senhoras de<br />

novo para o escritório, onde mostrava as centenárias<br />

rendas e bordados de família, louças e porcelanas com<br />

histórias curiosas, ou fotos de viagens, onde estavam<br />

meu pai, Vasco Reis e colegas, hoje, organizadas e arquivadas<br />

por mim.<br />

Foram inúmeros os jantares para os quais meu pai convidava,<br />

sempre com o cuidado de não misturar cores<br />

políticas ou incompatibilidades, relembro alguns, Carlos<br />

Costa, Francisco Ramos, Rogério de Carvalho, Monteiro<br />

Costa, Sebastião Lima Rego, Roque da Silveira, Manuel<br />

Delgado, Coriolano Ferreira, Nogueira da Rocha,<br />

Menezes Duarte, Dona Inês, Cecília Ribeiro, M.ª Emília<br />

Franco Henriques e Dona Marília. Ã<br />

Fernando Leal da Costa<br />

Professor Associado Convidado da ENSP<br />

Não tenho muitos. Não sou habitual nos<br />

links sociais das principais redes da internet.<br />

O número de Dunbar não se aplica<br />

na minha contagem, pelo que nunca me<br />

preocupei a somar se tenho mais do que<br />

150 amigos. Devem andar nas dezenas. Duas a três, no<br />

máximo. Muitos desses amigos não são pessoas com<br />

quem prive muito. Confesso que sou de poucas intimidades.<br />

Eu estou aqui e sei que os amigos estão comigo e<br />

eu com eles. Não me parece que seja só amigo daqueles<br />

com quem estou sempre, das “visitas lá de casa”. Neste<br />

último grupo, mais restrito, devem estar uma meia dúzia,<br />

descontando a família que, por sinal, também é reduzida.<br />

Há “conhecidos” que julgo serem meus amigos. Se não<br />

forem, não fará mal. Eu gosto deles. Chega isso.<br />

Há um tipo de amigos que são os Mestres. Grupo muito<br />

limitado que conto sem dificuldade. São 10. Número redondo.<br />

São aqueles de quem nunca me preocupei saber<br />

se me consideram na sua pool de amizades, mas a quem<br />

eu devo as partes mais relevantes do meu caminho pessoal,<br />

da construção do homem profissional e, também por<br />

isso, do que Sou. A maioria está viva. Três deles, lamenta-<br />

velmente, já não estão entre nós, embora o seu trabalho,<br />

o seu legado, perdure.<br />

Vasco Reis é, será sempre, um desses Mestres. Foi com ele<br />

e por ele que ingressei no Corpo de docentes da Escola<br />

Nacional de Saúde Pública (ENSP), em 2004. Deixaram-<br />

-me entrar, seguramente porque fui levado pelo Professor<br />

Vasco Reis. Graças a Vasco Reis e com a ajuda dele, iniciei-<br />

-me na docência regular e remunerada, coisa que na minha<br />

vida de Médico me tinha sido quase sempre negada,<br />

pelo establishment, pelas regras, pelas circunstâncias, por<br />

outras pessoas. Acreditou em mim, sem que nada o obrigasse<br />

a isso. Ganhei mais com a “Escola”, com os Colegas<br />

e Alunos, do que alguma vez a ENSP ganhou comigo. Só<br />

por isso já lhe estou grato.<br />

Com Vasco Reis e a sua visão de modernidade e mudança,<br />

plasmada em muitos escritos de que relevo “<strong>Gestão</strong><br />

em Saúde: um espaço de diferença”, o testemunho que<br />

nos deixou em 2007 e que deve ser de leitura obrigatória<br />

pelos Administradores <strong>Hospitalar</strong>es, um livro de cabeceira,<br />

aprendi mais do que alguma vez ensinei. Interessei-me por<br />

um lado da Administração <strong>Hospitalar</strong> e da Saúde que comecei<br />

por conhecer mal, para depois compreender que<br />

sempre o tinha conhecido, o da interface entre o core business<br />

das instituições de saúde, promover, prevenir, tratar,<br />

e as sucessivas plataformas de comando que vão de cada<br />

profissional individual, passando pelas direções de serviços,<br />

conselhos de administração local, estruturas regionais,<br />

até à Administração e Governo centrais. Devo dizer, com<br />

humildade e nesta singela homenagem, que Vasco Reis foi<br />

um dos obreiros mais significativos do meu percurso de<br />

Médico nas suas múltiplas facetas e manifestações. Não<br />

me ocorre nada de mais importante. Ã<br />

32 33


GH homenagem<br />

A minha homenagem<br />

a VASCO REIS<br />

Legado pioneiro<br />

e significativo<br />

Silvino Maia Alcaravela<br />

Administrador <strong>Hospitalar</strong><br />

Rui Santana<br />

Professor ENSP<br />

”Testemunhos<br />

Emocionado recordo aqui um distante dia<br />

de setembro de 1978, em que na minha<br />

casa em Abrantes recebi uma chamada<br />

do Professor Vasco Reis, o meu entrevistador<br />

nas exigentes provas de seleção<br />

para a frequência do nono Curso de Administração <strong>Hospitalar</strong>.<br />

Disse-me na altura que me teria informado mal<br />

acerca da indisponibilidade de atribuição de bolsas para<br />

a frequência do curso e que fazia muito empenho em<br />

não perder (um sociólogo que conseguia entender) para<br />

frequência do nono CAH. Assim me decidi a frequentar<br />

o curso.<br />

A nossa relação iria aprofundar-se no estágio para elaboração<br />

da dissertação de final da Especialização em Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, que realizei no Hospital de Santo<br />

António dos Capuchos, sob a sua orientação.<br />

Animado de preocupações de evolução gestionária dos<br />

hospitais propôs-me como tema da dissertação: Contributo<br />

para uma Redefinição da Função Serviço Social do<br />

HSAC numa perspetiva de utilização hospitalar.<br />

A temática abordada tinha dois objectivos fundamentais:<br />

Determinar a incidência dos casos sociais na demora<br />

média do Hospital, matéria muito invocada para justificar<br />

as demoradas estadias em diversos serviços. Através da<br />

aplicação de técnicas de one day survey. Contando com<br />

grande acolhimento dos médicos diretores de serviço,<br />

pudemos calcular o peso desta casuística no internamento<br />

inadequado no HSAC em três por cento;<br />

Analisar a função do serviço social e avaliar o seu contributo<br />

no planeamento de altas e continuidade de cuidados,<br />

matéria que só alguns anos depois viria a ter assunção<br />

política na criação das unidades de cuidados continuados<br />

e no desenvolvimento dos serviços de cuidados<br />

domiciliários.<br />

Nesta linha de atenção na utilização do internamento<br />

hospitalar, Vasco Reis viria a ensaiar e implementar as<br />

primeiras técnicas de ratificação de estadias, visando a<br />

racionalização da utilização das camas hospitalares, matéria<br />

que adquiria relevância face ao crescimento acelerado<br />

dos custos hospitalares.<br />

Não esquecemos a acolhedora atmosfera no trabalho de<br />

campo no HSAC, onde para além da orientação, simpatia,<br />

disponibilidade e fino humor de Vasco Reis, o apoio<br />

dos Diretores de Serviço, aqui relembrado no Doutor<br />

Valadas Preto, e até da auxiliar que servia o habitual café<br />

de saco, tinham a marca inconfundível da liderança dum<br />

gestor reconhecido e respeitado.<br />

Do mestre ficou a inspiração como modelo, a admiração<br />

pelo desempenho profissional e perfil intelectual e<br />

humano, a gratidão pelo incentivo, apoio e o grande contributo<br />

na carreira, que felizmente abracei ao longo de<br />

quase trinta anos. Obrigado Vasco Reis. Ã<br />

Recordar o Prof. Vasco Reis conduz-me<br />

ao meu percurso na Escola Nacional<br />

de Saúde Pública. Desde a entrevista,<br />

onde encontrei o privilégio de o conhecer,<br />

à primeira aula do Curso de<br />

Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong> em outubro<br />

de 2001, aos ensinamentos letivos, científicos e<br />

pessoais, à discussão do meu trabalho final.<br />

Posteriormente, foi a convite do Prof. Carlos Costa e<br />

do Prof. Vasco Reis que fui incentivado a percorrer um<br />

percurso na academia e na ENSP. Mais do que esta ligação<br />

profissional, tive também o privilégio de poder<br />

contar com a presença do Prof. Vasco Reis em momentos<br />

de celebração e confraternização pessoal. Por<br />

todos estes momentos e oportunidades proporcionadas<br />

só tenho palavras de admiração, reconhecimento e<br />

agradecimento ao Prof. Vasco Reis.<br />

Tendo na minha formação de base uma licenciatura em<br />

<strong>Gestão</strong> de Empresas, aprendi com o Prof. Vasco Reis<br />

as diferenças que existem na gestão de organizações de<br />

saúde. A história da Administração <strong>Hospitalar</strong>, as suas<br />

características diferenciadoras e sobretudo o porquê<br />

de existir a área cientifica da gestão de organizações<br />

de saúde. As perguntas e os porquês eram importantes<br />

para o Professor e ainda hoje eu procuro ter presente<br />

e praticar esse ensinamento.<br />

O Prof. Vasco Reis fica fortemente ligado ao Curso<br />

de Especialização em Administração <strong>Hospitalar</strong>, o qual<br />

frequentou na sua primeira edição e posteriormente<br />

dirigiu durante 25 anos. A sua participação conduziu<br />

à formação de centenas de alunos que exerceram ou<br />

ainda exercem as funções de administração hospitalar<br />

nos nossos hospitais. Para além de contribuir para a<br />

estruturação da formação e da profissão, o Prof. Vasco<br />

Reis manteve a sua veia empreendedora e esteve<br />

também diretamente envolvido na criação do Curso<br />

de Mestrado em <strong>Gestão</strong> da Saúde, sendo o seu diretor<br />

entre 2005 e 2007.<br />

Deixou-nos também um legado pioneiro e muito significativo<br />

na ciência da Administração <strong>Hospitalar</strong> no nosso<br />

país. Publicações como “O sistema de saúde português:<br />

donde vimos, para onde vamos”, “<strong>Gestão</strong> em Saúde”<br />

ou “Vamos reconstruir o arquipélago”, são referências<br />

que se tornaram clássicas e às quais ainda hoje recorro.<br />

De referência também a sua tese de doutoramento, um<br />

contributo para o papel do Administrador <strong>Hospitalar</strong>.<br />

Não posso também deixar de recordar a última aula do<br />

Prof. Vasco Reis. Mais do que a sua memorável lição foi<br />

a manifestação de dezenas (centenas?) de antigos alunos<br />

que não quiseram deixar de estar presentes nesse<br />

momento. As suas características pessoais conduziam a<br />

relações de toque pessoal e sentimento familiar que<br />

perduraram ao longo dos anos.<br />

As tentativas de aplicação de novas teorias, modelos e<br />

práticas de outros sectores ao setor da saúde, e particularmente<br />

às organizações de saúde, constituem atropelos<br />

grosseiros que continuam mais ativos do que nunca.<br />

Cabe-nos a nós, académicos, administradores hospitalares,<br />

profissionais que exercem cargos de gestão, ter<br />

presente os ensinamentos do Prof. Vasco Reis, reconhecendo<br />

a diferença científica da gestão de organizações<br />

de saúde nas dimensões de investigação, formação<br />

e sua aplicação.<br />

Como o Prof. Vasco Reis gostava de citar, este pode<br />

ser o nosso pequeno contributo para não apenas proporcionar<br />

mais anos à vida, mas dar mais vida aos anos<br />

àqueles para quem nós trabalhamos todos os dias. Ã<br />

34 35


GH homenagem<br />

O VASCO era o porto seguro<br />

As frases, as lições e o humor<br />

Maria de Belém Roseira<br />

Ministra da Saúde do XIII Governo Constitucional (1995-1999)<br />

Sílvia Lopes<br />

Professora Auxiliar da ENSP<br />

”Testemunhos<br />

Perde-se no tempo o momento em que conheci<br />

o Professor Vasco Reis. Por ser amigo<br />

de familiares, por ter cruzado o nosso caminho<br />

em múltiplos projetos ao longo das<br />

últimas mais de quatro décadas, não consigo<br />

precisar o momento. E isso quer dizer que tenho a sensação<br />

que o conheci desde sempre. Por isso me faz falta.<br />

Muita falta!<br />

Recordo aqui a sua afabilidade, a sua bonomia, o seu trato<br />

fácil, a sua gargalhada sonora, a sua disponibilidade permanente<br />

para construir, a sua franqueza e a tranquilidade<br />

que punha nos desafios que agarrava, o seu gosto pela<br />

docência e a preocupação com os seus alunos.<br />

Os nossos caminhos cruzaram-se, como disse, em múltiplas<br />

circunstâncias e são boas as recordações que me deixaram.<br />

Tanto tempo, tantos projetos, tantas realizações.<br />

O Vasco era o porto seguro, o amigo que conseguia ser<br />

colega sem se deixar contaminar pela amizade. Sabia usar<br />

a frontalidade educada que constrói a confiança. O Professor<br />

que vivia e respirava para os seus alunos. Generoso<br />

na partilha do seu conhecimento e da sua experiência,<br />

sabia ouvir os argumentos dos outros e mudar a sua opinião<br />

se fosse caso disso. Não buscava o protagonismo<br />

fácil, não retorcia a História para buscar nela lugar para<br />

além do que tinha tido. E se ele conhecia a História da<br />

Saúde em Portugal e as histórias da sua construção!<br />

Recordo-o com saudade e gratidão:<br />

A colaboração que me deu em dossiers complexos e<br />

também a forma competente e prestigiante como representou<br />

o País em matéria de Relações Internacionais,<br />

quer na OMS, quer no Conselho da Europa, que pude<br />

testemunhar. Os documentos estruturantes e marcantes<br />

para cuja elaboração aí contribuiu ativamente e cuja<br />

aprovação, em alguns casos improvável, pode festejar.<br />

As alegrias que partilhámos e a forma carinhosa como<br />

me tratava por “menina”.<br />

E os sustos de saúde que foi pregando. Sustos graves<br />

que conseguiu ultrapassar sempre. Por isso me deixou a<br />

sensação de que iria durar para sempre ou, pelo menos,<br />

para além de mim. Assim não foi.<br />

A sensação que me invade quando penso no Vasco é a<br />

do vazio que o seu desaparecimento me deixa. Porque<br />

nem sequer pude despedir-me dele fisicamente. Época<br />

em que confinamento é regra não deixa lugar para a expressão<br />

física dos afetos. E isso deixa-nos incompletos.<br />

Faz falta, para além da falta que se sente.<br />

Mas não perdi o mais valioso: a recordação serena que<br />

dele guardo e a gratidão por tudo o que me transmitiu,<br />

pois cada um de nós é ele próprio e o outro. E eu sou<br />

como sou, também pelo que o Vasco me transmitiu,<br />

sem eu ter dado conta, sem ele ter dado conta e sem<br />

nenhum de nós saber precisamente o quê. Mas está cá!<br />

Obrigada, Vasco, e até sempre!<br />

As minhas mais sentidas condolências à sua família, aos<br />

seus amigos, à Escola Nacional de Saúde Pública - a sua segunda<br />

casa - e à Associação Portuguesa de Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es onde será sempre um dos seus Maiores! Ã<br />

C<br />

M<br />

Y<br />

CM<br />

MY<br />

CY<br />

O<br />

meu primeiro encontro com o Professor<br />

Vasco Reis está ligado a um momento<br />

que marcou a minha vida profissional,<br />

a entrevista para admissão ao<br />

Curso de Especialização em Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>. Enquanto aluna do CEAH, em 2002,<br />

recordo-me do entusiasmo com que o Professor Vasco<br />

Reis nos transmitia o seu conhecimento, em especial em<br />

algumas matérias com que mais o identifico, como as<br />

especificidades da gestão em saúde e como estas motivam<br />

a necessidade de uma formação específica ou o papel<br />

do administrador no hospital. Foi na sala de aula que<br />

comecei a tomar contacto com o seu percurso profissional,<br />

rico e intenso, não só pelas funções de responsabilidade<br />

que ocupou, mas também pela forma como se<br />

lhes dedicava. E se nas aulas mostrava a sua capacidade<br />

de análise, não deixava de a acompanhar por pequenas<br />

histórias do seu dia-a-dia profissional, particularmente<br />

nos Hospitais Civis de Lisboa, algumas das quais ainda<br />

hoje me recordo.<br />

O Professor Vasco Reis esteve também presente no início<br />

do meu percurso enquanto docente na ENSP. Teve<br />

um papel central para o início do meu doutoramento<br />

e era coordenador do departamento que integrei e do<br />

AF_Anuncio_Inst_OCP_Final.pdf 1 11/03/<strong>2021</strong> 18:12<br />

qual ainda hoje faço parte. Nesse período, pude conhecê-lo<br />

melhor e ao seu percurso. Sem demérito do restante,<br />

destacava aqui a vasta experiência do Professor<br />

Vasco Reis na coordenação do CEAH, à qual esteve associado<br />

entre 1980 e 2005. Mais tarde, tive o gosto de<br />

poder colocar em prática alguns dos ensinamentos que<br />

colhi desse período. O tempo que partilhámos na ENSP<br />

deu-me ainda a oportunidade de conversar com o Professor<br />

Vasco Reis, o que era um gosto enorme, porque<br />

muitas vezes levava comigo algo que me desafiava a<br />

pensar mais, melhor ou diferente.<br />

A presença do Professor Vasco Reis continuou a fazer-<br />

-se sentir após a sua saída da ENSP e frequentemente<br />

me recordo de algumas das frases (lições, poderia até<br />

chamar-lhes) que ficaram para mim como a sua marca.<br />

Ao pensar naquelas que mais uso como “instrumentos<br />

de trabalho” vejo que são ao mesmo tempo eloquentes<br />

e certeiras, além de pautadas por um fino humor. Seria<br />

redutor e ousado procurar aqui descrever como era o<br />

Professor Vasco Reis, mas estas estarão certamente entre<br />

as características que recordo mais vivamente.<br />

O Professor Vasco Reis deixou uma marca indelével no<br />

meu percurso profissional e, consequentemente, em<br />

quem sou hoje. Foi uma honra e um privilégio. Ã<br />

CMY<br />

K<br />

36<br />

www.ocp.pt


GH homenagem<br />

”Testemunhos<br />

Damos vida à imagem<br />

que nos deixou<br />

Jorge Varanda<br />

Sócio de Mérito e Presidente da APAH (1988-1992)<br />

Natural de Coimbra, de que terá herdado<br />

a bonomia e um certo sentido de humor,<br />

foi nessa cidade que Vasco Reis fez os seus<br />

estudos, liceais e universitários.<br />

Pela minha parte, cheguei apenas a Coimbra<br />

em 1963 para iniciar o 2<strong>º</strong> Ciclo dos estudos liceais<br />

e aí me mantive até acabar a licenciatura em Direito,<br />

em 1968. Os quatro anos de diferença de idade fizeram<br />

com que Vasco Reis fosse finalista quando comecei a<br />

estudar no Liceu D. João III e que usasse já as fitas largas<br />

quando eu fui caloiro na Faculdade de Direito. Percorremos<br />

os mesmos lugares: a escadaria, o átrio e os corredores<br />

do Liceu e a parte velha da Universidade, mas<br />

não resta qualquer memória de algum eventual encontro<br />

ou cruzamento.<br />

O primeiro encontro deu-se só em 1970 no quartel do<br />

Lumiar, onde funcionavam os cursos da Escola Prática de<br />

Administração Militar. Vasco Reis era oficial miliciano e docente<br />

quando transitei de Mafra para o Lumiar no curso<br />

de especialização. Coube-me a especialidade de Licenciados<br />

em Direito que, provavelmente, teria sido a sua e lhe<br />

teria aberto ali a porta a atividades de docência.<br />

Visto à distância, pode dizer-se que foi o Conde de Lippe<br />

que nos aproximou, dada a preponderância do Código de<br />

Disciplina Militar no contexto do Direito Militar.<br />

Durante o curso de especialização, Vasco Reis levou-nos<br />

ao expoente da disciplina militar instituída pelo Conde<br />

Lippe, o presídio militar de Elvas, cujo forte foi por ele<br />

mandado construir cerca de duzentos anos antes. Nesses<br />

longínquos anos 70, o castigo dado aos indisciplinados da<br />

tropa era o de carregarem um barril mal cheio de água<br />

pela encosta do monte até ao topo, despejá-lo por um canal<br />

que a reconduzia à origem e voltar ao sopé para encher<br />

o barril e carregá-lo de novo, monte acima. Assim<br />

passavam os dias. O esforço físico era agravado pelo calor<br />

que fazia naquele dia que visitámos o forte e pelo chocalhar<br />

da água dentro da vasilha. O espírito disciplinador do<br />

Conde ainda sobrevivia quase dois séculos depois de ter<br />

reorganizado as forças militares portuguesas.<br />

Valeu para amenizar essa visita a uma realidade tão estranha<br />

aos nossos valores e costumes atuais um almoço de<br />

excelente comida alentejana na ilustre cidade de Elvas.<br />

Depois do Lumiar, só voltei a encontrar o Professor Vasco<br />

Reis em 1978 a meio do Curso de Administração Militar,<br />

curiosamente na vizinhança do Quartel do Lumiar<br />

onde nos tínhamos conhecido. O novo Professor de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> vinha da prática de administração<br />

hospitalar nos antigos Hospitais Civis de Lisboa e de certo<br />

modo era um herdeiro apropriado, a nível do ensino,<br />

do Professor Coriolano Ferreira. Com tempo, estaria a<br />

gerar-se a herança deste último, bem ao estilo do seu<br />

pensamento, através de um ensino baseado na prática.<br />

Aliás, todo o Curso, estava desenhado desse modo, com<br />

aulas e estágios de assimilação da realidade.<br />

A partir do fim do Curso e do início das atividades profissionais<br />

cruzei-me uma vez ou outra com o Professor Vasco<br />

Reis na Escola Nacional de Saúde Pública na discussão<br />

de trabalhos dos alunos ou no apoio a estágios realizados<br />

no Centro <strong>Hospitalar</strong> das Caldas da Rainha, onde fui<br />

administrador principal entre meados de Dezembro de<br />

1979 e início dos anos 90. A meio dessa década, coube-<br />

-me coordenar as comemorações dos 500 anos do Hospital<br />

Termal Rainha Dona Leonor. Os Hospitais Civis interessaram-se<br />

depois pelo nosso programa de comemorações<br />

quando da preparação do V Centenário do Hospital<br />

de Todos os Santos, fundado em Lisboa em 1492.<br />

Assinalo ainda que, a meio dos anos 80, tive muito gosto<br />

em colaborar com o Professor Vasco Reis num painel<br />

Delphi para o trabalho que apresentou em 1986 “O Papel<br />

do Administrador Principal no Hospital Portuguêsˮ,<br />

no concurso para Professor Auxiliar da Cadeira de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> da Escola Nacional de Saúde Pública,<br />

pedra basilar da sua carreira docente. Guardo, aliás, um<br />

exemplar que me ofereceu com uma dedicatória pessoal.<br />

Outro momento que posso recordar é o da discussão<br />

do meu curriculum apresentado em 1990 numa Comissão<br />

de Avaliação que ele integrava. Eu vinha de 10 anos<br />

de gestão no Centro <strong>Hospitalar</strong> das Caldas da Rainha e<br />

tinha um longo historial de colaboração com o Curso de<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong> da ENSP. Em termos de resultados,<br />

orgulhava-me o aumento da produção dos dois<br />

hospitais que constituíam o Centro <strong>Hospitalar</strong> e, em particular,<br />

a redução da demora média que permitia tratar<br />

muitos mais doentes no respetivo Hospital Distrital. Lembro<br />

que Vasco Reis quis puxar por mim, não deixando a<br />

avaliação apenas por um terreno formal ou laudatório.<br />

Para isso é que servem as Comissões de Avaliação.<br />

Essa baixa da demora média aproxima-me de uma referência<br />

que Vasco Reis faz no texto que escreveu para o<br />

livro comemorativo dos 50 anos da carreira de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> pela APAH em que ele identifica uma<br />

certificação de estadia nos Hospitais Civis de Lisboa, pela<br />

qual os médicos assistentes da cada doente eram conduzidos<br />

a fazer a previsão da alta do doente, com base<br />

numa justificação clínica. Recordo que o Dr. João Urbano<br />

colaborou com a gestão dos Hospitais Civis num trabalho<br />

de planeamento de altas, talvez nessa solução que tanto<br />

Carlos Pereira Alves<br />

Presidente da Direção da APDH<br />

Conheci o Vasco Reis a seguir ao 25 de abril<br />

nos Hospitais Civis de Lisboa (HCL), sendo<br />

ele Membro da Comissão Instaladora<br />

e eu vogal da Assembleia Geral de Trabalhadores<br />

do Hospital dos Capuchos.<br />

Desde aí, não sendo de convívio íntimo com o Vasco Reis<br />

e não tendo trabalhado com ele diretamente, iniciou-se<br />

uma longa viagem de encontros, convívio, reuniões, discussões<br />

e cumplicidades que me permitiram o conhecimento<br />

de Vasco Reis como homem e como profissional.<br />

Vasco Reis é por mim recordado como homem do lado<br />

do progresso, progresso em sentido lato, no seu sentido<br />

de progresso social, homem de contributos para uma<br />

Sociedade mais justa, mais equitativa, mais fraterna.<br />

Homem a favor do estado social, a favor de um Serviço<br />

orgulhou o Professor Vasco Reis.<br />

Todos nós sentimos a morte das pessoas que nos são<br />

próximas em termos de relacionamento. Todos nós, porém,<br />

sabemos que a morte é inevitável e que a soma<br />

dos anos nos aproxima desse fim no qual nos custa pensar.<br />

Cinquenta anos de carreira de administração hospitalar<br />

são, aliás, uma fatia considerável das vidas de quem<br />

os empreendeu em maior ou menor medida.<br />

Nessa perspetiva, não nos admiremos de termos perdido<br />

num espaço de tempo limitado os Drs. João Urbano,<br />

Eduardo Sá Ferreira, Cristiano de Freitas, Santos Cardoso<br />

e Vasco Reis.<br />

O Professor Vasco Reis foi o que mais consistentemente<br />

se dedicou em simultâneo ao exercício profissional e<br />

à docência, bem à imagem de Coriolano Ferreira. Lembrando<br />

os seus feitos e as suas qualidades, estamos a dar<br />

vida à imagem que nos deixou. Ã<br />

Pequena nota<br />

de reconhecimento e saudade<br />

Nacional de Saúde (SNS) como pilar essencial e fundamental<br />

da defesa da saúde, SNS não olhado como negócio,<br />

mas como um direito universal e gratuito no momento<br />

do cidadão dele necessitar.<br />

Para esse SNS, deu contributos para o seu desenvolvimento<br />

e organização como executivo nas suas funções<br />

nos HCL e como académico na Escola Nacional de Saúde<br />

Pública (ENSP).<br />

Vasco Reis era um homem da tolerância, do diálogo e de<br />

consensos, a favor da inclusão, jamais defendendo uma<br />

divisão da sociedade entre bons e maus.<br />

Homem de convicções e não de imposições. Homem da<br />

Liberdade e da defesa dessa mesma liberdade.<br />

Homem de convívio afável que lhe granjeou muitos amigos,<br />

como confirmado no jantar de homenagem que se<br />

realizou no restaurante Clara Jardim, ali tão perto do nosso<br />

inesquecível Hospital dos Capuchos.<br />

Por tudo isto, como disse Constantino Sakellarides na<br />

sessão de homenagem que lhe prestou a ENSP, “O Vasco<br />

vai fazer falta.ˮ<br />

Vasco Reis continuará presente e a fazer falta. Ã<br />

38


GH homenagem<br />

Uma referência<br />

da Administração <strong>Hospitalar</strong><br />

"Acho que<br />

fizemos bem"<br />

Grande nome<br />

da Saúde Pública<br />

”Testemunhos<br />

José Carlos Lopes Martins<br />

Sócio de Mérito e Presidente da APAH (1996-1989)<br />

Sim, o Vasco é uma referência. Homem íntegro,<br />

inteligente, rigoroso, foi um profissional<br />

de valor, de qualidade e de dedicação<br />

inexcedíveis, quer no exercício da administração<br />

de hospitais, nomeadamente no en-<br />

Professor VASCO REIS<br />

Isabel Saraiva<br />

Presidente da Respira<br />

Conheci o Professor Vasco Reis quando<br />

nos anos 90 deu o seu saber e empenho<br />

à realização do Fórum da Economia da<br />

Saúde - Consequências Económicas de<br />

uma Política de Saúde, um projeto da API-<br />

FARMA, no qual, enquanto Diretora Executiva da instituição,<br />

tive o gosto de participar.<br />

Foi uma ação inovadora, que reuniu não só os melhores<br />

académicos portugueses, mas também, peritos internacionais<br />

e que ao longo de diversas sessões, debateu a<br />

tão grupo Hospitais Civis de Lisboa, quer na atividade<br />

docente, especialmente na Escola Nacional de Saúde<br />

Pública.<br />

Sempre o vi disponível para responder a desafios que<br />

com frequência os poderes públicos e instituições oficiais<br />

lhe faziam, por reconhecerem a sabedoria e clarividência<br />

dos trabalhos e contributos que produzia<br />

O seu humor fino e vivacidade tornavam quaisquer<br />

conversas com o Vasco, ainda que sérias, extremamente<br />

agradáveis<br />

O Vasco era um homem notável e afável e assim permanecerá<br />

na minha memória. Ã<br />

interligação, hoje óbvia, mas pouco evidente ao tempo,<br />

da saúde e da economia.<br />

As competências e a experiência do Professor Vasco<br />

Reis que ao longo de vários meses, escreveu, telefonou<br />

e contactou os palestrantes, sugeriu e aperfeiçoou<br />

textos e documentos, foram decisivas para o sucesso<br />

deste projeto. Guardo belas recordações deste trabalho<br />

conjunto: o Professor Vasco Reis, era um homem afável<br />

com um distinto e discreto sentido de humor, uma elevada<br />

capacidade de transmitir conhecimento e de reunir<br />

à sua volta os mais capazes profissionais.<br />

Estou grata à APAH, por se ter lembrado de mim para<br />

dar um testemunho sobre o Professor Vasco Reis e<br />

também por não deixar que as memórias se esbatam. Ã<br />

João Oliveira<br />

Presidente do C. A. do IPO Lisboa<br />

“<br />

Sabe, João? Acho que fizemos bem”, disse-<br />

-me o professor Vasco Reis, em meados<br />

do último dezembro.<br />

Foi uma curta conversa, na qual regressámos<br />

um pouco ao tempo em que, distantes<br />

na formação, distantes nas funções, com considerável<br />

distância na idade e nunca tendo tido convivência<br />

próxima, éramos parte desse misto de bem-fazer,<br />

tradição, modernidade, abnegação profissional, espírito<br />

de corpo e muitas mais coisas difíceis de explicar aos<br />

de fora, que se chama Hospitais Civis de Lisboa (HCL).<br />

Comecei a ser médico nos HCL.<br />

Primeiro o internato geral, depois a atração pela Hematologia<br />

e, a seguir, o despertar para o tratamento<br />

dos outros cancros, influenciado pelo Dr. Joaquim<br />

Gouveia, que então se batia pela sua ideia de organização<br />

da oncologia nos HCL.<br />

Via-o em longas conversas com o administrador Vasco<br />

Reis, em frente da igreja do Hospital dos Capuchos.<br />

Amigos antigos de Coimbra, explicar-me-ia Gouveia<br />

que, infelizmente, também já não pode dizer-nos do<br />

que falavam.<br />

Mas eu sei que falavam do futuro dos HCL e dos serviços<br />

de saúde em geral, porque o que então perspectivavam,<br />

com o professor Vasco Reis na difícil tarefa<br />

de encaixar a mudança nos hábitos estabelecidos e de<br />

encontrar as formas de concretizar os incentivos e a<br />

valorização dos mais novos, influenciou tudo o que eu<br />

vim a fazer como médico.<br />

Agora, passados mais de trinta e cinco anos sobre o<br />

nosso tempo dos HCL, eu ouvia do professor Vasco<br />

Reis este “Acho que fizemos bem”, a lembrar-me a<br />

importância dos que, discretamente, quase sem darmos<br />

por tal, passam pela nossa vida e a determinam<br />

para melhor. Ã<br />

Paulo Faria Boto<br />

Professor Auxiliar da ENSP<br />

Conheci o Professor Vasco Reis no final dos<br />

anos 90; coordenava ele, na altura, o Curso<br />

de Especialização em Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong>, na Escola Nacional de Saúde<br />

Pública, que será sempre a sua Escola.<br />

Foi dos primeiros, como sabemos, a ter formação especializada<br />

nesta área, obtida no estrangeiro, e era um acérrimo<br />

defensor da especificidade da mesma, pelo que a<br />

Administração <strong>Hospitalar</strong> em Portugal lhe deve muito.<br />

Enquanto docente e coordenador de curso, lembro-me<br />

da sua bonomia, afabilidade, espírito conciliador, e da forma<br />

paternal como tratava os alunos. E do seu sentido de<br />

humor e boa disposição. Lembro-me de uma aula em<br />

que discutíamos o que verdadeiramente importava nos<br />

sistemas de saúde, e concordámos numa palavra: valores.<br />

Era um dos pilares da Escola, com outros grandes nomes<br />

da Saúde Pública em Portugal.<br />

Foi um dos professores que me convidou a continuar na<br />

Escola como docente, e um dos que me levou a doutorar-me.<br />

Quando se decidiu reformar, pareceu-me cedo. A<br />

Escola e os mais novos ainda precisavam dele. Mas aprendi,<br />

com o tempo, a respeitar estas decisões, e o seu timing.<br />

Vi-o menos vezes a partir de então.<br />

Passados uns anos, enquanto leciono e coordeno um<br />

curso na Escola, suspeito que sou influenciado, mesmo<br />

que inconscientemente, por algumas das coisas que o vi<br />

fazer ou ouvi dizer. Ainda hoje cito um ou dois dos seus<br />

lemas e uma ou duas das suas anedotas.<br />

Cruzamo-nos ao longo das nossas vidas com muitas pessoas,<br />

mas não são muitas as que, de facto, influenciam o<br />

nosso percurso. Quando olhamos para trás, não podemos<br />

deixar de as reconhecer. Essas são, de facto, as que<br />

deixam marca.<br />

Falta-nos mais gente como ele. Na academia, na administração<br />

pública, no país. Ã<br />

40 41


GH homenagem<br />

VASCO REIS: Produção científica<br />

• Alves E, Reis VP, Costa G. Coord. I. as Jornadas de Saúde<br />

da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, 15 de maio<br />

de 2008. Saúde, equidade e inclusão. Lisboa: Santa Casa da<br />

Misericórdia de Lisboa; 2008. ISBN 978-972-8761-28-8.<br />

• Sousa P, Furtado C, Reis VP. Patient safety research: a<br />

challenge for public Health. In: Ovretveit J, Sousa P, editors.<br />

Quality and safety improvement research: methods and<br />

research practice from the International Quality Improvement<br />

Research Network. Lisbon: Escola Nacional de<br />

Saúde Pública: MMC Karolinska Instituted; 2008. p. 46-56.<br />

• Reis VP. <strong>Gestão</strong> em saúde: um espaço de diferença. Lisboa:<br />

Universidade Nova de Lisboa. Escola Nacional de Saúde Pública.<br />

Schering-Plough; 2007. ISBN 978-972-98811-7-6.<br />

• Reis VP. A avaliação do desempenho em hospitais: editorial.<br />

Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2005; Temático<br />

(5): 3-6. Volume temático sobre Avaliação do desempenho<br />

em meio hospitalar.<br />

Disponível em http://hdl.handle.net/10362/16989<br />

• Reis VP. <strong>Gestão</strong> integrada: estudo de casos: programa,<br />

conteúdos e métodos de ensino. Lisboa: Escola Nacional<br />

de Saúde Pública; 2004. Obtenção do título de Agregado<br />

no Grupo de Disciplinas de <strong>Gestão</strong> de Organizações de<br />

Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade<br />

Nova de Lisboa.<br />

• Reis VP. Lição de síntese. Lisboa: Escola Nacional de<br />

Saúde Pública; 2004. Obtenção do título de Agregado no<br />

Grupo de Disciplinas de <strong>Gestão</strong> de Organizações de Saúde<br />

da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade<br />

Nova de Lisboa.<br />

• Reis VP. A intervenção privada na prestação pública: da<br />

expansão do Estado às parcerias público-privadas. Revista<br />

Portuguesa de Saúde Pública. 2004; Temático (4):121-36.<br />

Volume temático sobre Novos modelos de gestão da<br />

saúde em Portugal.<br />

Disponível em http://hdl.handle.net/10362/16891<br />

• Reis VP. <strong>Gestão</strong> em saúde. Revista Portuguesa de Saúde<br />

Pública. 2004;22(1):7-17.<br />

Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/16979<br />

• Reis VP, Falcão E. Hospital público português: da crise<br />

à renovação? Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2003;<br />

21(2):5-14. Disponível em http://hdl.handle.net/10362/100623.<br />

• Reis VP. O sistema de saúde português: donde vimos,<br />

para onde vamos. In: Barros PP, Simões J, coord. Livro de<br />

homenagem a Augusto Mantas. Lisboa: Associação Portuguesa<br />

de Economia da Saúde; 1999. p. 260-97.<br />

• Gomes AF, coord., Reis VP, relator. O sistema de saúde<br />

em Macau: diagnóstico e recomendações: relatório final:<br />

Julho 1997. Macau: Gabinete do Secretário Adjunto para<br />

os Assuntos Sociais e Orçamento. Governo de Macau. Escola<br />

Nacional de Saúde Pública Universidade Nova de Lisboa;<br />

1997. ISBN 972-97492-0-5.<br />

• Reis VP, Reis RP. A saúde e a empresa. Revista Portuguesa<br />

de Saúde Pública. 1996;14(1): 45-56.<br />

• Reis VP. As questões que se põem aos sistemas de saúde.<br />

<strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong>. 1995;9(31): 21-30.<br />

Costa C, Reis VP. O sucesso nas organizações de saúde.<br />

Revista Portuguesa de Saúde Pública. 1993; 11(3): 59-68.<br />

• Reis VP. Organização interna dos hospitais: o caso dos<br />

Açores. <strong>Gestão</strong> <strong>Hospitalar</strong>. 1990; 7(<strong>24</strong>-25):22-32.<br />

• Reis VP. O papel do administrador principal no hospital<br />

português. Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública; 1986.<br />

Concurso para professor auxiliar da Cadeira de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> da ENSP.<br />

• Reis VP. O hospital: um sistema aberto. Revista Portuguesa<br />

de Saúde Pública. 1985; 3(1): 11-18.<br />

• Reis VP, Reis CP, Esteves PB. Consumo de medicamentos<br />

em meio hospitalar: algumas perspectivas. Revista Portuguesa<br />

de Saúde Pública. 1983; 1(2): 53-61.<br />

• Reis VP. Avaliação do rendimento em estabelecimentos<br />

hospitalares. In: Ias Jornadas de Administração <strong>Hospitalar</strong>,<br />

Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública, 5 a 7 de Dezembro<br />

de 1977. Comunicações. Lisboa: Escola Nacional<br />

de Saúde Pública; 1977.<br />

• Reis VP. Financiamento hospitalar: situação do problema<br />

em Portugal: despesas de exploração. Lisboa: Escola<br />

Nacional de Saúde Pública; 1971. (Curso de Administração<br />

<strong>Hospitalar</strong> / ENSP; I. 1970/1971).<br />

Nota: Lista de produção científica referente a documentos<br />

disponíveis na Biblioteca da ESP-NOVA.<br />

42


GH SAÚDE GLOBAL<br />

PORTUGAL NA SAÚDE GLOBAL<br />

Francisco Pavão<br />

Gabinete de Diplomacia da Saúde da Ordem dos Médicos<br />

Miguel Guimarães<br />

Bastonário da Ordem dos Médicos<br />

A<br />

pandemia por Covid-19 é um desafio<br />

global exigindo que cientistas, políticos<br />

e governos abordem múltiplas<br />

dimensões que vão muito além das<br />

implicações para a saúde e bem-estar<br />

das populações. Globalmente, ademais das enormes<br />

consequências económicas e sociais, continuamos a viver<br />

tempos de enorme incerteza e constante adaptação<br />

pelo que, inevitavelmente, os Estados passaram a colocar<br />

a saúde como tema central da sua Política Externa.<br />

Neste contexto, a dimensão da Saúde Global ganha<br />

um novo protagonismo e relevância, dada a necessidade<br />

de uma abordagem estratégica interdependente e<br />

resposta política por parte dos países, organizações internacionais,<br />

agentes privados e muitos outros actores<br />

às questões internacionais da saúde.<br />

O grande desafio e conquista do acesso à saúde equitativo<br />

para todos e em todas as regiões do mundo,<br />

actualmente evidente na agenda do dia devido ao processo<br />

de vacinação contra a Covid-19, não pode ser<br />

realizado sem diálogo conjunto e mecanismos de solidariedade<br />

e cooperação exigentes e eficazes.<br />

Para tal, é necessário que estejamos preparados, o que<br />

requer planeamento e antecipação, para atender, por<br />

um lado aos sucessivos avisos dos cientistas e agências<br />

sobre a perigosidade do surgimento de epidemias, e<br />

por outro para nos colocarmos enquanto país no palco<br />

da influência e liderança da Saúde Global.<br />

Não será justificado pois, citando o General António<br />

Ramalho Eanes, que é “impossível prever o imprevisto”.<br />

Esta pandemia permite-nos retirar muitas e importantes<br />

lições, quer de espectro interno e externo, sendo<br />

que neste âmbito deve Portugal, aproveitando o seu<br />

posicionamento geoestratégico e geopolítico, implementar<br />

uma agenda conjunta de diplomacia e de saúde.<br />

Durante estes exigentes tempos de crise sanitária que<br />

revelaram a pouca preparação das sociedades para<br />

enfrentarem mudanças tão significativas do seu dia-a-<br />

-dia, que colocou os sistemas de saúde sobre enorme<br />

pressão e o mundo perante o colossal inimigo da desinformação<br />

e negacionismo, é-nos exigido que não esqueçamos<br />

as prioridades elencadas pela Organização<br />

Mundial da Saúde para uma década de acção e a concretização<br />

dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável,<br />

de forma a conquistar a Paz e o desenvolvimento<br />

das populações<br />

Ao longo dos últimos meses também nós fomos contribuindo<br />

para o diálogo de que a saúde é um recurso<br />

valioso, um direito humano básico e um bem público<br />

global que precisa de ser protegido e promovido por<br />

todos nós.<br />

É também isso que propomos trazer-vos nesta rúbrica<br />

de Saúde Global que agora inicia. Ã<br />

44


GH estudo<br />

A síndrome de fragilidade<br />

em idosos: REVISÃO DE LITERATURA<br />

SOBRE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO<br />

E ESCALAS DE CLASSIFICAÇÃO<br />

Mário Pinto<br />

Instituto de Ciências Biomédicas<br />

Abel Salazar (ICBAS), Portosintesis<br />

Domingos Susana Arranhado<br />

Universidade Atlântica<br />

Isabel Alçada<br />

Universidade Nova<br />

Mariana Pinto<br />

Nutricionista Unidade Hemodiálise<br />

O<br />

perfil de um doente frágil corresponde<br />

a uma pessoa idosa, com multimorbilidade,<br />

um estado de saúde instável e<br />

frequentemente incapacitado. A fragilidade<br />

é uma entidade clínica progressiva<br />

que pode ser prevenida e tratada, e apresenta-se como<br />

uma preocupação e uma prioridade em saúde. Para o<br />

seu diagnóstico é essencial ter disponível um instrumento<br />

válido, confiável, de fácil aplicação e que possa prever o<br />

risco de resultados adversos.<br />

O presente estudo tem como objetivo central identificar<br />

instrumentos especificamente desenvolvidos para avaliar<br />

e estratificar a fragilidade entre idosos a partir de informações<br />

colhidas pelos profissionais de saúde e identificar<br />

aquela que seja mais fácil de usar, segundo critérios estabelecidos<br />

pelas Normas de Consensos para a seleção de<br />

instrumentos de medida em saúde (COSMIN).<br />

A revisão bibliográfica foi efetuada no período compreendido<br />

entre dia 1 de janeiro de 2013 e 1 de janeiro de<br />

2018. A investigação foi conduzida por dois investigadores,<br />

de acordo com os Itens de Relatórios Preferenciais<br />

para Revisões Sistemáticas (PRISMA). Foram utilizadas<br />

a base de dados da Medline, PubMed, Embase, LILACS<br />

e Cochrane Library sem restrição de idioma, definidos e<br />

organizados os descritores. Foi usado o Population Implementation<br />

Comparador Outcomes (PICO).<br />

Foram definidos a priori os critérios a serem seguidos, em<br />

relação ao tipo de estudos, medidas de diagnóstico, à<br />

seleção, tamanho da amostra e à presença de vieses.<br />

As principais características de cada instrumento foram<br />

estudadas, avaliando sua potencial utilização clínica. Dos<br />

881 artigos selecionados, foram identificados 16 estudos<br />

com 26 ferramentas de avaliação de fragilidade. As ferramentas<br />

foram classificadas como uni e multidimensional.<br />

Os instrumentos unidimensionais são orientados para o<br />

domínio físico e da funcionalidade e estado biológico/<br />

fisiológico, enquanto as avaliações multidimensionais baseiam-se<br />

na análise das interações dos domínios físico,<br />

psicológico e social do funcionamento humano. Foram<br />

estudados e comparadas 9 instrumentos, dos quais apenas<br />

3 são clínicos e destes, 2 estratificam a fragilidade.<br />

Ainda não existe internacionalmente uma medida padrão<br />

e consensual para avaliar a fragilidade; algumas medidas<br />

são mais adequadas para rastreio nos hospitais e outras<br />

na comunidade. Os domínios que observamos nos instrumentos<br />

estudados, são de principalmente uni (físicos/<br />

clínicos) e multidimensional (cognitivo, psicológico, social<br />

e ambiental). Dada a complexidade do diagnóstico da fragilidade<br />

e do idoso, recomenda-se o uso conjunto de ferramentas<br />

físicas e de triagem multidisciplinar.<br />

Introdução<br />

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), verifica-se<br />

uma acelerada tendência para um progressivo envelhecimento<br />

da população mundial, prevendo-se que<br />

nos próximos 50 anos deste século o número de pessoas<br />

com mais de 65 anos duplique, podendo atingir em 2050<br />

cerca de 2,1 bilhões de pessoas. A OMS considera também<br />

que as Doenças Não Transmissíveis (DNTs) são responsáveis<br />

pela morte de 40 milhões de pessoas por ano,<br />

o que equivale a 70% da totalidade de mortes no mundo. 1<br />

A população portuguesa tem vindo a diminuir desde<br />

2010. Atualmente, estima-se um total de cerca de 10,3<br />

milhões de habitantes, concentrados nas zonas urbanas<br />

e litorais, sendo constituída por uma maioria de idosos e<br />

uma minoria de jovens. Verifica-se que 21% dos portugueses<br />

têm 65 ou mais anos e apenas 14% têm menos<br />

de 15. As pessoas com 75 ou mais anos são cerca de um<br />

milhão, sendo a maioria deste grupo etário constituída<br />

por mulheres. 2<br />

O número de pessoas idosas tem aliás vindo a aumentar<br />

dramaticamente em quase todos os países, com um consequente<br />

aumento da prevalência da fragilidade. 3<br />

O conceito de fragilidade parece ser consensual entre<br />

os investigadores e tem prevalecido o contexto clínico. 4<br />

Trata-se de um conceito de fragilidade complexo e multifacetado,<br />

abrangendo os domínios físico, psicológico<br />

e social. A síndrome de fragilidade do idoso é amplamente<br />

reconhecida para explicar as variações de riscos<br />

para a saúde e para identificar perfis de pessoas idosas<br />

tendo em vista a prestação de cuidados personalizados.<br />

Estando o envelhecimento associado ao declínio das capacidades<br />

físicas e mentais, ao perfil de doente frágil corresponde<br />

uma pessoa geralmente idosa, com multimorbilidade,<br />

com um estado de saúde instável e frequentemente<br />

incapacitada, cujas necessidades de cuidado são<br />

determinadas, entre outros fatores, às doenças crónicas,<br />

às situações sociofamiliar, económica e ambiental, à acessibilidade<br />

a serviços de saúde, à ocupação do tempo livre.<br />

É sabido como as relações sociais desempenham um papel<br />

central no bem-estar humano e estão diretamente<br />

envolvidas na manutenção da saúde. 38 Em contraponto,<br />

verifica-se que a solidão se associa com frequência à fragilidade,<br />

ao aumento do risco de doenças cardiovasculares,<br />

ao aumento da tensão arterial, ao aumento das respostas<br />

inflamatórias ao stress e à mortalidade. 5<br />

A fragilidade é prevalente em idosos, pois atinge apenas<br />

10% da comunidade em geral, 6 mas atinge 80% de idosos<br />

em contexto de cuidados de longa duração. 7 Nos hospitais<br />

e nos serviços de urgência, entre adultos com mais de<br />

85 anos a prevalência da fragilidade varia entre 50 a 80%, 8<br />

sendo responsável por um peso significativo na procura<br />

de cuidados nos serviços de saúde. 9<br />

De acordo com os resultados dos Estudos de Envelhecimento<br />

Saudável e Longevidade (DO-HEALTH), a prevalência<br />

de fragilidade na Europa, variou entre os vários<br />

países, tendo a população portuguesa com mais de 70<br />

anos registado o maior grau de prevalência (variação entre<br />

3.1% e 30.3%), e a população austríaca o menor grau<br />

(variação entre 0 e 2.5%). 10<br />

Os custos dos cuidados prestados a cidadãos com síndrome<br />

de fragilidade têm um peso muito significativo<br />

no total da despesa dos sistemas de saúde da Europa. 11<br />

Conscientes deste facto, os governos têm vindo a desenvolver<br />

estratégias para dispensar apoios sociais e serviços<br />

de longa duração a pessoas em situação de fragilidade,<br />

e têm procurado implementar medidas preventivas que<br />

visam melhorar a sua qualidade de vida. 12<br />

Tratando-se de uma questão que afeta à escala global um<br />

elevadíssimo número de cidadãos e cujas repercussões<br />

nos sistemas de saúde se encontram bem e conhecidas, }<br />

46 47


GH estudo<br />

torna-se indispensável dispor de um instrumento que permita<br />

identificar a síndrome de fragilidade, em particular entre<br />

os cidadãos do grupo etário de idosos, e permita igualmente<br />

realizar avaliações seguras conducentes a um encaminhamento<br />

adequado.<br />

Verifica-se que atualmente existem mais de 51 instrumentos<br />

de medida da fragilidade, subsistindo um amplo debate<br />

sobre os mais adequados para utilização na prática clínica.<br />

Este debate, centrado na procura de um consenso em<br />

torno de uma medida padrão que permita o reconhecimento<br />

consistente da fragilidade, ocorre um pouco por<br />

todo o mundo e é de grande atualidade científica. 13<br />

O Royal College of Physicians e a Sociedade Francesa de<br />

Geriatria e Gerontologia defendem a triagem da fragilidade<br />

em idosos 14 e recomendam algumas ferramentas de<br />

diagnóstico da fragilidade física, cognitiva e clínica, habitualmente<br />

usadas e validadas, tais como o FRAIL, 15 a Clinical<br />

Frailty Scale 16 e o Gérontopôle Frailty Screening Tool. 4<br />

Justificação<br />

A abordagem científica da fragilidade não tem ainda uma<br />

expressão significativa, devendo considerar-se ainda relativamente<br />

limitado o conhecimento sobre esta matéria.<br />

Por outro lado não se encontra ainda devidamente identificado<br />

o modo como os profissionais de saúde, bem<br />

como os consumidores dos serviços de saúde, percebem<br />

a fragilidade e se é ou não considerada um problema de<br />

saúde pública. 17<br />

Considerando-se que os profissionais de saúde - médicos,<br />

enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos<br />

e outros - têm absoluta necessidade de uma ferramenta<br />

de diagnóstico da fragilidade, válida, confiável, fácil<br />

e de uso rápido no hospital ou no ambulatório, a identificação<br />

de uma dessas ferramentas parece ser muito útil<br />

à comunidade.<br />

Verifica-se que existem várias ferramentas de triagem e<br />

de diagnóstico de fragilidade na literatura, as quais têm sido<br />

usadas em doentes idosos para relacionar a fragilidade<br />

com os resultados adversos que dela advêm. 18<br />

Objetivos<br />

O presente estudo tem como objetivo central identificar,<br />

mediante pesquisa na literatura atual, o conjunto de<br />

instrumentos especificamente desenvolvidos para avaliar<br />

a existência da fragilidade clínica em pessoas idosas, para<br />

proceder à sua análise e eleger aquele que, cumprindo as<br />

propriedades clinimétricas e psicométricas requeridas, 19<br />

seja mais fácil de usar.<br />

Como objetivos secundários, pretendeu-se:<br />

1. Comparar o desempenho de diferentes instrumentos<br />

de avaliação de fragilidade clínica;<br />

2. Avaliar sistemática e criticamente a sua confiabilidade,<br />

validade e sensibilidade;<br />

3. Avaliar a possibilidade da existência de instrumentos que<br />

permitam proceder à estratificação da população frágil;<br />

4. A partir do estudo de cada uma das medidas de fragilidade,<br />

identificar possíveis relações entre elas;<br />

5. Encontrar um instrumento de medida cuja aplicação<br />

seja simples, rápida, segura, fiável, reprodutível e não necessite<br />

de equipamento especial.<br />

O conceito de fragilidade e as formas de a medir<br />

Em 2001 Linda Fried e seus colaboradores, nos EUA, propuseram<br />

a definição e classificação da fragilidade, através<br />

da apresentação do fenótipo de fragilidade com cinco<br />

componentes físicos: marcha lenta; autoavaliação de exaustão;<br />

perda involuntária de peso no último ano; diminuição<br />

da atividade física; diminuição da força e de preensão manuais.<br />

Desta definição resultou uma escala de três classes:<br />

idosos robustos; pré-frágeis; frágeis. 20<br />

No Canadá, Rockwood e Mitnitski, também no ano de<br />

2001, apresentaram um outro modelo de fragilidade, baseado<br />

em Défices Acumulados, que inclui não apenas os<br />

componentes físicos mas também os aspetos psicossociais<br />

da fragilidade. 21<br />

A fragilidade deve ser encarada como uma questão de<br />

saúde pública, pelo que a sua prevenção e o seu diagnóstico<br />

precoce são fundamentais para a manutenção da<br />

qualidade de vida dos mais velhos. A escolha do instrumento<br />

de avaliação de fragilidade deve ter em conta o<br />

modelo conceptual em que se baseia, a sua forma de administração,<br />

a adequabilidade ao contexto e, entre outras<br />

propriedades, a sua capacidade preditiva. 22<br />

Naturalmente, os instrumentos destinados a medir a fragilidade<br />

devem ser implementados e avaliados de acordo<br />

com o objetivo do seu uso. 23<br />

Nos últimos anos, fruto da falta de um consenso da definição<br />

de fragilidade, assistiu-se ao surgimento de um<br />

grande número de instrumentos para avaliação de fragilidade.<br />

Tendo em conta o seu objetivo, estes instrumentos<br />

podem ser agrupados em dois grupos:<br />

1. O grupo clínico/triagem, definido pela sua dimensão<br />

fisiobiológica, portanto unidimensional;<br />

2. O grupo multidimensional de rastreio, abrangendo os<br />

domínios físico, psicológico e social. <strong>24</strong><br />

A taxonomia e as definições utilizadas para as propriedades<br />

clinimétricas das escalas avaliadas seguiram os critérios<br />

estabelecidos pelas Normas para Instrumentos de<br />

Medida de Saúde (COSMIN) 25 baseadas no Consensus<br />

e foram: Validade, Confiabilidade, Sensibilidade, Especificidade,<br />

Valor Preditivo Positivo (VPP), Valor Preditivo<br />

Negativo (VPL) e adaptação cultural. 26<br />

Metodologia<br />

Pesquisa e fontes de informação<br />

A presente investigação seguiu os princípios de uma revisão<br />

de artigos publicados sobre instrumentos de diagnóstico<br />

e rastreio de fragilidade, publicados no período de<br />

tempo compreendido entre o dia 1 de janeiro de 2013 e<br />

1 de janeiro de 2018. Foram definidos os critérios a aplicar:<br />

na seleção e análise deste tipo de estudos; na identificação<br />

do período de tempo; na seleção e dimensão da<br />

amostra; na presença de vieses.<br />

O objetivo seria encontrar os estudos de revisão sistemática,<br />

metanálise, observacionais de coorte com ferramentas<br />

disponíveis para diagnóstico clínico e de rastreio,<br />

seguindo a metodologia padrão aconselhada para estudos<br />

de revisão das guidelines da Cochrane e a lista de<br />

verificação PRISMA. 27<br />

Foi usado o motor de busca da Medline, PubMed, da Embase,<br />

da LILACS e da Cochrane Library, sem restrição de<br />

idioma, usando vocabulário controlado pelo MeSH da<br />

MEDLINE, 28 para assegurar uniformidade, consistência e<br />

precisão. Foram definidos e organizados os seguintes descritores:<br />

Frailty elderly, Review, Assessments, Screening, Clinical,<br />

Tools, Scales.<br />

Na seleção de artigos e resumos de artigos os critérios<br />

de inclusão foram os seguintes: apenas foram considerados<br />

artigos de investigação completos e artigos de revisão.<br />

Foi igualmente realizada uma “busca lateral”, na qual<br />

foram pesquisadas as citações de artigos relevantes. Para<br />

os identificar, foi usado o Population Implementation Comparator<br />

Outcomes (PICO): 28,29 População: com idade ≥ 50<br />

anos. Implementação/indicador, formas de medir a fragilidade<br />

em ensaios de controlo observacional, transversal<br />

ou randomizado. Comparador: não aplicável e resultados.<br />

Com esta estratégia, houve a garantia da identificação da<br />

maioria dos trabalhos publicados dentro dos critérios estabelecidos.<br />

Os artigos selecionados foram incluídos na<br />

base de dados Mendeley Desktop.<br />

Identificação<br />

Triagem<br />

Eligibilidade<br />

Incluídos<br />

Número de artigos identificados na investigação<br />

(n = 872)<br />

Dos trabalhos selecionados só 16 cumpriram as condições<br />

de inclusão<br />

Segue-se o diagrama de fluxo de investigação de artigos<br />

que identificassem a síndrome de fragilidade e de ferramentas<br />

clínicas e de triagem mais usadas.<br />

No quadro 1 podemos observar os critérios de elegibilidade<br />

de artigos usados para análise<br />

As leituras dos títulos dos artigos e respetivos resumos foi<br />

feita por dois investigadores (MP) e (MCP). Na sequência<br />

desta leitura efetuou-se uma seleção independente<br />

e cega que obedeceu a critérios de inclusão e exclusão<br />

previamente definidos: estudos completos, realizados em<br />

humanos com idade ≥ a 50 anos; que apresentassem escalas<br />

de avaliação psicométrica e clinimétricas de fragilidade<br />

clínica.<br />

Foram considerados como critérios de exclusão: estudos<br />

em curso, estudos de opinião, cartas ao editor, editoriais,<br />

resumos publicados em atas de conferência. }<br />

Gráfico 1<br />

Número de artigos repetidos retirados<br />

(n = 561)<br />

Artigos rastreados<br />

(n = 320)<br />

Artigos completos elegiveis<br />

(n = 97)<br />

Artigos incluídos na síntese qualitativa<br />

(n =16)<br />

Artigos incluídos para análise quantitativa<br />

(n =16)<br />

881<br />

trabalhos iniciais<br />

320<br />

selecionados<br />

97<br />

elegíveis<br />

16<br />

para análise<br />

Número de artigos identificados noutras fontes<br />

(n = 9)<br />

Quadro 1: Fases do diagrama do fluxo da pesquisa de artigos sobre ferramentas de identificação de Síndrome de Fragilidade.<br />

Artigos excluídos<br />

(n = 223)<br />

Artigos excluídos por não<br />

apresentarem fragilidade física<br />

(n = 65)<br />

Artigos sem ferramentas<br />

de avaliação<br />

(n = 15)<br />

48 49


GH estudo<br />

Artigos selecionados na sequência de uma primeira triagem<br />

Foram incluídos alguns estudos que descreviam e testavam<br />

a operacionalização dos instrumentos, como por exemplo<br />

escalas e índices, especificamente desenvolvidos para fazer<br />

o rastreio/diagnóstico e triagem da síndrome de fragilidade.<br />

As referências foram geridas recorrendo-se à base de dados<br />

do Mendeley e a seleção foi feita pelos dois autores,<br />

usando os critérios de elegibilidade acima mencionados.<br />

Sempre que os resumos não se revelaram suficientemente<br />

esclarecedores, foi realizada uma leitura na íntegra.<br />

Em seguida, foi feita a leitura completa dos estudos potencialmente<br />

interessantes para o presente estudo, da qual decorreu<br />

a lista final de inclusão. Quaisquer desacordos<br />

entre os autores foram resolvidos recorrendo ao terceiro<br />

autor.<br />

Critérios de avaliação dos artigos quanto às escalas<br />

de fragilidade<br />

Na avaliação dos artigos incluídos na lista resultante da triagem<br />

descrita foram analisados os diferentes aspetos, relacionados<br />

com as ferramentas usadas para a rastreio e para<br />

avaliação clínica da fragilidade:<br />

1. Tempo necessário para a sua aplicação prática;<br />

2. Potencial uso dos dados obtidos pela avaliação global<br />

geriátrica (CGA);<br />

3. Necessidade de utilização de equipamento especializado,<br />

por exemplo o dinamómetro manual, avaliação do<br />

peso, medição de diâmetros e pregas, testes dinâmicos<br />

de levantar e andar, de equilíbrio e marcha;<br />

4. Necessidade de treino do utilizador da escala;<br />

5. Avaliação métrica da fiabilidade, da validade, sensibilidade,<br />

validade preditiva e estratificação de risco.<br />

Critérios de avaliação da seleção das escalas<br />

Para escolha dos instrumentos de avaliação da fragilidade<br />

foram usados os 4 critérios recomendados por Clegg et al.:<br />

1. Inclusão da definição da etiologia biológica;<br />

2. Inclusão de diagnóstico e planeamento de cuidados,<br />

utilizando a avaliação geriátrica integral (AGI);<br />

3. Possibilidade para medição de outcomes;<br />

4. Estratificação do risco de fragilidade (pré fragilidade). 30<br />

A estes critérios os autores do presente estudo acrescentaram<br />

um 5<strong>º</strong> critério: Possibilidade de uma utilização simples<br />

e rápida por parte dos profissionais de saúde.<br />

Avaliação do Risco de viés entre estudos<br />

A qualidade dos estudos foi avaliada de forma independente<br />

pelos dois investigadores e pode ser observada no<br />

quadro 2.<br />

A avaliação qualitativa dos estudos observacionais e de<br />

coorte (9 trabalhos em 16) foi feita recorrendo ao Newcastle<br />

Otawa Scale (NOS) que atribui scores expressos em<br />

número de estrelas. 31,32 Qualquer discordância na avaliação<br />

da qualidade foi resolvida por consenso, resultando<br />

uma classificação de cada artigo num mínimo de 7 estrelas,<br />

sendo que estudos com scores superiores acima de 7 estrelas<br />

são considerados pela NOS com baixo risco de viés.<br />

Nos trabalhos de revisão, a avaliação de qualidade foi<br />

confirmada recorrendo à ferramenta AMSTAR. 33 Submetidos<br />

à checklist desta ferramenta foram identificados<br />

os artigos com uma média de 10 respostas “sim”, o que<br />

reflete um baixo risco de viés, pois corresponde a 10<br />

pontos em onze possíveis.<br />

Finalmente o artigo do ensaio clínico randomizado prospetivo<br />

foi avaliado de baixo risco pelo Cochrane Risk Bias. 34<br />

1<strong>º</strong> Autor Idades/Media Viés NOS Viés Amstar Viés CRB Escalas<br />

Rónán O'Caoimh 80 7 3<br />

Theodore K. Malmstrom >5075 8 1<br />

Talal A. 63(±15) 7 1<br />

Salina Juna, M. D. >65 7 1<br />

S. J. Moug >65 7 2<br />

Elsa Dent >65 8 15<br />

Bienvenu Bongue 77,7 8 5<br />

Borja del Pozo-Cruz >65 7 1<br />

Sjors Verlaan MSc 77,2 11 6<br />

Bem R. Davies >65 9 11<br />

Annie Cheung 76,5 8 2<br />

Edward Chong 89,4 8 4<br />

Judit Kovacs >65 Baixo risco 3<br />

Cecilia G. Ethun >65 10 5<br />

Davide L. Vetrano >60 11 3<br />

Quadro 2: De viés.<br />

1<strong>º</strong> Autor Desenho Ano País Amostra Idades Escalas Contexto<br />

Rónán O'Caoimh Coorte 2014 Irlanda,<br />

Cork<br />

803 80 CFS, RISC,<br />

Comorbilidades<br />

Comunidade<br />

S. J. Wallis Observacional 2015 UK,<br />

Cambridge<br />

11271 >75 CFS Hospital/<br />

urgência<br />

Talal A. Coorte 2015 Canadá 390 63(±15) CFS Hospital/IR<br />

Salina Juna, M. D. Coorte Prospetiva 2016 Canadá 75 >65 CFS Hospital/<br />

urgência<br />

S. J. Moug Observacional 2016 UK, Cardiff 325 >65 CFS, MoCA Hospital/<br />

urgência<br />

Elsa Dent Revisão sistemática 2016 Austrália 26<br />

Trabalhos<br />

>65 PFS, FI, SOF,<br />

EFS, FRAIL,<br />

CFS, MPI,<br />

TFI, PRISMA<br />

7, GFI, SPQ,<br />

GFS, Kihon<br />

Cheklist,<br />

medidas<br />

individuais de<br />

fragilidade<br />

Comunidade<br />

Theodore K. Malmstrom Coorte Longitudinal 2014 USA 998 >5o<br />

65 Frailty Trait Comunidade<br />

Scale<br />

Sjors Verlaan MSc Metanálise 2017 Holanda 5447 77,2 PFS, SOF, TFI, Comunidade<br />

EFS, Kihon,<br />

CFS<br />

Bem R. Davies Revisão sistemática 2017 UK, Bristol 207720 >65 eFI, CARS, Comunidade<br />

VES 13, TFI,<br />

GFI, PFS<br />

Annie Cheung Coorte retrospetiva 2017 Canadá 266 76,5 CFS, FI lab Hospital/<br />

trauma<br />

Edward Chong Coorte prospetiva 2017 Singapura 210 89,4 FI, FRAIL, TFI,<br />

CFS<br />

Judit Kovacs<br />

Ensaio clínico<br />

prospetivo<br />

Cecilia G. Ethun Revisão sistemática 2017 USA,<br />

Atlanta<br />

2017 Romania 57 >65 EuroScoreII,<br />

CFS, EFS<br />

65436 >65 FRAIL, VES<br />

13, PFS, FI<br />

CGA<br />

Hospital/<br />

agudos<br />

Hospital/<br />

cirurgia<br />

Hospital /<br />

cancro<br />

Davide L. Vetrano Revisão sistemática 2018 Suécia/Itália 144403 >60 CHS, FI, CFS Hospital/<br />

HTA<br />

Quadro 3: Artigos analisados.<br />

Abreviaturas: FI-CGA = Frailty Index derived from Comprehensive Geriatric Assessment; EFS = Edmonton Frailty Scale; CFS = Clinical Frailty Scale; CHS = Cardiovascular<br />

Health Study Index (PFS=Phenotype Frailty scale); CARS FI-CD = Frailty Index of Accumulated Deficits; SOF = Study of Osteoporotic Fracture; FRAIL =<br />

Fatigue, Resistance, Ambulation, Illness and Loss of Weight Index; Kihon VES 13 MPI = Multidimensional Prognostic Index; TFI = Tilburg Frailty Index, FTS = Frailty<br />

Trait Scale, CARS, Fi lab, eFI, EuroScoreI (Surgery scale).<br />

Análises adicionais: Sensibilidade e precisão da Investigação<br />

De acordo com o Cochrane Handebook (https://training.<br />

cochrane.org/handbook), 27 foi avaliada a sensibilidade e<br />

precisão/especificidade. 35 A precisão e a sensibilidade nem<br />

sempre são reconciliáveis pois uma investigação altamente<br />

sensível é frequentemente menos precisa. A sensibilidade<br />

é definida como o número de relatórios relevantes<br />

identificados, dividindo pelo número total de relatórios<br />

relevantes existentes e a precisão e especificidade estabelecem<br />

a parte da literatura que deve ser considerada<br />

não relevante (negativos ou excluídos). A sensibilidade<br />

calculada para os estudos em análise foi de 31% (97/320)<br />

e a precisão e especificidade de 3% (223+80/881), sendo<br />

considerada normal entre 2 e 3%.<br />

Resultados<br />

Recorrendo ao motor de busca acima referido, foram identificados<br />

872 artigos, aos quais se juntaram 9 disponíveis na<br />

biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do }<br />

50 51


GH estudo<br />

Porto, o que contabilizou um total de 881 artigos.<br />

Foram retirados os artigos duplicados, do que resultou uma<br />

seleção de 320 (36%), a submeter à avaliação dos títulos,<br />

resumos e conclusões. Deste conjunto foram excluídos 292<br />

por não cumprirem os critérios de elegibilidade, permanecendo<br />

para leitura do texto completo 97 artigos, trabalho<br />

que foi realizado pelos dois investigadores.<br />

Após a avaliação do texto completo, foram ainda excluídos<br />

66 estudos por não apresentarem referência à fragilidade física<br />

e 15 por não incluírem ferramentas de avaliação.<br />

Finalmente, foram admitidos para análise de revisão sistemática<br />

16 estudos publicados entre 2014 e 2018, que<br />

abrangeram 440.079 participantes e apresentam 26 escalas.<br />

O Quadro 3 inclui os 16 trabalhos admitidos, apresentando:<br />

a respetiva identificação pelo primeiro autor; o desenho<br />

do estudo; o ano em que foi publicado; o país de<br />

origem; o contexto em que foi desenvolvido; a idade dos<br />

participantes ou a sua idade média; o número e tipo de<br />

escalas usadas para identificar a fragilidade e se a investigação<br />

foi efetuada no hospital ou na comunidade.<br />

No que respeita ao desenho, foram encontrados 9 estudos<br />

de coorte (56%), 5 revisões (31,2%), um estudo transversal<br />

e um ensaio clínico. Quanto ao país de origem dos<br />

Escala/<br />

Índice<br />

Tipo de<br />

medida:<br />

clínica/<br />

rastreio<br />

País<br />

origem<br />

Quadro 4: Das escalas/instrumentos.<br />

Tempo<br />

(min)<br />

FI-CGA Clínica Canada


GH estudo<br />

nios predominantemente físicos, mas também surgiram<br />

igualmente escalas que consideravam fatores de ordem<br />

psicológica, social e ambiental. A associação da fragilidade<br />

com fatores sociais tem sido amplamente reconhecida,<br />

sendo que o isolamento social também está significativamente<br />

associado à mortalidade.<br />

Um dos pontos de relevância no contexto do diagnóstico<br />

da fragilidade é a utilização de abordagens amplas, uma<br />

vez que o foco exclusivo em problemas físicos pode levar<br />

à fragmentação do cuidado ao idoso. 36<br />

Na avaliação e na estratificação da fragilidade nos idosos<br />

é, portanto, aconselhável incluir as diferentes dimensões,<br />

nomeadamente as condições sociais e ambientais. No<br />

cenário clínico, onde a fragilidade assume importância inquestionável,<br />

o desafio atual consiste em operacionalizar<br />

o conceito e facilitar seu reconhecimento. 4<br />

Muitos idosos preferem permanecer nas suas próprias<br />

casas pelo máximo de tempo possível, em vez de envelhecerem<br />

em lares e casas de repouso, devido aos aspetos<br />

psicossociais favoráveis de permanecerem no seu<br />

ambiente e à possibilidade de gozarem de maior autonomia.<br />

Nestes contextos, os instrumentos que identificam a<br />

pré-fragilidade ou a fragilidade e os seus fatores de risco<br />

devem ser utilizados precocemente, pois a incapacidade<br />

resultante da fragilidade pode ser tratada, com um prognóstico<br />

mais positivo. Intervenções adequadas e na fase<br />

inicial da fragilidade tornam-se mais eficazes quando aplicadas<br />

em idosos. 37<br />

É ainda necessário considerar que a fragilidade é um processo,<br />

caracterizado por frequentes transições ao longo do<br />

tempo, sendo a probabilidade de transição para estados<br />

de maior fragilidade superior às transições para estados de<br />

menor fragilidade e a possibilidade de transição de “muito<br />

frágil” para um “estado robusto” extremamente baixa. 38<br />

O aumento do número de idosos frágeis conduz ao aumento<br />

da fragilidade na comunidade. E uma comunidade<br />

frágil gera um aumento do consumo de cuidados e um<br />

aumento da despesa pública com dependência de cuidadores.<br />

Trata-se de um novo conceito a desenvolver: a de<br />

fragilidade das comunidades, decorrente das fragilidades<br />

individuais e que carece de identificação e estratificação<br />

dos grupos de população frágil.<br />

São vários os cenários onde a avaliação da fragilidade pode<br />

ser realizada: nos cuidados de saúde primários, unidades<br />

de agudos, serviços de urgência, unidades de trauma,<br />

hospitais, enfermarias, consultas de especialidade dos hospitais<br />

e ACEs, unidades de reabilitação, unidades de diálise;<br />

cuidados ao domicílio, na rede nacional de cuidados<br />

continuados, lares ou casas de repouso, na comunidade,<br />

em todos espaços e lugares.<br />

Conclusão<br />

A fragilidade é uma condição de saúde heterogénea, progressiva<br />

e complexa, que pode ser prevenida e tratada.<br />

A sua avaliação precoce e a estratificação de risco para a<br />

saúde é a base indispensável para se assegurar a conceção<br />

e o desenvolvimento de planos de cuidados dimensionados<br />

para as reais necessidades do doente, com o objetivo<br />

de reverter o seu estádio.<br />

No cenário clínico, a fragilidade assume importância inquestionável,<br />

sendo o desafio atual operacionalizar o conceito<br />

e facilitar o seu reconhecimento usando instrumentos que<br />

identificam a pré-fragilidade. No entanto, não existe ainda<br />

uma medida internacional padrão e consensual para avaliar<br />

a fragilidade. Algumas medidas são mais adequadas para o<br />

rastreio da fragilidade ao nível da comunidade e outras para<br />

ambiente hospitalar.<br />

A utilidade de abordagens multidisciplinares reveste-se de<br />

grande relevância no contexto da fragilidade, uma vez que<br />

o foco exclusivo em problemas físicos pode levar à fragmentação<br />

do cuidado ao idoso. 36 As relações sociais desempenham<br />

um papel central no bem-estar humano e<br />

estão diretamente envolvidas na manutenção da saúde. 39<br />

Sendo previsível que, em Portugal, os profissionais de saúde<br />

optem preferencialmente por um instrumento adequado<br />

ao contexto de seu trabalho que inclua uma escala<br />

simples e fácil de aplicar, considera-se que aqueles que oferecem<br />

melhores condições são o TFI e a CFS, os quais deverão<br />

com vantagens ser traduzidos e adaptados à população<br />

portuguesa e usados na população portuguesa.<br />

Recomendações<br />

Para o futuro da prestação de cuidados de saúde individualizados<br />

e complexos ao idoso será indispensável a<br />

avaliação clínica da Síndrome de Fragilidade. Para tal recomendam-se<br />

tomar uma de três decisões alternativas:<br />

1. Criar um consenso generalizado, para disponibilizar, de<br />

entre os instrumentos existentes, aquela que seja considerada<br />

padrão, não só com o objetivo da investigação,<br />

como da prática clínica diária, e que irá permitir estudos<br />

comparativos internacionais de prevalência de fragilidade<br />

e do seu atendimento.<br />

2. Desenvolver um novo instrumento de medida padrão,<br />

que tenha por base uma operacionalização consensual do<br />

conceito e se associe a uma escala universalmente aceite.<br />

3. Enquanto não se alcança o desejado consenso, e tendo<br />

em conta a complexidade do doente idoso e do diagnóstico<br />

de fragilidade, recomenda-se o recurso a uma ferramenta<br />

de diagnóstico clínico e a uma outra de triagem<br />

multidisciplinar, sendo possível realizar esses procedimentos<br />

em duas etapas: primeira etapa - triagem multidimensional,<br />

para todos os indivíduos idosos; segunda etapa -<br />

avaliação apenas para os frágeis. 23<br />

Agradecimentos<br />

Agradecemos a todos os intervenientes, nomeadamente<br />

ao Dr. Hélder Reis e à Prof.ª Dra. Susana Arranhado.<br />

Conflitos de Interesses<br />

Não se identificaram conflitos de interesses. Ã<br />

1. Direção Geral de Saúde. Depressão e outras Perturbações Mentais Comuns.<br />

Direção-Geral da Saúde. 2017;1-104.<br />

2. Turismo TDO, Demogr S, Regi NAS, Portuguesas ES, Territorial R, Territorial R,<br />

et al. Retrato Territorial de Portugal Edição 2017. 2017;1-18.<br />

3. Morley JE, Vellas B, Abellan van Kan G, Anker SD, Bauer JM, Bernabei R, et<br />

al. Frailty consensus: A call to action. J Am Med Dir Assoc (Internet). 2013;14<br />

(6):392-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.jamda.2013.03.022<br />

4. Morley JE, Vellas B, Kan GA van, et al. Frailty consensus: A call to action. J Am<br />

Med Dir Assoc. 2013;14:392-7.<br />

5. Gale CR, Westbury L, Cooper C. Social isolation and loneliness as risk factors<br />

for the progression of frailty: The English Longitudinal Study of Ageing. Age Ageing.<br />

2018;47(3):392-7.<br />

6. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J et al, Fried<br />

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8. Shamliyan T, Talley KMC, Ramakrishnan R, Kane RL. Association of frailty with<br />

survival: A systematic literature review. Ageing Research Reviews. 2013.<br />

9. Rochat S, Cumming RG, Blyth F, Creasey H, Handelsman D, Le Couteur DG, et al.<br />

Frailty and use of health and community services by community-dwelling older men:<br />

The Concord Health And Ageing in Men Project. Age Ageing. 2010;39(2):228-33.<br />

10. M.Gagesch, H-A.Bischoff-Ferrari BV. Head-to-head compariso of Fralty Prevalence<br />

by instroment in 5 DO-Heath countries,. 2018;1(July):3901295.<br />

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and Ageing. 2015.<br />

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mental health knowledge: A systematic review. BMC Psychiatry. 2016.<br />

26. Mokkink LB, Prinsen CAC, Bouter LM, de Vet HCW, Terwee CB. The Consensus-based<br />

standards for the selection of health measurement Instruments (COS-<br />

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27. Lefebvre C, Glanville J, Wieland LS, Coles B, Weightman AL. Methodological developments<br />

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96b16aa52a856b510cc<br />

28. Part 1 - Finding the Best Clinical Evidence. 3(3):10-26.<br />

29. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. PRISMA<br />

extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): Checklist and explanation. Ann Intern<br />

Med. 2018;169(7):467-73.<br />

30. Clegg A, Young J, Iliffe S, et al. Frailty in elderly people. Lancet. 2013;381:752-62.<br />

31. Indicate N. Newcastle-Ottawa Quality Assessment Form for Cohort Studies:17-8.<br />

32. Donato H, Donato M. Etapas na Condução de uma Revisão Sistemática. Acta<br />

Med Port. 2019;32(3):227.<br />

33. Zeng X, Zhang Y, Kwong JSW, Zhang C, Li S, Sun F, et al. The methodological<br />

quality assessment tools for preclinical and clinical studies, systematic review and<br />

meta-analysis, and clinical practice guideline: A systematic review. J Evid Based Med.<br />

2015;8(1):2-10.<br />

34. Kojima G. Frailty as a predictor of hospitalisation among community-dwelling<br />

older people: A systematic review and meta-analysis. Journal of Epidemiology and<br />

Community Health. 2016.<br />

35. Green S. Cochrane Handbook for Systematic Reviews. 2008.<br />

36. Gobbens RJ, Assen MA van, Luijkx KG, et al. The Tilburg Frailty Indicator: Psychometric<br />

properties. J Am Med Dir Assoc. 2010;11:344-55.<br />

37. Hardy SE, Dubin JA, Holford TR, Gill TM. Transitions between States of Disability<br />

and Independence among Older Persons. 2005;161(6):575-84.<br />

38. Gill TM, Gahbauer EA, Allore HG, Han L. Transitions between frailty states<br />

among community-living older persons. Arch Intern Med. 2006;166:418-23.<br />

39. Steptoe A, Shankar A, Demakakos P, Wardle J. Social isolation, loneliness, and<br />

all-cause mortality in older men and women. 2013;110(15):5797-801.<br />

54 55


GH voz do cidadão<br />

ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE<br />

PARA ALÉM DA COVID-19<br />

Isabel Saraiva<br />

Presidente da RESPIRA<br />

RESPIRA - Associação Portuguesa de Pessoas<br />

com DPOC e Outras Doenças Respiratórias<br />

Crónicas (www.respira.pt) é uma Instituição<br />

Particular de Solidariedade Social (IPSS)<br />

A<br />

1. fundada há catorze anos por um grupo de<br />

pessoas que, apoiando-se no estímulo de diversos médicos<br />

pneumologistas, decidiu tomar em mãos a defesa<br />

dos seus direitos como doentes, a promoção da saúde<br />

respiratória, e o acesso aos cuidados de saúde.<br />

A defesa dos interesses e direitos das pessoas com Doenças<br />

Respiratórias Crónicas, a informação a diversos públicos<br />

(média, escolas, associações profissionais, etc.), a colaboração<br />

com os profissionais de saúde em matéria de<br />

promoção da saúde, assim como o desenvolvimento de<br />

um trabalho consistente na área da prevenção e tratamento<br />

das Doenças Respiratórias Crónicas, são o enquadramento<br />

da ação e a razão de ser da RESPIRA.<br />

Estes objetivos obrigam a que a RESPIRA tenha uma presença<br />

ativa nas atividades seguintes:<br />

• Área da Prevenção Tabágica, com uma chamada de<br />

atenção especial para os efeitos do tabagismo na mulher<br />

e na criança.<br />

• Área da Vacinação, com a fundação do MOVA - Movimento<br />

dos Doentes pela Vacinação e todo o trabalho<br />

nele desenvolvido, incluindo a defesa da ideia da necessidade<br />

de a vacinação ser gratuita para todos os portugueses<br />

com idade igual ou superior a 65 anos.<br />

• Na área das questões Ambientais, o que, constituindo<br />

uma preocupação permanente, tem levado a RESPIRA a<br />

colaborar não só em ações de defesa da qualidade do ar<br />

exterior mas também da qualidade do ar das habitações.<br />

• Através de recomendações persistentes para o desenvolvimento<br />

e acessibilidade aos programas de Reabilitação<br />

Respiratória, enquanto programas de intervenção<br />

não farmacológica da maior valia para a qualidade de vida.<br />

Todas estas diversas intervenções e variadas colaborações<br />

em projetos têm em comum a permanente atenção<br />

aos direitos das pessoas com DPOC e outras Doenças<br />

Respiratórias Crónicas, bem como às necessidades dos<br />

familiares e cuidadores. No site da Associação na internet<br />

(www.respira.pt) e na sua página no Facebook - que a RES-<br />

PIRA procura manter sempre atualizados - podem ser encontradas<br />

informações que têm valia não só para a comunidade<br />

dos doentes, mas também para o público em geral.<br />

2. A declaração do Estado de Emergência e a declaração<br />

de suspensão da atividade assistencial não urgente, em<br />

março de 2020, vieram acrescentar preocupações e, posteriormente,<br />

ações às tradicionais atividades da RESPIRA.<br />

A importância e dimensão das Doenças Respiratórias<br />

Crónicas foi logo sinalizada quando, no diploma que<br />

decretou o Estado de Emergência, se recomendou um<br />

dever geral de recolhimento domiciliário para as pessoas<br />

com Doença Respiratória Crónica, dando a indicação do<br />

risco que corriam e correm.<br />

Ainda não tinha passado o espanto que causou a declaração<br />

do Estado de Emergência e a obrigatoriedade<br />

de confinamento, quando foi divulgada a informação de<br />

que a atividade assistencial não urgente tinha sido suspensa,<br />

isto é, os tratamentos, as consultas, os actos de<br />

diagnóstico, as intervenções cirúrgicas tinham sido adiados<br />

ou cancelados.<br />

Para as doenças crónicas os cuidados de saúde têm de<br />

ser regulares. As características e evolução da doença a<br />

isso obriga e ficar sem este acesso continuado, teve (e<br />

tem) uma repercussão profunda na vida das Pessoas com<br />

Doenças Crónicas. O desamparo e o medo aliados às dúvidas<br />

sobre como e de que forma se podia fazer frente à<br />

pandemia, deixaram um traço de que dificilmente os doentes<br />

se libertarão. Entre março e maio de 2020 - data em<br />

que formalmente foi retomada a atividade assistencial - a<br />

ajuda e o acompanhamento dos cuidados de saúde vieram<br />

quase exclusivamente através do telefone, quebrando<br />

o isolamento e dentro dos condicionalismos e restrições<br />

que vigoravam, prestando apoio aos doentes crónicos.<br />

À suspensão dos atos médicos e à forma mitigada de<br />

prestação de cuidados de saúde referidas, há que juntar a<br />

perceção do risco de infeção, o medo que se instalou de<br />

recorrer aos serviços de saúde, a disseminação de notícias<br />

falsas sobre a Covid-19, sobre as curas fraudulentas e as<br />

meias verdades sobre a pandemia.<br />

E é fácil de perceber - se nos recordarmos da informação<br />

que nos entrava em casa através de reportagens dramáticas<br />

sobre os efeitos devastadores da pandemia nos serviços<br />

de saúde, nas residências dos mais velhos, na economia,<br />

no emprego, em resumo nas nossas vidas - que ficámos a<br />

viver temerosos, num tempo suspenso e sem fim à vista.<br />

E os números dessa suspensão começaram a aparecer.<br />

A métrica em alguns casos atinge o patamar dos milhões,<br />

noutros a de dezenas de milhares. Mas sempre valores esmagadores<br />

pela dimensão, pela incógnita da recuperação,<br />

pela aflição que comportam. É preciso perceber que todos<br />

e cada um destes números têm rosto e nome, diagnóstico<br />

adiado, intervenção retida, cuidados cancelados.<br />

Mesmo quando em maio de 2020 se recomendaram reagendamentos<br />

com normas de segurança e a utilização de<br />

meios não presenciais, mesmo assim, a dificuldade de acesso<br />

aos estabelecimentos de saúde entrou no nosso quotidiano.<br />

As queixas ouvidas de telefones nunca atendidos, de correio<br />

eletrónico sem resposta, da dificuldade de obter prescrições,<br />

juntaram-se aos relatos, infelizmente menos frequentes, de<br />

um atendimento de excelência e de um acesso tranquilo,<br />

quase normal, aos cuidados de que tanto precisamos.<br />

3. E quase sem percebermos entrámos em <strong>2021</strong>, esperançosos<br />

com a chegada das vacinas mas logo com uma<br />

aflição ainda maior, com imagens mais angustiantes, mensagens<br />

dramáticas, numa agonia de números nos quais<br />

revivemos o medo dos primeiros tempos da pandemia.<br />

Com um ritmo de vacinação demasiado lento para as<br />

nossas expetativas e para a nossa ansiedade, assaltados<br />

por dúvidas, assistimos a discussões científicas cujo alcance<br />

dificilmente nos chega e percebemos que a atividade assistencial<br />

não Covid-19 tinha de novo sido suspensa.<br />

No momento em que escrevo, não se conhecem números<br />

resultantes desta interrupção mas suspeita-se de que,<br />

mais uma vez, os valores serão de uma dolorosa grandeza.<br />

Precisamos de uma comunicação objetiva e realista sobre<br />

quando e onde seremos vacinados. Precisamos de informação<br />

quantitativa e qualitativa: quantos atos médicos<br />

foram adiados, de que tipo, onde. Precisamos de saber<br />

como se reorganizarão os serviços. Precisamos de saber<br />

como seremos informados do agendamento dos cuidados.<br />

Precisamos que se perceba que ao peso da doença é<br />

de uma enorme injustiça juntar a carga da incerteza. Suspeitamos<br />

todos que as consequências da pandemia no<br />

campo da saúde, da economia, do trabalho perdurarão<br />

no tempo. Sabemos pouco, ainda, sobre as sequelas de<br />

vária natureza, que podem ter efeitos severos na saúde e<br />

na qualidade vida de quem viveu a infeção.<br />

Precisamos de mais investigação, de mais conhecimento,<br />

de mais preparação, e de mais recursos humanos e financeiros.<br />

Precisamos de quase tudo para retomarmos um<br />

ritmo humano de vida. Ã<br />

56


GH ESPAÇO ENSP<br />

REAPROXIMAR OS DOENTES<br />

NÃO-COVID DOS SERVIÇOS<br />

DE SAÚDE NO CONTEXTO<br />

DA PANDEMIA<br />

Ana Rita Goes<br />

Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa<br />

(ENSP-NOVA), Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP)<br />

& Comprehensive Health Research Centre (CHRC)<br />

A<br />

pandemia por Covid-19 tem levado<br />

ao cancelamento de um grande volume<br />

de atividade clínica não urgente,<br />

de forma a responder à grande sobrecarga<br />

colocada sobre os serviços de<br />

saúde pelos doentes infetados com SARS-CoV-2. Este<br />

foco dos serviços nos doentes Covid tem sido motivo<br />

de preocupação, pelos impactos a curto, médio e longo<br />

prazo nas doenças não-Covid. De forma concomitante,<br />

os dados que têm sido divulgados sugerem também um<br />

aumento dos episódios de cancelamento da atividade<br />

programada (por exemplo, consultas e cirurgias eletivas)<br />

por iniciativa do utente. O Barómetro Covid-19: Opinião<br />

Social apresentou já resultados precisamente neste sentido,<br />

mostrando que cerca de 15 a 20% dos participantes<br />

reportam ter decidido não ir a uma consulta médica e<br />

cerca de 30 a 40% evita agendar ou adia cuidados de saúde<br />

não urgentes por receio de contrair Covid-19 (https://<br />

barometro-covid-19.ensp.unl.pt/opiniao-social/). À medida<br />

que os casos de Covid-19 reduzem, as instituições<br />

planeiam a retoma da atividade clínica não urgente. Neste<br />

âmbito, é importante considerar-se não apenas os<br />

aspetos relacionados com a organização dos serviços,<br />

mas também o desafio de recuperar a confiança dos<br />

utentes. O investimento numa estratégia de comunicação<br />

externa, que permita trazer clareza e apaziguar as<br />

preocupações dos utentes, pode catalisar uma mudança<br />

positiva e ajustar a procura e utilização de cuidados às<br />

necessidades de saúde. A boa notícia é que as ferramen-<br />

tas habituais de uma comunicação efetiva também funcionarão<br />

aqui.<br />

O primeiro passo neste movimento de recuperação da<br />

confiança dos utentes passa pelo reconhecimento do<br />

problema. Por muito que as instituições tenham adotado<br />

medidas para minimizar o risco e por muito que considerem<br />

que são seguras para o doente não-Covid, é preciso<br />

lembrar que as decisões das pessoas não são apenas<br />

determinadas por mecanismos racionais e lógicos, mas<br />

também por mecanismos intuitivos e emocionais. Ora,<br />

a resposta mais intuitiva para uma situação em que se<br />

sente medo ou preocupação é o evitamento da ameaça.<br />

Desta forma, quando cancela ou adia, o utente sente que<br />

se está a proteger de uma ameaça, seja ela real ou não.<br />

Por outro lado, esta perceção de ameaça foi ainda mais<br />

alimentada ao longo das últimas semanas, com os relatos<br />

da situação difícil que têm vivido os hospitais, muitas<br />

vezes “coloridos” com ideias de caos e desnorte dentro<br />

dos serviços. Por outro lado, é importante levar em conta<br />

que a demora na obtenção de cuidados de saúde é,<br />

em qualquer circunstância, um fator que influencia a adesão<br />

posterior a esses cuidados. Portanto, não basta que<br />

a instituição tenha conseguido garantir a segurança dos<br />

utentes, é preciso aceitar que é necessário promover essa<br />

perceção de segurança junto dos mesmos e, nalguns<br />

casos, também a perceção de necessidade de cuidados.<br />

Em seguida, para a definição da estratégia de comunicação<br />

externa, é preciso conhecer bem o problema e as<br />

audiências. É necessário monitorizar o tipo de serviços<br />

que estão a ser cancelados ou adiados e as características<br />

dos utentes que estão a tomar esta decisão. Adicionalmente,<br />

é preciso explorar as perceções dos utentes (por<br />

exemplo, perceções de confiança e segurança no serviço,<br />

motivos e preocupações que levam ao cancelamento),<br />

podendo socorrer-se de questionários, mas também<br />

de informação registada no ato do cancelamento ou<br />

adiamento. O essencial aqui é ouvir, dar voz às preocupações<br />

dos utentes e encontrar forma de sistematizar<br />

esta informação. A análise destes dados permitirá definir<br />

o que se pretende mudar de forma mais específica e<br />

quem são as audiências visadas.<br />

No que se refere às mensagens e meios de comunicação,<br />

como em qualquer circunstância, uma comunicação<br />

aberta, honesta e frequente contribui para desenvolver<br />

a confiança. O contexto de uma pandemia, em que a<br />

incerteza, o stress e a ansiedade são elevados, favorece<br />

uma espécie de visão em túnel, em que as pessoas se<br />

focam apenas no presente, podendo ter dificuldade em<br />

transitar para um “novo normal”. Nestas condições, é<br />

ainda mais importante garantir a transparência, orientar<br />

e dar significado ao que está a acontecer. Não basta garantir<br />

às pessoas que o serviço de saúde é seguro, é necessário<br />

fornecer informação sobre o que está a ser feito<br />

para as manter seguras. As pessoas parecem valorizar<br />

particularmente informação sobre os fluxos de doentes,<br />

medidas para facilitar o distanciamento e rotinas de testagem<br />

(em situações de realização de procedimentos). Por<br />

outro lado, é importante garantir que circula informação<br />

clara sobre o plano de reagendamento da atividade que<br />

tenha estado suspensa, para que os utentes sintam que é<br />

atribuída importância às suas necessidades de saúde, “reconciliando-se”<br />

com os serviços. No caso de cirurgias, é<br />

importante fornecer um plano detalhado de cada etapa<br />

do processo, que ajude o utente e a família a perceberem<br />

o que irá acontecer e como devem proceder. É<br />

também importante ser transparente quanto às taxas de<br />

infeção no contexto de saúde em questão: pior do que<br />

ficar preocupado com informação verdadeira é receber<br />

essa informação de outras fontes, como se estivesse a<br />

ser ocultada. Mas, mais importante do que seguir estas<br />

pistas para mensagens relevantes, é fundamental ouvir os<br />

utentes e dar-lhes a informação que precisam quando<br />

precisam, reconhecendo que as necessidades de infor- }<br />

58 59


GH ESPAÇO ENSP<br />

“<br />

A RETOMA DA ATIVIDADE ELETIVA<br />

NÃO DEPENDE APENAS DOS RECURSOS<br />

E ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE.<br />

NA VERDADE, PODEMOS ESTAR A SOBRESTIMAR<br />

A RAPIDEZ OU FACILIDADE COM QUE<br />

OS UTENTES RETOMARÃO O CONTACTO<br />

PRESENCIAL COM OS SERVIÇOS E,<br />

EM PARTICULAR, A REALIZAÇÃO<br />

DE PROCEDIMENTOS ELETIVOS.<br />

É IMPORTANTE ANTECIPAR AS BARREIRAS<br />

QUE PODERÃO INTERFERIR COM ESTA RETOMA<br />

E DESENVOLVER ESTRATÉGIAS PARA ATIVAR<br />

O ENVOLVIMENTO DOS UTENTES.<br />

”<br />

mação evoluem ao longo de uma crise. Não é nunca<br />

demais salientar a importância de fornecer informação<br />

de forma simples e clara.<br />

Em relação aos meios, é importante tirar partido dos<br />

diferentes canais e veículos que estão ao alcance da instituição,<br />

para disseminar as mensagens de forma consistente<br />

e frequente, socorrendo-se dos canais oficiais da<br />

instituição (cartas e mensagens de texto enviadas aos<br />

utentes com o agendamento; contactos telefónicos realizados<br />

nesse contexto, por iniciativa da instituição ou<br />

do utente; contactos realizados com os profissionais de<br />

saúde; redes sociais; painéis informativos), mas também<br />

de canais privilegiados na comunidade (por exemplo,<br />

do poder local e de instituições e serviços que prestam<br />

cuidados na comunidade) e da comunicação social. A<br />

escolha mais específica do tipo de canal e veículo terá<br />

de levar em consideração as características das audiências<br />

identificadas previamente. Por outro lado, na própria<br />

instituição, é preciso dar visibilidade a medidas que para<br />

o leigo podem ser invisíveis, assinalando-as nos contextos<br />

em que são implementadas. Na seleção dos meios,<br />

a palavra de ordem é garantir o alcance e a exposição<br />

da audiência, criando um movimento de construção da<br />

confiança que envolva os atores da instituição, mas também<br />

a comunidade.<br />

Naturalmente, tratando-se de confiança, a comunicação<br />

com os profissionais de saúde de referência assume<br />

aqui um papel central. Neste sentido, é importante dar<br />

espaço ao utente para partilhar as suas preocupações<br />

e não as desvalorizar. Pelo contrário, o profissional de<br />

saúde deve validar essas preocupações, reconhecendo<br />

que muitas das mensagens que têm sido disseminadas<br />

favorecem uma visão negativa acerca dos cuidados de<br />

saúde, e depois fornecer informação sobre o que está<br />

a ser feito para minimizar o risco. Esta informação deve<br />

ser tão personalizada quanto possível, ajudando o utente<br />

a “visualizar” o seu percurso na instituição e todos os<br />

cuidados associados a cada etapa desse percurso. Finalmente,<br />

é preciso apoiar a tomada de decisão, com informação<br />

específica sobre os riscos e benefícios de receber<br />

os cuidados de saúde naquele momento em particular.<br />

A retoma da atividade eletiva não depende apenas dos<br />

recursos e organização dos serviços de saúde. Na verdade,<br />

podemos estar a sobrestimar a rapidez ou facilidade<br />

com que os utentes retomarão o contacto presencial<br />

com os serviços e, em particular, a realização de procedimentos<br />

eletivos. É importante antecipar as barreiras que<br />

poderão interferir com esta retoma e desenvolver estratégias<br />

para ativar o envolvimento dos utentes. Neste<br />

sentido, é preciso considerar a forma como os indivíduos<br />

podem colocar em confronto o risco de exposição à<br />

Covid-19 e/ou as preocupações com a capacidade dos<br />

serviços para atenderem às suas necessidades com os benefícios<br />

de avançar com um procedimento eletivo. Este<br />

balanço dependerá de muitas variáveis, como a natureza<br />

das necessidades de saúde (por exemplo, severidade ou<br />

impacto) ou o tipo de resposta associado (por exemplo,<br />

ambulatório vs internamento), e concretizar-se-á em decisões<br />

diversas. Uma primeira vaga de doentes avançará<br />

independentemente da sua perceção de risco porque<br />

estão desesperados para dar resposta às suas necessidades<br />

de saúde, seja pela ameaça que representam seja<br />

pelo nível em que interferem com as atividades do dia<br />

a dia. Uma segunda vaga poderá incluir aqueles que se<br />

sentem seguros porque consideram que o seu risco de<br />

infeção é baixo ou que o procedimento acarreta poucos<br />

riscos e requer pouco seguimento. Haverá depois um<br />

conjunto de indivíduos que se sentem menos seguros<br />

(ou menos desesperados pelo procedimento) que precisarão<br />

de um encorajamento adicional para avançar com<br />

os seus procedimentos. Finalmente, é preciso considerar<br />

um potencial último grupo para o qual esse encorajamento<br />

não será suficiente e que só avançará quando<br />

sentir que a ameaça está controlada, nomeadamente<br />

porque a vacina fez o seu papel. Qualquer um destes grupos<br />

terá preocupações e necessidades de informação e<br />

a recuperação da sua confiança exige uma resposta ajustada<br />

à sua diversidade. Ã<br />

Daniel S., RO<br />

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doentes com insuficiência cardíaca podem desenvolver doença renal, assim como<br />

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nossa experiência em nefrologia e em cardiologia. Ao abordarmos a necessidade<br />

não satisfeita na área cardiorrenal, ajudamos os doentes de todo o mundo a viverem<br />

vidas melhores e mais saudáveis.<br />

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60 61<br />

PT-NA-2100002


GH direito biomédico<br />

RESPONSABILIDADE EM SAÚDE<br />

PÚBLICA NO MUNDO LUSÓFONO:<br />

FAZENDO JUSTIÇA DURANTE E<br />

ALÉM DA EMERGÊNCIA DA COVID<br />

André Dias Pereira<br />

Professor da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra;<br />

Diretor do Centro de Direito Biomédico; Investigador do Instituto<br />

Jurídico, Investigador principal do Projeto - WHO ERC<br />

Catarina de Almeida<br />

Licenciada e Mestranda em Direito, Faculdade de Direito,<br />

Universidade de Coimbra;<br />

Investigadora júnior do Projeto - WHO ERC<br />

Corria o ano de 2020 quando o mundo foi<br />

assolado pela pandemia da Covid-19. É<br />

certo que outras estirpes virais se haviam<br />

afirmado no século XXI como grandes<br />

potenciadoras de prejuízos humanos e<br />

materiais. Como esquecer a “primaˮ SARS, em 2003,<br />

tão mortal e assustadora, mas que felizmente não se dava<br />

com o calor? Ou a gripe A, em 2009, (gerada pelo famoso<br />

H1N1 pdm09) que terá dizimado cerca de meio<br />

milhão de pessoas, sobretudo crianças e jovens, no seu<br />

primeiro ano de propagação? A Covid-19 apanhou o<br />

mundo de surpresa, gerou de imediato insegurança,<br />

tensões e instabilidade a nível interno e externo nos<br />

países, que deixaram cicatrizes profundas que perdurarão<br />

muito além da crise epidémica e revelou sobretudo<br />

as fragilidades dos sistemas de saúde à escala mundial,<br />

que ficaram perto do colapso, a insuficiência da atuação<br />

política internacional, e alertou para a grande responsabilidade<br />

dos Estados em estruturar sistemas de saúde<br />

eficientes, que proporcionem às populações o acesso<br />

a tratamentos em tempo útil e que respeitem a figura<br />

do profissional de saúde. O veículo para preparar uma<br />

emergência de saúde pública é, principalmente, o legislativo<br />

e o regulamentar: em Portugal, como em outros<br />

países, desde as medidas iniciais de aquisição de material<br />

de proteção individual para os hospitais no sentido de<br />

reforçar os seus stocks (Despacho n.<strong>º</strong> 3219/2020, de 3<br />

de março) à implementação, para dar resposta a esta<br />

pandemia, de um plano nacional de vacinação contra a<br />

Covid-19 (Portaria n<strong>º</strong> 298-B/2020, de 23 de dezembro),<br />

o mundo jurídico emerge de mãos dadas com o mundo<br />

da saúde pública.<br />

Para além dos múltiplos problemas de alocação de recursos<br />

que a pandemia suscitou (desde os humanos,<br />

como profissionais de saúde, aos materiais, como camas<br />

nos cuidados intensivos, ventiladores, equipamento<br />

de proteção individual, testes de diagnóstico, medicamentos,<br />

vacinas, etc.), muitas outras questões éticas<br />

emergiram no contexto internacional: questionou-se a<br />

legitimidade de se suspenderem as visitas hospitalares<br />

a doentes não-Covid e as visitas a lares, de se protelarem<br />

tratamentos e ações de rastreio igualmente urgentes<br />

como de combate ao cancro, de se cancelarem<br />

sistematicamente consultas de rotina nomeadamente<br />

de doentes com patologias crónicas e graves, de se<br />

criarem protocolos de atuação nos hospitais, definindo<br />

prioridades de atendimento, quiçá comprometedoras<br />

do acesso a cuidados por idosos ou populações mais<br />

vulneráveis, de se relegarem as crianças e jovens para o<br />

ensino à distância, sem garantias de igualdade no acesso<br />

a conteúdos transmitidos online, de se criarem e imporem<br />

mecanismos de rastreio digital (como a aplicação<br />

StayAway Covid em Portugal, potencialmente lesiva de<br />

direitos constitucionalmente garantidos, mesmo tida<br />

em consideração a declaração de Estado de Emergência)<br />

ou de se limitarem direitos de culto religioso ou<br />

de circulação dentro e entre Estados. Existem questões<br />

cujo impacto indubitavelmente se estenderá para além<br />

da Covid-19: a saúde mental dos cidadãos, há mais de<br />

um ano orientados para se manterem em recolhimento<br />

domiciliário, em formato de completo confinamento ou<br />

similar, bem como das crianças cuja idade mais fértil para<br />

adquirir conhecimentos, experiências e potenciar capacidades<br />

de interação social coincidiu com estes mais de<br />

12 meses de pandemia, são problemas que vão perseguir<br />

e condicionar as opcões políticas dos próximos<br />

anos e cujas repercussões ainda estão por avaliar; sem<br />

deixar de mencionar o catastrófico impacto económico<br />

da pandemia, transversal a todos os Estados.<br />

Perante este contexto, a Organização Mundial de Saúde<br />

teve o ensejo de, em outubro de 2020, promover<br />

uma iniciativa dirigida aos investigadores interessados<br />

nos assuntos da área da saúde pública, convidando-os a<br />

apresentarem propostas que focassem precisamente na<br />

avaliação ética da preparação e resposta a emergências<br />

de saúde pública 1 . A Covid-19 atingiu uma dimensão<br />

universal que é, indiscutivelmente, o seu traço caraterizador,<br />

que a distingue das sazonais epidemias de gripe.<br />

A perspetiva de elaborar propostas de legislação e regulamentares,<br />

colhendo as experiências que esta pandemia<br />

proporcionou, é pertinente e oportuna e fazia<br />

superior sentido se se combinassem dados de vários<br />

países, unidos por uma história partilhada e pela língua<br />

portuguesa, comum a todos eles: Angola, Brasil, Moçambique,<br />

Portugal e a Região Administrativa Especial<br />

de Macau, da RPC.<br />

Especialistas destes países e da Região Administrativa Especial<br />

lançaram as bases para se desenvolver um estudo<br />

que combinasse a sempre relevante e mais tradicional<br />

análise teórica e concetual da mais recente legislação<br />

e bibliografia atualizada dos diferentes territórios, com<br />

um dado empírico: dados recolhidos por meio de um<br />

questionário, disponível online, endereçado a um leque<br />

de potenciais participantes, desde logo, profissionais de<br />

saúde, académicos, representantes de direitos dos pacientes<br />

e Organizações Não Governamentais, mas também<br />

funcionários públicos, que representem instâncias<br />

com importante papel nas tomadas de decisão e definição<br />

de estratégias de contenção e combate à pandemia.<br />

Os temas centrais do questionário incidem nas<br />

supra mencionadas considerações éticas que foram sendo<br />

identificadas nos últimos meses, e as perguntas incorporam<br />

duas vertentes, uma objetiva (descrição de<br />

factos, como a experiência legislativa, por exemplo) e }<br />

62 63


GH direito biomédico<br />

“<br />

ATÉ AO MOMENTO, TIRANDO O MELHOR<br />

PARTIDO POSSÍVEL DAS SESSÕES DE PARTILHA<br />

JÁ REALIZADAS, A EQUIPA TEM PROCURADO<br />

INTERPRETAR OS NÚMEROS ATUAIS<br />

DE INFETADOS E MORTOS NOS PAÍSES<br />

ENVOLVIDOS NO ESTUDO.<br />

”<br />

outra mais subjetiva (vivência da Covid da perspetiva<br />

profissional do inquirido ou opinião relativamente aos<br />

assuntos tratados). A abordagem multidisciplinar do estudo<br />

está patente não apenas no elenco de questões<br />

que integram o questionário como também no respetivo<br />

público alvo, nos colaboradores envolvidos, mas<br />

sobretudo na própria equipa que conduz o projeto:<br />

professores académicos especializados na lecionação de<br />

conteúdos de diversas áreas (Direitos da Saúde, Direitos<br />

Humanos, Filosofia do Direito, Direito Constitucional<br />

e Administrativo, entre outras), juristas e advogados,<br />

e ainda investigadores das áreas de Bioética e Biodireito.<br />

Discutidos e analisados estes dados, e envolvida a comunidade<br />

no debate das ideias da equipa por meio de<br />

um workshop, será produzido um Livro Branco, reproduzindo<br />

e tratando as questões éticas identificadas e intersecionando-as<br />

com as experiências concretas de cada<br />

sistema jurídico, que se pretende que confluam em<br />

propostas e recomendações suscetíveis de serem implementadas<br />

na prática e que criem condições para se<br />

melhorar a capacidade de resposta dos sistemas de saúde,<br />

por via de políticas legislativas viáveis, que tenham<br />

em consideração as particularidades sociais, económicas<br />

e de desenvolvimento, em geral, dos diferentes países e<br />

Região Administrativa Especial envolvidos.<br />

Como o nome do projeto indica, pretende-se que os<br />

seus outputs cheguem às comunidades destes Países Lusófonos<br />

e produzam efeitos, se não antes, depois de ultrapassada<br />

esta pandemia. É fácil compreender que mitigar<br />

os efeitos de uma doença tem, na outra face da<br />

moeda, o importante objetivo de evitar, ou pelo menos<br />

preparar devidamente a reação, nas várias frentes, a futuras<br />

pandemias, refletindo e instruindo os profissionais<br />

e populações sobre o que “correu mal” na abordagem<br />

a este vírus e enaltecendo as descobertas que foram<br />

feitas, bem como a capacidade de resposta que se conseguiu<br />

reunir numa situação de emergência.<br />

Até ao momento, tirando o melhor partido possível das<br />

sessões de partilha já realizadas, a equipa tem procurado<br />

interpretar os números atuais de infetados e mortos nos<br />

países envolvidos no estudo, destacando-se os quase<br />

10 milhões de infetados neste espaço da lusofonia, 9,3<br />

milhões só no Brasil, atribuídos, desde logo, à complacência<br />

de governantes de certas regiões, que não têm<br />

imposto e fiscalizado as medidas de contenção da propagação<br />

do vírus, questão que surge associada às dificuldades<br />

inerentes a controlar a Pandemia num país de dimensões<br />

continentais. Angola e Moçambique parecem<br />

protegidos pelo seu clima e pela atuação precoce das<br />

autoridades competentes, fator este que também surge<br />

como determinante na ação de mitigação dos efeitos<br />

da pandemia na RAEM, que contou 47 casos no seu<br />

território. Nos dois países africanos, o baixo número de<br />

casos positivos contabilizados - mesmo considerando o<br />

seu significativo incremento desde início deste ano civil -<br />

pode ser também explicado pela menor disponibilidade<br />

de testes nas populações rurais, nas quais o acesso a<br />

cuidados de saúde é limitado pelo reduzido número de<br />

instituições e profissionais de saúde, sobretudo especializados.<br />

Um vetor que tem sido decisivamente vantajoso<br />

nestes países é a utilização massiva da comunicação<br />

social, utilizada pelos Governos como ferramenta chave<br />

para educar as populações sobre a natureza e propagação<br />

da doença. Este método informativo parece ser particularmente<br />

eficaz para não sobrecarregar os cidadãos<br />

com dados numéricos e estatísticos de difícil interpretação<br />

divulgados nas notícias, que aumentam o cansaço<br />

generalizado das populações, uma realidade presente<br />

nos países envolvidos no estudo. A equipa mostrou-se<br />

favorável em vir a incluir nas suas recomendações esta<br />

opção para países como Portugal ou Brasil, onde a informação<br />

não parece estar a chegar aos cidadãos da forma<br />

mais simples e apreensível.<br />

A natureza e a tempestividade das restrições impostas,<br />

sobretudo à circulação dos residentes dentro e nas<br />

fronteiras dos países, não é uniforme em todos os Estados<br />

estudados: Moçambique, por exemplo, não chegou<br />

a ter um lockdown no modelo restritivo português de<br />

2020, enquanto a RAEM tem mantido as suas fronteiras<br />

tendencialmente encerradas desde finais de janeiro do<br />

ano passado. É da análise e comparação dos dados retirados<br />

das diferentes realidades, que a equipa pretende<br />

retirar conclusões e contribuir para o estudo da Saúde<br />

Pública no espaço da Lusofonia. Ã<br />

1. O Call for Proposals pode ser consultado em: https://www.who.int/docs/defaultsource/ethics/call-for-proposals-phephren-oct2020.pdf?sfvrsn=acd14ef2_6<br />

(Último acesso a 23/01/<strong>2021</strong>).<br />

64


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

MONITORIZAÇÃO COVID-19<br />

Afonso Pedrosa<br />

Diretor do Serviço de Inteligência de Dados<br />

Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário São João<br />

Maria João Campos<br />

Diretora do Centro de <strong>Gestão</strong> da Informação<br />

Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário São João<br />

No início de março de 2020 começaram<br />

a chegar os primeiros casos conhecidos<br />

a Portugal e ao Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário<br />

de São João (CHUSJ). Desde<br />

fevereiro que nos começamos a aperceber<br />

que iria ser fundamental a existência de uma ferramenta<br />

que permitisse gerir todos os recursos internos<br />

diretamente associados à resposta Covid-19, bem<br />

como dos recursos de toda a capacidade do Hospital.<br />

Esta monitorização teria que dar resposta à informação<br />

de procura dos recursos livres/ocupados para cada uma<br />

das áreas e, com o recurso a modelos preditivos, conseguir<br />

antecipar o conhecimento das necessidades. A<br />

monitorização foi proposta pelo Centro de <strong>Gestão</strong> de<br />

Informação 1 , composta pelo Serviço de Tecnologias de<br />

Informação e Comunicação, Serviço de Arquivo e pelo<br />

Serviço de Inteligência de Dados (SID), incluindo a missão<br />

do SID a manutenção e desenvolvimento de uma<br />

ferramenta de big data, bem como a análise de dados<br />

e a aplicação de algoritmos inteligentes sobre os dados.<br />

À data a quantidade de informação era reduzida, quer<br />

sobre a doença, meios de contágio ou os modelos organizativos<br />

já desenvolvidos em Wuhan. Assistíamos ao<br />

caos generalizado no norte de Itália, antecipando uma<br />

grande exigência organizativa interna para, de uma forma<br />

conjunta, dar resposta a uma necessidade totalmente<br />

desconhecida: Foi perceptível que teríamos que nos<br />

antecipar às necessidades de informação e ser parte<br />

da solução, contribuindo com a informação necessária<br />

para o suporte à definição e monitorização interna dos<br />

nossos processos assistenciais.<br />

Neste contexto, o desenvolvimento de um dashboard<br />

de monitorização Covid-19 foi realizado com a metodologia<br />

agille, iniciando-se pela identificação da metodologia<br />

de identificação Covid-19. No início de março,<br />

ainda sem publicações de normas orientadoras da<br />

DGS, foi nossa proposta a identificação de casos positivos<br />

a partir de resultados de Patologia Clínica, em que<br />

o doente ficava de imediato com a informação de classificação<br />

positivo/negativo, sendo rastreado em todas<br />

as áreas assistenciais, permitindo desta forma conhecer<br />

todos os casos existentes no hospital. Posteriormente,<br />

após publicação das primeiras normas orientadoras da<br />

DGS, os critérios foram ajustados incluindo-se o critério<br />

de recuperado.<br />

Iniciamos o desenvolvimento, com informação em tempo<br />

real dos acontecimentos internos, sempre com o cuidado<br />

de traçar cenários sobre a necessidade de recursos<br />

a alocar futuramente para continuado funcionamento<br />

e desenvolvimento sustentado da solução.<br />

Foi criada uma estrutura de integração de dados, com<br />

refrescamento de informação a cada 30 minutos. As<br />

fontes de dados foram o SONHO, dados do laboratório<br />

de análises no CLINIDATA, dados dos Cuidados<br />

Intensivos no B.ICU-CARE, dados do Serviço de Urgência<br />

de Adultos e de Pediatria, no ALERT e no JONE,<br />

respetivamente, dados da DGS e dados da CDC Europa.<br />

Todos estes dados foram integrados numa só base<br />

de dados, tendo-se definido a criação de um dashboard<br />

que atualiza a cada 30 minutos, construído com tecnologia<br />

de PowerBI, com áreas dedicadas que cobrem as<br />

necessidades de informação que este novo processo<br />

assistencial exigiu.<br />

O uso de algoritmos de análise preditiva permitiu ainda<br />

criar um cenário diário de previsão para infeção, internamentos<br />

e óbitos, antecipando os 7 dias subsequentes<br />

em termos de casuística prevista.<br />

Iniciamos o desenvolvimento do tabulador geral (fig. 1)<br />

e do tabulador de positivos (fig. 2).<br />

No tabulador geral é apresentada a distribuição de casos<br />

de infeção no hospital, a evolução diária e os dados<br />

por distrito, género e idade.<br />

Para os casos de doentes positivos internados no<br />

CHUSJ, foi desenvolvido o tabulador de Positivos em<br />

que são apresentados os dados dos internamentos por<br />

serviço, com distinção entre infetados, recuperados e }<br />

Figura 1: Vista geral de monitorização Covid-19.<br />

Figura 2: Vista de doentes positivos Internados por Serviço.<br />

Figura 3: Vista do fluxo de doentes na Urgência de Adultos e Pediatria.<br />

Fonte: CHUSJ<br />

Fonte: CHUSJ<br />

Fonte: CHUSJ<br />

66 67


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

“<br />

A CAPACIDADE DE RESPOSTA DO SERVIÇO<br />

DE PATOLOGIA, NOMEADAMENTE TEMPOS<br />

DE ESPERA PARA RESULTADOS, É FACILMENTE<br />

MONITORIZADA (FIG. 5), BEM COMO A ANÁLISE<br />

DA CAPACIDADE DE REALIZAÇÃO DE TESTES<br />

DAS ANÁLISES PEDIDAS INTERNAMENTE<br />

POR OUTRAS INSTITUIÇÕES, ADICIONANDO-SE<br />

AINDA INDICADORES RELATIVOS<br />

A COMUNICAÇÃO OFICIAL DE DADOS<br />

DO CHUSJ PARA O SINAVE LAB.<br />

”<br />

outros. São apresentados indicadores de produção do<br />

internamento entre doentes por nível de internamento<br />

e demora média. O desenvolvimento efetuado teve<br />

como preocupação a garantia de dois aspetos críticos:<br />

1. A expansibilidade para novas áreas no hospital;<br />

2. A adaptação automática em tempo real da informação<br />

apresentada sem necessidade de intervenção<br />

técnica para ajuste de configurações, aspetos considerados<br />

essenciais para uma resposta efetiva às necessidades<br />

informacionais.<br />

Com o desenvolvimento do tabulador das Urgências<br />

(fig. 3), passamos de imediato a conhecer os números<br />

de quem nos procurava, quantos internados e o local<br />

em que se encontravam os recursos livres/ocupados,<br />

bem como o cálculo das demoras médias que se estavam<br />

a verificar. Os dados apresentados no tabulador<br />

das Urgências refletem incidências na urgência de adultos<br />

e pediátrica, com monitorização em tempo real da<br />

distribuição dos doentes nas áreas que foram criadas<br />

no Serviço de Urgência especificamente para lidar com<br />

a pandemia. Foi incluída informação sobre os resultados<br />

enviados por SMS aos doentes cujo resultado é negativo<br />

e, mais tarde, resultados de doente positivo, processo<br />

implementado devido ao elevado fluxo de doentes<br />

no Serviço de Urgência, libertando os profissionais<br />

de saúde.<br />

Para o internamento de nível II e III é fundamental ter a<br />

noção dos equipamentos usados (ventiladores mecânicos,<br />

ONAF, ECMO), sendo a informação de disponibilidade<br />

de cada equipamento essencial para a boa gestão<br />

dos recursos. Neste contexto, foi desenvolvido o tabulador<br />

respetivo com o mapeamento de toda a capacidade<br />

instalada no CHUSJ e a sua ocupação (fig. 4).<br />

A capacidade de resposta do Serviço de Patologia, nomeadamente<br />

tempos de espera para resultados, é facilmente<br />

monitorizada (fig. 5), bem como a análise da capacidade<br />

de realização de testes das análises pedidas internamente<br />

por outras instituições, adicionando-se ainda<br />

indicadores relativos a comunicação oficial de dados<br />

do CHUSJ para o SINAVE LAB. Com a evolução da pandemia,<br />

novos locais iniciaram testagem à Covid-19, pelo<br />

que para manter o modelo de informação definido<br />

foi necessário garantir o registo de “análise externa”<br />

no sistema. Esta função foi assumida pelo Serviço de<br />

Arquivo, que passou diariamente a validar admissões a<br />

internamento, quer por transferência de outros hospitais,<br />

quer pela admissão do Serviço de Urgência, ação<br />

que foi fundamental para garantir o funcionamento integrado<br />

da solução.<br />

De referir que toda a lógica de monitorização Covid-19<br />

não exigiu aos nossos profissionais a alteração de processo<br />

de registo clínico a que estão habituados pois,<br />

seria impensável, em momento pandémico, exigir esse<br />

esforço adicional quando tanto estava a acontecer em<br />

muito pouco tempo.<br />

Do ponto de vista técnico o processo de desenvolvimento<br />

foi sempre estruturado e articulado com a gestão<br />

de topo, tendo a primeira análise preditiva sido efetuada<br />

em ambiente teste e solicitada reunião imediata<br />

com a Administração para correto alinhamento dos<br />

testes realizados com as necessidades de informação<br />

antecipadas e manifestadas. A título de exemplo assinala-se<br />

como necessário a ocorrência do primeiro óbito,<br />

para que fosse possível aplicar e testar o algoritmo<br />

preditivo que nos permitia passar a conhecer as necessidades<br />

para os próximos 7 dias subsequentes em número<br />

de casos e, consequentemente, das necessidades<br />

de camas nível I, II/III. Efetuado este mapeamento real<br />

da ocupação do hospital, comparando com uma previsibilidade<br />

máxima e mínima da necessidade permitia<br />

adequar os meios necessários, foi de imediato decidido<br />

que esta informação ficaria disponível internamente<br />

para todas as áreas de gestão. Desta forma, podemos<br />

afirmar que as áreas clínicas nunca foram surpreendidas<br />

com as necessidades permitindo que, atempadamente,<br />

os profissionais pudessem ajustar as áreas, recursos e<br />

meios para a resposta necessária (fig. 6). A confirmação<br />

dos resultados ao longo do tempo ajudou a que<br />

o quadro da previsão ganhasse credibilidade e pudesse<br />

ser seguida com confiança pelos utilizadores.<br />

Após o momento inicial da pandemia tornou-se claro }<br />

Figura 4: Vista de alocação dos recursos em Unidade de Cuidados Intensivos.<br />

Figura 5: Vista geral de indicadores de desempenho do Serviço de Patologia Clínica.<br />

Figura 6: Vista de Previsão para os próximos 7 dias.<br />

Fonte: CHUSJ<br />

Fonte: CHUSJ<br />

Fonte: CHUSJ<br />

68 69


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

“<br />

A GESTÃO DE INFORMAÇÃO EM SITUAÇÃO<br />

PANDÉMICA TEM DE SER ÁGIL, RÁPIDA<br />

E EFETIVA ALINHADA COM AS NECESSIDADES<br />

DAS ÁREAS CLÍNICAS PARA PERMITIR<br />

UMA BOA MONITORIZAÇÃO E DISPONIBILIZAR<br />

OS ELEMENTOS INFORMATIVOS PARA<br />

UMA BOA GESTÃO DE TODOS<br />

OS RECURSOS DISPONÍVEIS.<br />

”<br />

que a coexistência das áreas Covid-19 e das áreas não-<br />

-Covid-19 se iriam manter necessárias por muito tempo<br />

pelo que se iniciou o desenvolvimento da monitorização<br />

de doente Covid-19 positivo em toda a atividade<br />

programada.<br />

Conhecer estes casos em áreas de ambulatório (fig.<br />

7), MCDTs ou Bloco era fundamental pois um doente<br />

Covid-19 positivo quando chamado pelo Hospital para<br />

consulta ou realização de um exame assume que o<br />

hospital conhece a sua situação e que essa deslocação<br />

é segura. Desta forma, e com total independência do<br />

circuito funcional onde o doente foi identificado como<br />

Covid-19 positivo, o mesmo é reconhecido por todas<br />

as áreas clínicas até ao momento em que este apresenta<br />

critérios de recuperação. Esta monitorização permitiu<br />

anteceder o conhecimento sobre a atividade programada<br />

em 7 dias, dando a possibilidade a cada uma<br />

das áreas clínicas de efetuar contacto com o doente em<br />

momento prévio à sua deslocação ao hospital, sendo<br />

essencial para permitir uma gestão efetiva de circuitos<br />

internos distintos que garantem a segurança dos doentes<br />

e profissionais do CHUSJ.<br />

O mesmo aconteceu com as monitorizações em Drive-<br />

Thru, implementadas com requisição automatizada pré-<br />

-internamento até 72 horas, pioneiras a nível nacional,<br />

e rastreios internos de testagem de rastreio do doente<br />

ao 5<strong>º</strong> dia de internamento (fig. 8), bem como rastreios<br />

em Serviços piloto Hospital Dia Oncologia, Oncologia<br />

Pediátrica e Serviço de Medicina Interna.<br />

Esta monitorização permitiu assegurar a rastreabilidade<br />

interna de casos positivos, com melhoria da eficácia e<br />

controlo de potenciais surtos internos, proteger o doente<br />

internado e os profissionais em prestação direta<br />

de cuidados de saúde, resultando numa rápida resposta<br />

das áreas clínicas na separação de doentes e circuitos<br />

distintos.<br />

A 27 de dezembro de 2020, e apenas com dois dias<br />

úteis de preparação, o CHUSJ iniciou o processo de vacinação<br />

dos seus profissionais de saúde prioritários, de<br />

acordo com a norma publicada pela DGS. O processo<br />

definido passou a monitorizar os momentos subsequentes<br />

das sessões de vacinação de 1ª e 2ª dose. A<br />

monitorização deste processo teve como requisitos:<br />

1. A capacidade de preparação dos serviços farmacêuticos<br />

para um número de vacinas por hora;<br />

2. O agendamento por profissional de saúde identificado<br />

para vacinação e respetiva notificação;<br />

3. A sua efetivação no dia de vacina com gestão dos<br />

adiantados/atrasados e faltosos;<br />

4. O registo de administração em tempo real no E-<br />

-VACINAS;<br />

5. O número simultâneo de colaboradores do CHUSJ<br />

em recobro;<br />

6. O teste interno funcional da App My São João para<br />

o Registo de Reações Adversas para acompanhamento<br />

pelo Serviço de Saúde Ocupacional e notificação oficial<br />

ao Infarmed.<br />

A <strong>Gestão</strong> de Informação em situação pandémica tem<br />

de ser ágil, rápida e efetiva alinhada com as necessidades<br />

das áreas clínicas para permitir uma boa monitorização<br />

e disponibilizar os elementos informativos para uma<br />

boa gestão de todos os recursos disponíveis. O Centro<br />

de <strong>Gestão</strong> de Informação participou ativamente em todas<br />

as atividades internas de contingência Covid-19, fez<br />

parte das reuniões do grupo de crise e implementou a<br />

monitorização das necessidades mais prementes, contribuindo<br />

seguramente para os excelentes resultados<br />

de prestação clínica do CHUSJ (#SomosSaoJoao). Ã<br />

1. O CGI foi criado em 2016 com a missão de prestar um serviço que permita<br />

aportar valor aos profissionais de saúde do CHSJ na prestação dos cuidados de<br />

saúde, com eficiência e segurança, proporcionando informação para suporte à tomada<br />

de decisão na prestação e para a investigação clinica, com centralidade nos<br />

utentes do CHUSJ.<br />

Figura 7: Vista de monitorização da atividade programada em Ambulatório.<br />

Figura 8: Vista de rastreio interno em Internamento.<br />

Figura 9: Vista de monitorização da Vacinação no CHUSJ.<br />

Fonte: CHUSJ<br />

Fonte: CHUSJ<br />

Fonte: CHUSJ<br />

70 71


GH SAÚDE PÚBLICA<br />

INFEÇÕES ASSOCIADAS<br />

A CUIDADOS DE SAÚDE<br />

E SEGURANÇA DO DOENTE<br />

Rita Filipe<br />

Médica Assistente de Saúde Pública<br />

Este artigo pretende rever o impacto que<br />

as infeções associadas a cuidados de saúde<br />

(IACS) têm nos serviços de saúde e<br />

realçar que estas constituem uma componente<br />

crítica de qualquer programa de<br />

segurança do doente.<br />

A World Alliance for Patient Safety foi criada, em 2004, na<br />

57ª Assembleia Mundial de Saúde, para tornar a segurança<br />

dos doentes uma iniciativa global e a prevenção<br />

das IACS (clean care is safer care), foi uma das 6 áreas<br />

que foi considerada prioritária. 1<br />

As IACS constituem um problema de saúde pública devido<br />

à elevada morbimortalidade e custos associados. 2<br />

Considera-se IACS qualquer infeção adquirida pelos doentes<br />

em consequência dos cuidados e procedimentos<br />

de saúde prestados e que pode, também, afetar os profissionais<br />

de saúde durante o exercício da sua atividade.<br />

Por vezes, estas infeções são também denominadas de<br />

infeções nosocomiais, apesar desta designação não ser<br />

inteiramente abrangente por excluir o ambulatório. 3<br />

O conceito de IACS é, por isso, mais abrangente já que<br />

se refere a todas as unidades prestadoras de cuidados de<br />

saúde, pelo que é importante assegurar a comunicação<br />

e a articulação entre as diversas unidades de saúde, para<br />

a identificação destas infeções a fim de reduzir o risco de<br />

infeção cruzada. 3<br />

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as<br />

IACS constituem hoje uma epidemia silenciosa, sendo o<br />

evento adverso mais frequente ao nível da prestação de<br />

cuidados de saúde. 4 Estima-se que um em cada quatro<br />

doentes internados numa UCI tem um risco acrescido<br />

de adquirir uma IACS, sabendo-se ainda, que esta esti-<br />

mativa pode duplicar nos países menos desenvolvidos. 3<br />

Embora parte destas infeções possam ser o preço a pagar<br />

pelos avanços tecnológicos e terapêuticos, considera-se<br />

que pelo menos 20% de todas as IACS seriam<br />

provavelmente evitáveis. 2<br />

As infeções urinárias são as IACS mais frequentes, no<br />

entanto as infeções da corrente sanguínea e as pneumonias<br />

estão associadas a maior mortalidade e custos. 2<br />

A Pneumonia Associada ao Ventilador (PAV) corresponde<br />

à pneumonia que ocorre mais de 48 horas após<br />

a entubação endotraqueal e constitui a segunda infeção<br />

nosocomial mais frequente (a seguir à infeção urinária),<br />

e aquela que representa maior mortalidade (20-33 %). 4<br />

Das estratégias que visam a prevenção da PAV destaca-<br />

-se o conceito proposto, em 2007, pelo Institute for Healthcare<br />

Improvement (IHI) de Ventilator Bundle que não é<br />

mais do que um conjunto de cinco componentes de<br />

cuidados que refletem uma prática baseada na evidência.<br />

Estas cinco componentes são: a elevação da cabeceira<br />

da cama a 30-45°, a interrupção diária da sedação com<br />

avaliação da possibilidade de extubação, a profilaxia da<br />

úlcera péptica, a profilaxia da trombose venosa profunda<br />

e a descontaminação oral diária com clorohexidina. 5<br />

Estas componentes são consideradas o núcleo da estratégia<br />

e promovem uma abordagem do tipo “tudo ou<br />

nada” em que mais importante do que o valor individual<br />

de cada uma é o princípio subjacente a uma abordagem<br />

integrada e multifatorial. 2<br />

A Infeção Nosocomial da Corrente Sanguínea (INCS)<br />

é uma infeção sistémica que não estava presente nem<br />

em incubação no momento da admissão do doente na<br />

Unidade de Saúde. Encontra-se frequentemente associada<br />

ao uso de cateter, cuja utilização é uma prática<br />

quase indispensável em contexto de cuidados intensivos.<br />

A mortalidade atribuída é aproximadamente de<br />

4-20%. O IHI também desenvolveu um Central line bundle<br />

que compreende cinco componentes cuidados que<br />

refletem uma prática baseada na evidência, a saber: higiene<br />

das mãos, utilização de barreiras de proteção máximas<br />

aquando da colocação do cateter, utilização de<br />

clorohexidina na antissepsia da pele, escolha ideal do local<br />

de inserção do cateter e a revisão diária da necessidade<br />

de cateter com a sua remoção logo que possível. 6<br />

A infeção urinária constitui a infeção nosocomial mais<br />

frequente (<strong>24</strong> %) e estima-se que 80% destes episódios<br />

se relacione com a cateterização vesical. Estima-se que,<br />

aplicando as medidas de controlo de infeção adequadas,<br />

se possam evitar até 69% das infeções urinárias o que<br />

representa 380.000 infeções e 9.000 óbitos por ano. 7<br />

No “pacote” de intervenções estão contempladas: utilização<br />

de técnica asséptica na colocação e manuseamento<br />

do cateter urinário, utilização de dispositivo urinário<br />

não invasivo ou de cateterização intermitente sempre<br />

que possível, respeito estrito das indicações clínicas para<br />

colocação e promoção da remoção precoce do cateter. 2<br />

A infeção do local cirúrgico (ILC) são o segundo efeito<br />

adverso mais frequente que ocorre no doente hospitalizado<br />

levando a um aumento da mortalidade, prolongamento<br />

de internamento, reinternamentos e custos<br />

acrescidos. 10 De acordo com o IHI, 40 a 60 % por cento<br />

das ILC são evitáveis. As medidas de prevenção de eficácia<br />

comprovada envolvem o uso apropriado de antibióticos<br />

profiláticos, tricotomia só quando indicado e por<br />

métodos que não lesem a pele, controlo da glicémia na<br />

cirurgia cardíaca e manutenção da normotermia no pós-<br />

-operatório da cirurgia colorectal. 7<br />

O fenómeno da multirresistência foi descoberto nos<br />

anos 60 a 80. A resistência bacteriana aos antibióticos<br />

representa a evolução contínua na luta pela sobrevivência<br />

das espécies, manifestando-se quer pela capacidade<br />

de sofrer mutações, quer pela troca de material genético<br />

entre as espécies bacterianas. 2<br />

As manifestações clínicas das infeções por microrganismos<br />

multirresistentes podem não ser mais graves, mas<br />

complicam a sua abordagem estreitando o leque de opções<br />

terapêuticas. Consequentemente representam um<br />

aumento significativo de morbimortalidade e dos custos<br />

associados. 8<br />

Portugal possui uma Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica<br />

de Resistências aos Antimicrobianos. Globalmente,<br />

Portugal tem apresentado taxas de resistência<br />

semelhantes às da maioria dos países europeus em termos<br />

de Klebsiella, Enterobacter e Pseudomonas e taxas<br />

mais elevadas que a média europeia em Staphylococcus<br />

aureus e Enterococcus. No que se refere à ocorrência de<br />

infeção por MRSA apesar de se ter verificado uma diminuição<br />

dos valores entre 2011 (53.4%) e 2013 (46.8%),<br />

Portugal continua a estar entre os países europeus com<br />

mais elevada taxa de MRSA, assim como de Enterococcus<br />

faecium resistente à vancomicina. 3,9<br />

A segurança do doente resulta da interação de diversos<br />

fatores relacionados, por um lado, com o doente e,<br />

por outro, com a prestação de cuidados que envolvem<br />

elementos de natureza individual e organizacional/estrutural.<br />

A eficácia das intervenções para a prevenção e controlo<br />

da infeção dependem da forma como são definidos<br />

e implementados os programas de controlo de infeção. 2<br />

A pandemia por Covid-19 evidenciou a importância da<br />

segurança dos profissionais de saúde e como a segurança<br />

dos doentes dependem desta, não havendo segurança<br />

dos doentes sem que exista segurança dos profissionais<br />

de saúde. Equipamentos de proteção individual<br />

(EPI) inadequados são um problema em vários settings,<br />

como por exemplo os hospitais ou as estruturas residenciais<br />

para idosos, havendo infelizmente vários exemplos<br />

de profissionais de saúde que ficaram infetados e morreram<br />

de Covid-19. 10<br />

Assim, à semelhança do verificado em surtos anteriores,<br />

como o Ébola ou a Síndrome Respiratória do Médio<br />

Oriente (MERS-CoV), apenas quando os profissionais<br />

de saúde estiverem em segurança é que os seus doentes<br />

estarão seguros, e só desta forma é que conseguirão<br />

manter o sistema de saúde seguro e resiliente. 10<br />

Em conclusão, as IACS constituem um desafio para o século<br />

XXI e o seu combate tem o potencial de salvar milhões<br />

de vidas, reduzir a morbilidade e incapacidades de<br />

longa duração e levar a grandes poupanças através da implementação<br />

de conjuntos básicos de medidas de controlo<br />

de infeção, contribuindo assim para a segurança<br />

do doente. Ã<br />

1. Campos, L., Saturno, P., Carneiro, A.V.. “Plano Nacional de Saúde 2011-2016:<br />

a qualidade dos cuidados e dos serviços”. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2010.<br />

2. Pina, E., Ferreira, E., Marques, A., Matos, B.. “Infecções associadas aos cuidados de<br />

saúde e segurança do doente”. Revista Portuguesa de Saúde Pública; 2010.<br />

3. Direção-Geral da Saúde. “Programa nacional de prevenção e controlo da infecção<br />

associada aos cuidados de saúde”. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2007.<br />

4. Centers for Disease Control and Prevention. “Guidelines for preventing health-care-associated<br />

pneumonia”. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther;<br />

2003.<br />

5. Institute for Healthcare Improvement. “How-to Guide : Prevent Ventilator- Associated<br />

Pneumonia” Cambridge, MA: Institute for Healthcare Improvement; 2012.<br />

6. Institute for Healthcare Improvement. “How-to Guide: Prevent Central Line-<br />

-Associated Bloodstream Infections”. Cambridge, MA: Institute for Healthcare Improvement;<br />

2012.<br />

7. Gould, C.V. et al.. “Guideline for Prevention of Catheter-Associated Urinary Tract<br />

Infections 2009”. Healthc Infect Control Pract Advis Comm; 2009.<br />

8. Siegel, J.D. et al.. “Management of Organisms In Healthcare Settings, 2006”. American<br />

Jounal of Infection Control; 2006.<br />

9. European Centre for Disease Prevention an-d Control. “Surveillance of antimicrobial<br />

resistance in Europe 2018”. Stockholm: ECDC; 2019.<br />

10. Shaw, A., Flott, K., Fotana, G., Durkin, M., Darzi. A..“No patient safety without<br />

health worker safety” Lancet 2020: 1–2. https://doi.org/10.1016/S0140-<br />

6736(20)31949-8.<br />

72 73


GH comunicação em saúde<br />

COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL:<br />

ATÉ QUANDO O PARENTE POBRE<br />

NA GESTÃO DOS HOSPITAIS?<br />

Pedro Coelho dos Santos<br />

Mestre em Guerra da Informação pela Academia Militar,<br />

Especialista em Comunicação na área da Saúde<br />

A<br />

gestão de um hospital atende a uma<br />

multiplicidade de áreas para lá daquelas<br />

que estão diretamente relacionadas<br />

com a prestação de cuidados de<br />

saúde. Uma dessas continua a marcar<br />

passo: a Comunicação Institucional.<br />

Urge alterar este cenário, pois a perceção que os cidadãos<br />

têm do Serviço Nacional de Saúde está direta e<br />

fortemente relacionada com a qualidade da Comunicação<br />

das suas diversas instituições, entre as quais os hospitais.<br />

E não é seguramente coincidência que os gestores<br />

hospitalares que valorizam seriamente a Comunicação,<br />

incorporando-a na sua prática quotidiana, obtenham habitualmente<br />

melhores resultados.<br />

Em primeiro lugar, importa encontrar uma resposta para<br />

a seguinte pergunta: o que é a Comunicação Institucional?<br />

Existem diversas definições possíveis na literatura, mas arrisco<br />

uma de minha autoria. Comunicação Institucional é<br />

a atividade, envolvendo diversas competências, que visa<br />

promover o bom entendimento e o envolvimento da<br />

Instituição com os seus diversos públicos-alvo.<br />

Um dos erros frequentes que encontro no diálogo com os<br />

gestores hospitalares sobre esta matéria é uma visão demasiado<br />

restrita daquilo que é Comunicação, limitando-a<br />

praticamente à assessoria de imprensa. Ora, referi “diversas<br />

competências” da definição atrás efetuada, pelo que a Comunicação<br />

Institucional abarca - além da já referida assessoria<br />

de imprensa - a comunicação estratégica, o aconselhamento,<br />

a comunicação interna, a gestão das redes sociais<br />

e de outros suportes comunicacionais, a gestão de crise<br />

mediática e a produção de conteúdos informativos.<br />

Um outro erro muito frequente é atafulhar os seus “gabinetes<br />

de comunicação” com tarefas que nada têm a<br />

ver com esta área: a gestão e resposta às reclamações, a<br />

sinalética, o gabinete do utente e o centro de documentação.<br />

Ah, e já agora junte-se-lhe a angariação de donativos<br />

junto de diversos agentes económicos da área de<br />

influência do hospital para conseguir ter um router de<br />

internet melhorzinho para a enfermaria pediátrica…<br />

Ora, se as estruturas dedicadas à Comunicação (quando<br />

existem) têm já um problema de escassez de recursos<br />

humanos, atribuir-lhe mais e mais tarefas que estão<br />

muito pouco relacionadas com a sua área de atuação<br />

é garantir que o mais importante vai ficar por concretizar.<br />

Implementar uma estratégia de comunicação é uma<br />

tarefa que exige uma planificação cuidada e uma dedicação<br />

permanente, pelo que não faz qualquer sentido<br />

estar a canalizar tempo e atenção para o que não contribua<br />

efetivamente para esse objetivo.<br />

Por fim, ainda no capítulo dos erros frequentes, muitos<br />

dos gestores hospitalares desvalorizam sistematicamente<br />

o papel que a Comunicação Institucional pode ter<br />

para a eficácia organizacional das suas organizações. “Eu<br />

sei escrever bem”, “os jornalistas têm o meu contacto<br />

e ligam-me quando é preciso” ou “o importante não é<br />

comunicar, é apresentar trabalho” são algumas das frases<br />

notáveis que ouvi por parte de responsáveis de hospitais<br />

e que fui colecionando ao longo da minha carreira<br />

profissional de duas décadas na área da saúde.<br />

A Comunicação é efetivamente um recurso valioso para<br />

a boa gestão. Em primeiro lugar porque, se bem utilizada,<br />

permite valorizar o papel da Instituição no contexto<br />

em que se esta insere, contribuindo para a sua boa imagem<br />

e boa reputação.<br />

No contexto pandémico em que vivemos atualmente,<br />

todos nos apercebemos já do bom desempenho que algumas<br />

instituições vêm tendo neste domínio. Permitam-<br />

-me dar o exemplo do Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de<br />

São João (CHUSJ), onde existe liderança ao nível máximo<br />

da gestão e bons executores na área da Comunicação.<br />

Ora, a visibilidade do CHUSJ, resultante da aposta na área<br />

da Comunicação, tem-lhe permitido acumular um enorme<br />

capital de confiança por parte dos cidadãos, capital<br />

esse que perdurará para lá da pandemia. É precisamente<br />

esse um dos grandes objetivos da Comunicação enquanto<br />

ativo de gestão: ganhar a confiança do(s) público(s).<br />

A par desse objetivo, temos também o de dar visibilidade<br />

ao trabalho que a Instituição desenvolve e propiciar a<br />

constituição de parcerias-positivas com outras entidades.<br />

Bem como, é importante não o esquecer, contribuir para<br />

a motivação interna dos profissionais do hospital.<br />

Todos nós preferimos indiscutivelmente trabalhar numa<br />

Instituição com boa imagem. E todos nós - bem, pelo<br />

menos aqueles que estão atentos… - sabemos também<br />

o impacto que uma reputação negativa ou uma crise<br />

mediática têm no moral das equipas.<br />

Para já não falar da forma como as tutelas - sejam as<br />

administrativas, mais concretamente as Administrações<br />

Regionais de Saúde, sejam as políticas, designadamente<br />

os secretários de Estado e ministros - valorizam uma<br />

boa comunicação por parte dos hospitais. Vejamos uma<br />

vez mais o CHUSJ e a sua boa imagem atual: qual será<br />

o responsável político que, no seu estado de sanidade<br />

mental normal, recusaria o apoio e associar-se a uma<br />

qualquer iniciativa desse Hospital? Pois.<br />

Sim, uma estratégia de Comunicação Institucional bem<br />

delineada e bem executada contribui indiscutivelmente<br />

para que o Hospital possa atingir os objetivos a que se<br />

propõe. E, igualmente importante, permite que os outros<br />

se apercebam do trabalho que é desenvolvido. Porque<br />

aquela máxima de que what happens in Vegas, stays in<br />

Vegas não se aplica lá muito bem (mesmo no caso das<br />

broncas escabrosas, porque pura e simplesmente não é<br />

possível escondê-las em instituições como os hospitais) }<br />

74 75


GH comunicação em saúde<br />

“<br />

SIM, COMUNICAR PROACTIVAMENTE<br />

É VANTAJOSO PARA UM HOSPITAL.<br />

GANHA A INSTITUIÇÃO E GANHAM<br />

OS CIDADÃOS, QUE DEVIDAMENTE<br />

INFORMADOS SOBRE O QUE SE PASSA<br />

NO SEU HOSPITAL, FICAM MELHOR APTOS<br />

PARA AVALIAREM A SUA PRESTAÇÃO<br />

E PARA VALORIZAREM DEVIDAMENTE<br />

O PAPEL QUE ESTE DESEMPENHA<br />

NAS SUAS VIDAS.<br />

”<br />

à realidade atual das sociedades altamente mediatizadas.<br />

E por falar em sociedades altamente mediatizadas, é<br />

indiscutível o poder que os media têm junto dos cidadãos,<br />

influenciando de forma decisiva o julgamento que<br />

estes fazem das instituições. Ora, os media apenas se<br />

vão lembrar do Hospital quando alguma coisa correr<br />

verdadeiramente mal: o doente que ficou horas e horas<br />

à espera para ser atendido na Urgência, a lista de espera<br />

para cirurgia que aumentou, a queixa do sindicato sobre<br />

as horas extraordinárias que estão por pagar, o incêndio<br />

na cozinha ou a troca de identidades na morgue…<br />

Para contrabalançar essa tendência dos media para noticiarem<br />

a desgraça e os eventos negativos, o caminho<br />

é apenas um: implementar uma estratégia proativa de<br />

comunicação, divulgando os eventos, os acontecimentos,<br />

as conquistas e os resultados da Instituição. Poderá<br />

parecer contrassensual com o que acabei de escrever<br />

sobre o negativismo dos media, mas estes também gostam<br />

de dar boas notícias.<br />

Acontece que muitas das vezes pura e simplesmente<br />

não chegam ao seu conhecimento as notícias positivas,<br />

enquanto que para a confusão há sempre alguém disponível<br />

(muitas vezes dentro do próprio hospital) para “assobiar”<br />

aos ouvidos dos jornalistas. Não se pense que<br />

estou a diabolizar o papel desses profissionais, antes pelo<br />

contrário, pois desempenham um papel fundamental<br />

na sociedade e são absolutamente determinantes para a<br />

qualidade da democracia.<br />

Desde que o que se passa nos hospitais seja efetivamente<br />

do interesse do público e preencha os chamados “valores-<br />

-notícia”, mesmo quando são acontecimentos positivos,<br />

os media tendem a valorizar esse tipo de notícias. Mas,<br />

como a esmagadora maioria dos hospitais não tem essa<br />

proatividade comunicacional, apenas os acontecimentos<br />

negativos acabam por encontrar eco no espaço mediático.<br />

Sim, comunicar proactivamente é vantajoso para um<br />

hospital. Ganha a Instituição e ganham os cidadãos, que<br />

devidamente informados sobre o que se passa no seu<br />

hospital, ficam melhor aptos para avaliarem a sua prestação<br />

e para valorizarem devidamente o papel que este<br />

desempenha nas suas vidas.<br />

Posto isto, são os administradores hospitalares tão desprovidos<br />

de sentido que não tenham noção da importância<br />

da Comunicação Institucional e das vantagens<br />

que poderia trazer às suas instituições? Não, claramente<br />

que não são e claramente que têm essa consciência.<br />

A questão é que a esmagadora maioria dos hospitais portugueses<br />

não tem estruturas internas de Comunicação ou<br />

tem-nas de forma muito insipiente e pouco profissionalizada<br />

(além de estarem atafulhadas com diversas outras<br />

tarefas, como já vimos). Face à multiplicidade de áreas e<br />

à complexidade do dia-a-dia dos hospitais, com muitos<br />

assuntos sempre urgentes em cima da mesa, estruturar<br />

devidamente a área da Comunicação acaba quase sempre<br />

por ficar nos últimos lugares da lista de prioridades.<br />

E, depois, como começar? Todos sabemos da dificuldade<br />

que os hospitais enfrentam na contratação de recursos<br />

humanos fora das áreas de prestação direta de cuidados<br />

de saúde.<br />

Existem várias possibilidades: a criação de estruturas internas,<br />

o recurso a consultoria específica, a contratação<br />

de agências de comunicação, entre outras. Cada uma delas<br />

tem as suas vantagens e desvantagens e isso daria pano<br />

para mangas para um outro artigo.<br />

O que considero mais relevante deixar como mensagem<br />

final deste artigo é o seguinte: os hospitais podem e<br />

devem servir-se da Comunicação Institucional como um<br />

ativo para a sua gestão quotidiana. Se delinearem uma<br />

estratégia de Comunicação, se a implementarem de forma<br />

planificada e permanente, com recurso a um ou mais<br />

especialistas na área, podem ganhar grandemente com<br />

esta decisão.<br />

Como um dia ouvi a um presidente de um Conselho de<br />

Administração de um hospital: “nunca me apercebi da<br />

importância de uma estratégia de Comunicação até ter<br />

incorporado uma na minha prática de gestão. Achava<br />

que podia passar bem sem isso. Hoje acho que não posso<br />

voltar a não a ter e não passo sem ela”. É um bom<br />

resumo, digo eu. Ã<br />

76


GH opinião<br />

SNS: E AGORA PARA ALGO<br />

COMPLETAMENTE DIFERENTE<br />

“<br />

A ESCULTURA NÃO É SIMPLESMENTE A FORMA ESCULPIDA<br />

DE UMA COISA, MAS A ESCULTURA DO SEU EFEITO.<br />

John Ruskin<br />

”<br />

João Alcafache<br />

Médico Psiquiatra no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />

do Baixo Vouga (Aveiro). Pós-Graduado em <strong>Gestão</strong> na Saúde pela Católica Business School<br />

Ana Lúcia Costa<br />

Médica Interna Complementar em Psiquiatria<br />

no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental<br />

do Centro <strong>Hospitalar</strong> do Baixo Vouga (Aveiro)<br />

Carlos Alcafache<br />

Técnico de Cardiopneumologia na Unidade Local de Saúde da Guarda.<br />

Pós-Graduado em <strong>Gestão</strong> e Administração em Serviços de Saúde pela Escola Superior<br />

de Saúde de Viseu. Professor adjunto convidado da Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias<br />

(Instituto Politécnico de Castelo Branco)<br />

A<br />

explosão tecnológica a que se assistiu<br />

durante o século XX teve um impacto<br />

determinante na forma como<br />

o ser humano se compreende e se<br />

reinventa. A história do mundo mudou<br />

as pessoas e as pessoas mudaram a história do<br />

mundo, especialmente pela evolução progressiva na literacia<br />

das populações que, depois de satisfeitas as básicas,<br />

as fez descobrir novas necessidades e novos desejos.<br />

Esta procura estendeu-se aos cuidados de saúde, sendo<br />

que a sua democratização nos fez ganhar consciência do<br />

limite de recursos, gerando uma questão conceptual. Se<br />

a procura pela longevidade (e porque não, imortalidade)<br />

é uma batalha infinita, os recursos não são, cedendo pe-<br />

Sabrina Magueta<br />

Médica Interna Complementar em Psiquiatria<br />

no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental<br />

do Centro <strong>Hospitalar</strong> do Baixo Vouga (Aveiro)<br />

rante um dos conceitos básicos da economia. Neste paradigma,<br />

gera-se uma ponderação tripartida de interesses,<br />

em três polos clássicos, envolvidos com potencial conflito<br />

de interesses - os pagadores, os utentes e os prestadores.<br />

Porquê mudar, o que mudar, como mudar e quando<br />

mudar, mantendo o sistema sustentável, têm vindo a ser<br />

as questões centrais com que os governos se têm debatido,<br />

que esbarram amiúde na inércia na resistência natural<br />

de um sistema pesado e complexo, do qual todos<br />

teremos de sair ilesos. Teremos mesmo?<br />

Porque mudar?<br />

Na verdade, no que diz respeito à saúde, a circunstância<br />

já mudou sem que nos tenhamos apercebido disso, e a<br />

manutenção do status quo exige um esforço associado<br />

que, ainda que inconsciente, representa um consumo<br />

de recursos geralmente superior ao da adaptação à<br />

mudança, porque lhe é oposta. Acerca desta dinâmica<br />

vetorial, Giuseppe Tomasi di Lampedusa no romance “Il<br />

gattopardo”, sobre a decadência da aristocracia siciliana<br />

durante o Risorgimento escreve “É preciso que tudo mude,<br />

para que tudo fique na mesma”.<br />

Recuperando o tema central, os tempos mudaram, os<br />

utentes mudaram e, como tal, também os profissionais<br />

e as instituições de saúde se veem forçadas a mudar.<br />

Esta, sempre bem-vinda, evolução, acarreta consigo um<br />

nível crescente de consciencialização dos direitos individuais<br />

e dos níveis de exigência na qualidade dos cuidados<br />

de saúde prestados. Se até há relativamente pouco<br />

tempo, a consciência do médico era o único regulador<br />

da sua atividade, atualmente, considerando as diferentes<br />

vertentes acessórias à atividade médica, como a avaliação<br />

de desempenho, contenção de custos e diversidade<br />

de atuação, tem-se assistido à cultura da divulgação de<br />

resultados como método de padronização e controlo<br />

de qualidade. Numa sondagem realizada pelo Instituto<br />

Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISC-<br />

TE) e Instituto de Ciências Sociais (ICS) acerca da avaliação<br />

do Sistema Nacional de Saúde (SNS) mediante<br />

três parâmetros (tempo de espera, tratamento clínico<br />

e qualidade), numa escala de 0 a 10, os algarvios dão<br />

3,1 ao tempo de espera (contra 6 no Alentejo, 5,3 a<br />

Norte ou 5,1 na Grande Lisboa), avaliam com 4,4 o<br />

“tratamento clínico” (contra 6,9 no Alentejo e Norte<br />

ou 6,4 em Lisboa e Centro) e atribuem 3,5 à “qualidade<br />

global” dos serviços de saúde (contra 6,5 a Norte ou 6,2<br />

na Grande Lisboa). Estes dados expõem a fragilidade da<br />

estabilidade do sistema, ao mesmo tempo que alertam<br />

para a necessidade de mudança, e provavelmente não<br />

apenas na velocidade a que está a ser feita 1 .<br />

O que mudar?<br />

Recentemente assistimos à evolução tecnológica dos audiovisuais,<br />

que pelo aumento exponencial da qualidade e da resolução<br />

dos conteúdos, os meios de suporte viram-se obrigados<br />

a acompanhar a mudança, passando-se do VHS para<br />

o DVD e de seguida para o Blue-ray, até que se tornaram<br />

obsoletos, pela impossibilidade da contenção de volumes de<br />

dados de tamanho crescente, bem como pela alteração dos<br />

padrões de consumo dos utilizadores. Desta forma assistiu-<br />

-se a uma mudança para transação dos conteúdos on demand,<br />

em plataformas digitais, sempre disponíveis na nuvem.<br />

Esta mudança não representa apenas uma mudança simples<br />

e sequencial, mas uma mudança de paradigma.<br />

Uma mudança da mesma natureza será necessária no<br />

SNS, mudança que permita manter a sua universalidade,<br />

o seu espírito e os seus princípios reguladores, mas que,<br />

simultaneamente permita que se mantenha competi- }<br />

78 79


GH opinião<br />

Modelo hierárquico<br />

(centrado na pessoa)<br />

Modelo centrado<br />

no projecto<br />

Tabela: Modelo Centrado no Projecto.<br />

Vantagens<br />

Automatismo na escolha<br />

Aceitação apriorística pelos pares<br />

Centrado no valor<br />

Obriga a auto-regulação programada<br />

Maior facilidade perante a necessidade<br />

de substituição das equipas/projectos<br />

Sem ónus pessoal para o destituído<br />

tivo, atrativo e contemporâneo. Por outras palavras,<br />

uma mudança que permita a sua própria mudança. No<br />

artigo “Hospitals Can’t Improve Without Better Management<br />

Systems”, John S. Toussaint, propõe uma transição<br />

de um modelo antiquado de gestão por objetivos,<br />

que é frequentemente contraproducente para as<br />

equipas que pretendem desenvolver bons resultados,<br />

para um modelo de gestão por processo, à semelhança<br />

do sistema de produção desenvolvido pela Toyota. Em<br />

rotura com o modelo atual, no modelo de gestão por<br />

processo, não se trata de meramente alcançar alguns<br />

objetivos-chave, mas antes exige que os líderes saibam<br />

exatamente como o atendimento é prestado para que,<br />

de seguida, acompanhem os profissionais da linha da<br />

frente na melhoria diária desses processos 2 .<br />

Ter-se-á esgotado a lógica de input/output, que tem<br />

conduzido à insatisfação crescente dos utentes que<br />

procuram soluções no setor privado; à insatisfação dos<br />

prestadores que por não verem reconhecido o seu esforço,<br />

seguem o mesmo caminho; e dos pagadores que<br />

perante esta sangria potencial se vêm limitados nas alternativas,<br />

por um modelo conceptualmente blindado.<br />

Concretamente, e no cenário nacional, quando se assiste<br />

à migração dos utentes e dos profissionais, para o<br />

setor privado, cada vez mais robusto, torna-se obrigatório<br />

tentar perceber porquê. Segundo os dados do Instituto<br />

Nacional de Estatística, o ano de 2016 representa<br />

um marco histórico, em que, pela primeira vez, dos 225<br />

hospitais do país, 114 (51,7%) eram particulares. Feito o<br />

diagnóstico, passemos ao tratamento.<br />

Como mudar?<br />

Seleção (de projetos e não pessoas)<br />

Quando considerado o SNS, historicamente, a seleção<br />

dos líderes tem vindo a seguir uma lógica quase dinástica,<br />

com a atribuição de cargos relevantes aos profissionais<br />

com mais anos e de carreia e maior graduação,<br />

Desvantagens<br />

Tensão no momento do insucesso<br />

Foco no indivíduo<br />

Centrado na visão individual<br />

Tendência à perpetuação do cargo<br />

Impacto negativo na imagem do destituído<br />

Mecanismo de auto-regulação menos eficaz<br />

Selecção inicial mais laborosa<br />

Hipotética rejeição por parte dos “sucessores naturais”<br />

preteridos<br />

sendo que estes dois fatores estão intrínseca e automaticamente<br />

relacionados. A maior graduação é quase<br />

inevitável com a acumulação de mais anos de carreira.<br />

Se, imbuídos de boa-fé e crença na competência adquirida<br />

pelo tempo, este método de alguma forma retira<br />

pressão às administrações hospitalares, no momento da<br />

seleção dos sucessores para cargos de direção, quando<br />

confrontados com o insucesso e com a necessidade de<br />

mudança/substituição, o preço a pagar por esse automatismo,<br />

é elevado. O embaraço criado para ambas as partes<br />

é, frequentemente, relevante a começar pela conceção<br />

individualista da responsabilidade pelo insucesso,<br />

associada ao método de seleção: seleciona-se um líder<br />

e não o seu projeto.<br />

Estas circunstâncias associadas à nomeação de profissionais<br />

para cargos de direção, tem conduzido à manutenção<br />

e perpetuação de modelos que apresentam sucessivamente<br />

resultados sub-ótimos, participando a desmotivação<br />

das equipas, como causa/consequência, ou ambas.<br />

E se o ónus da seleção transitasse para um determinado binómio<br />

projeto/líder, apresentado por um determinado líder,<br />

a executar num determinado período, durante o qual<br />

exerceria funções? Terminado esse período, o projeto e a<br />

sua execução seriam devidamente avaliados, bem como o<br />

desempenho das equipas, a par das iniciativas do líder para<br />

fazer face às dificuldades encontradas.<br />

Na impossibilidade de incumprimento desse mesmo<br />

projeto nos moldes acordados, mas perante a demonstração<br />

concreta dos esforços nesse sentido, apenas vencidos<br />

pelas circunstâncias, poder-se-ia estender o mesmo<br />

projeto por novo período, reconduzindo o seu líder/<br />

diretor. Findo um período, tanto o líder quanto os colaboradores<br />

estão preparados (à priori) para o seu terminus<br />

bem como o ónus da substituição de um líder não é<br />

automaticamente colocado em si mesmo, contornando<br />

tensões e atritos associados.<br />

“<br />

TANTO A PROMOÇÃO COMO A PREMIAÇÃO,<br />

DE FORMA A CONSOLIDAR O PRINCÍPIO<br />

DE JUSTIÇA E DE IGUALDADE QUE PAUTAM<br />

O SNS, REQUEREM O INVESTIMENTO<br />

CONTÍNUO NUM SISTEMA INTEGRADO<br />

DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO,<br />

DE PROMOÇÃO E INCENTIVO À QUALIDADE,<br />

SISTEMA ESTE QUE POSSA GERAR<br />

UM AMBIENTE DE CONFIANÇA PARA<br />

COM AS CHEFIAS E ENTIDADES DECISÓRIAS.<br />

”<br />

Promoção e premiação<br />

Tendo por base o conceito de organização de Amaru<br />

Maximiano, como uma combinação de esforços individuais<br />

que tem por finalidade realizar propósitos coletivos,<br />

apenas será possível tornar inteligível o comportamento<br />

coletivo dessa mesma organização após compreender<br />

o funcionamento ou comportamento individual<br />

dos membros que dela fazem parte 3 .<br />

No behaviorismo, reforço, é a consequência de um<br />

comportamento que o torna mais provável, ou seja,<br />

são estímulos a um determinado comportamento. Os<br />

reforços podem ser de dois tipos: reforço positivo e<br />

reforço negativo. Um reforço positivo aumenta a probabilidade<br />

de um comportamento pela presença de uma<br />

recompensa. Um reforço negativo também aumenta a<br />

probabilidade de um comportamento pela retirada de<br />

um estímulo aversivo após o indivíduo apresentar o<br />

comportamento pretendido 4 .<br />

Estando o SNS sujeito a princípios globais de igualdade<br />

e níveis remuneratórios indexados a tabelas salariais<br />

rígidas dependentes da carreira, as possibilidades são<br />

balizadas, ao inverso de um setor privado onde este<br />

parâmetro relevante é, em abstrato, ilimitado. Resta-nos<br />

uma estratégia combinada de reforços positivos e negativos.<br />

Contemplando que o retorno relacionado com o<br />

trabalho foi identificado como um dos fatores determinantes<br />

para a saída do SNS de uma parte significativa do<br />

seu capital humano, e, os constrangimentos contratuais<br />

não permitem um passo óbvio e direto que se relaciona<br />

com aumentos salariais, é possível fazê-lo de forma<br />

indireta, através da promoção da evolução na carreira,<br />

mediante resultados, bem como através da premiação<br />

dos mesmos. Neste capítulo da premiação, implica<br />

maior liberdade aos diferentes Serviços, Departamentos<br />

e Centros de Respostas Integrados (CRIs), no que<br />

concerne a gestão de horários de trabalho, recompensa<br />

por objetivos com dias de férias extra e/ou costeio de<br />

formação complementar, entre outros, que de alguma<br />

forma se assumissem como verdadeiros reforços positivos,<br />

em alternativa aos incentivos remuneratórios. Não<br />

obstante, a recompensa remuneratória nas Unidades de<br />

Cuidados de Saúde Primários (UCSP) foi iniciada em<br />

território nacional em 2005, com o aparecimento das<br />

Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B, e num estudo<br />

recente foram demonstrados os bons resultados<br />

associados a este modelo, pela eficiência e pela satisfação<br />

dos utentes.<br />

A satisfação dos utentes é indispensável para a avaliação<br />

da qualidade dos cuidados e há evidência da sua correlação<br />

com os próprios resultados em saúde. A satisfação<br />

global nos centros de saúde era de 56,9% em 2005,<br />

e mostraram um aumento muitíssimo significativo, para<br />

79,5%, em 2015, nas USF-B. Se toda a população inscrita<br />

em UCSP estivesse inscrita em USF B teríamos uma<br />

melhoria significativa dos resultados em saúde e uma<br />

redução significativa dos custos globais, mesmo considerando<br />

o aumento com os recursos humanos, gerando<br />

uma poupança de 103.611.995€ no ano de 2015. Em<br />

2018, num estudo realizado foi possível demonstrar que<br />

as USF-B representam maior eficiência com ganhos em<br />

saúde imediatos e a médio/longo prazo (custo global<br />

inferior em 352.832 €) 5-8 .<br />

Se o espaço está criado dentro do próprio SNS, ainda<br />

que exclusivo das UCSP, porque não mimetizar o modelo<br />

nos cuidados hospitalares?<br />

No âmbito dos reforços negativos, a evicção de fatores<br />

geradores de stress e contraproducentes para a qualidade<br />

do serviço prestado, como redução da carga horária,<br />

do trabalho extraordinário indesejado, a melhoria<br />

das condições de trabalho, afiguram-se como parâmetros<br />

de intervenção simples e mais imediatos. Tanto a<br />

promoção como a premiação, de forma a consolidar o<br />

princípio de justiça e de igualdade que pautam o SNS,<br />

requerem o investimento contínuo num sistema integrado<br />

de avaliação de desempenho, de promoção e incentivo<br />

à qualidade, sistema este que possa gerar um<br />

ambiente de confiança para com as chefias e entidades<br />

decisórias, e não seja visto como um meio de controlo,<br />

ameaça e potencial punição. }<br />

80 81


GH opinião<br />

“<br />

A MELHOR FORMA DE SOBREVIVER<br />

A UMA HISTÓRIA DE PRESSÃO<br />

EXTERNA PERMANENTE, CENTRÍPETA<br />

E MULTIDIRECIONAL, É COM MAIS<br />

INOVAÇÃO, ATRIBUINDO UM SENTIDO<br />

AO PRINCÍPIO ECONÓMICO<br />

NEOSCHUMPETERIANO.<br />

”<br />

Quando mudar?<br />

De acordo com os princípios económicos de Kondratieff,<br />

que se tornou famoso por tentar provar estatisticamente<br />

o fenómeno das “ondas longas”, movimentos<br />

cíclicos de aproximadamente 50 anos de duração,<br />

conhecidos posteriormente na Economia, como ciclos<br />

de Kondratieff, ou vivemos em crise ou entre crises, e<br />

ao nosso alcance poderá eventualmente estar apenas o<br />

controlo do comprimento de onda. O SNS tem pouco<br />

menos que 50 anos, mas, felizmente, para lá caminha.<br />

A melhor forma de sobreviver a uma história de pressão<br />

externa permanente, centrípeta e multidirecional, é com<br />

mais inovação, atribuindo um sentido ao princípio económico<br />

neoschumpeteriano. Segundo este, e de forma<br />

adaptada ao contexto da saúde, podemos concluir que<br />

para que uma inovação seja realizada, é necessário que<br />

três condições sejam cumpridas:<br />

1. Novas e mais vantajosas possibilidades do ponto de<br />

vista económico privado;<br />

2. Acesso limitado a tais possibilidades, seja em razão<br />

das qualificações pessoais, seja por causa de circunstâncias<br />

exteriores;<br />

3. A situação económica permita o cálculo de custos e<br />

um planeamento razoavelmente confiável.<br />

Do ponto de vista económico privado, as possibilidades<br />

nunca foram tão diversas como agora. Segundo dados<br />

de 2017, só os dois maiores grupos privados de saúde<br />

valeram, em conjunto, 1.1 mil milhões de euros em proveitos<br />

operacionais (mais 6,7% do que no ano anterior).<br />

A segunda condição é assegurada pela escassez dos recursos<br />

humanos agravada quer pela sua saída contínua<br />

para o setor privado quer para mercados estrangeiros,<br />

tendencialmente mais apelativos. E a terceira, o planeamento,<br />

é desta que o fazemos de vez?<br />

Conclusão<br />

Nas instituições de saúde a liderança é fator determinante<br />

para uma boa gestão. Neste contexto, ganha sentido<br />

refletir acerca dos pressupostos geralmente associados<br />

à seleção dos seus líderes. O perfil pessoal do líder é,<br />

mais que nunca, preponderante na eficácia com que implementa<br />

um projeto a longo prazo, tendo isso impacto<br />

direto nos resultados desejados. A ideia de que a idade<br />

ou a experiência é fator eliminatório no momento de<br />

selecionar o líder, sobrepondo-se essa variável a qualquer<br />

outra, está ultrapassada, sendo progressivamente<br />

valorizados critérios mais adaptados aos desafios que a<br />

atualidade das instituições vai impondo. Esta alteração<br />

de modelo de gestão de liderança é perspetivada como<br />

um dos fatores primordiais para a evolução de processos<br />

através de novas visões de organização de serviços,<br />

especialmente centrados em tecnologia.<br />

Atualmente debate-se acerca da necessidade da constante<br />

adequação dos meios para alcançar metas dinâmicas,<br />

no entanto a temática da meritocracia tem tanto<br />

de consensual como de difícil implementação, tendo<br />

em conta a subjetividade do conceito. Quando considerado<br />

o SNS, surgem dificuldades acrescidas impostas<br />

por limitações no recurso a instrumentos pragmáticos<br />

e contemporâneos de gestão de equipas. A proposta<br />

apresentada de um modelo integrativo: 1) centrado em<br />

projetos e suportado por medidas auxiliares de 2) promoção<br />

e 3) premiação, visa colmatar ou minimizar estas<br />

limitações específicas que se têm perpetuado ao longo<br />

dos 40 anos do SNS. Mais do que promover a mudança,<br />

é fundamental promover a mudança da mudança que<br />

se tem observado ao longo do tempo, que tem pecado<br />

por especial desfasamento da realidade, surgindo invariavelmente<br />

tarde demais. Ã<br />

1. Eira, A. "A Saúde em Portugal: A procura de cuidados de saúde privados." Faculdade<br />

de economia da universidade do Porto (2010).<br />

2. Ferreira, M., Lopes, A., Guimarães, M. & Barros, H. "A Carreira Médica e os<br />

Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde" Acta Medica Portuguesa<br />

(2018).<br />

3. Pereira, A. et al.. "Avaliação custos-consequências comparativa das USF B e UCSP<br />

2015. Unidades Funcionais dos CSP como Centros de Resultados" Coord. Nac.<br />

para a Reforma do SNS área dos Cuid. Saúde Primários (2018).<br />

4. Calejo, M. A. M. O diagrama do conhecimento da partição económica e da<br />

história. (2009).<br />

5. Ferreira, P. L. & Raposo, V. "Monitorização da satisfação dos utilizadores das USF<br />

e de uma amostra de UCSP" CEISUC (2015).<br />

6. Alcântara, P. & Cabral, M. V. O Estado da Saúde em Portugal. (2009).<br />

7. Goldsmith, M. & Reiter, M. O que o fez chegar aqui, não o leva mais além.<br />

SmartBook (2011).<br />

8. Bernhart, M. H., Wiadnyana, I. G. P., Wihardjo, H. & Pohan, I. "Patient satisfaction<br />

in developing countries" Social Science and Medicine, (1999).<br />

82


GH doença oncológica<br />

PROJETO ONCOMMUNITIES:<br />

ACOMPANHAMENTO ONLINE PARA<br />

MULHERES COM CANCRO DE MAMA<br />

Maria Piedade Leão<br />

Psicóloga Clínica. Coordenadora do projeto Oncommunities<br />

- IPO Coimbra<br />

O<br />

cancro de mama é uma das doenças<br />

oncológicas mais prevalentes no nosso<br />

país, com aproximadamente 7000 novos<br />

diagnósticos a cada ano.<br />

O primeiro ano após o diagnóstico<br />

compreende, habitualmente, os tratamentos mais agressivos,<br />

em que as doentes estão mais expostas e vulneráveis<br />

ao sofrimento físico (acção do próprio tumor e efeitos secundários<br />

dos tratamentos), psicológico (ansiedade, medo,<br />

imprevisibilidade do futuro), existencial (questionamento<br />

do projeto e do sentido de vida) e social (ajustes<br />

no exercício da profissão, necessidade de ativação de recursos<br />

comunitários, ajustes na interação com as redes<br />

formal e informal). Este sofrimento global, se não for devidamente<br />

sinalizado e acompanhado, terá impactos negativos<br />

importantes na qualidade de vida das doentes, das<br />

famílias e das próprias comunidades.<br />

Nos anos seguintes ao diagnóstico, as mulheres continuarão<br />

a enfrentar desafios relacionados com a saúde física<br />

(efeitos secundários tardios dos tratamentos realizados) e<br />

com a saúde psicológica (sintomas ansiosos, ou depressivos).<br />

Estes desafios estão solidamente descritos na literatura;<br />

está igualmente fundamentado que o sofrimento<br />

psicológico está associado a piores resultados em saúde<br />

(perda de qualidade de vida, quebra na adesão ao plano<br />

de tratamentos, maior frequência no recurso a consultas<br />

não planeadas). Paradoxalmente, a atenção aos impactos<br />

psicológicos do diagnóstico e dos tratamentos está dificultada<br />

pela falta de recursos humanos e de meios técnicos<br />

que permitam identificar este tipo de sofrimento e<br />

intervir precocemente. Assim sendo, é fundamental atuar<br />

no sentido da identificação precoce de dificuldades, necessidades<br />

e de recursos; esta identificação garantirá o<br />

acesso a cuidados de saúde especializados, minimizando<br />

a magnitude dos impactos negativos na pessoa, na família<br />

e na comunidade.<br />

As contingências sócio-sanitárias decorrentes da pandemia<br />

Covid-19 tornam ainda mais pertinente a adopção<br />

de estratégias que aliem a minimização do risco de contágio<br />

à necessidade de garantir o acompanhamento dos<br />

doentes em tratamento ativo, bem como a vigilância clínica<br />

e psicológica das sobreviventes de cancro de mama.<br />

O Projeto Oncommunities, de visão e financiamento europeus<br />

(Programa EIT Health), é um programa inovador<br />

que nasceu no início de 2019 em Barcelona (Fundacio<br />

Institut d'Investigacio Biomedica de Bellvitge e Institut Catalã<br />

d’Oncologia), sendo posteriormente alargado a equipas de<br />

Portugal (Instituto Pedro Nunes e Instituto Português de<br />

Oncologia de Coimbra) e da Polónia (Nofer Instituteof Occupational<br />

Medicine). Atualmente, para além dos parceiros<br />

já referidos, integram o Projeto o Hospital de la Santa<br />

Creu i Sant Pau (HSCSP, Barcelona) e o Hospital General<br />

Universitario Gregorio Maranon (HGM, Madrid).<br />

O objectivo geral é garantir que mulheres com cancro<br />

de mama têm acesso aos recursos técnicos, pedagógicos<br />

e psicoterapêuticos necessários para responder aos<br />

desafios e às exigências colocadas pela doença. A criação<br />

de uma app, atrativa e intuitiva, foi a forma encontrada<br />

para facilitar o encontro entre as doentes e a equipa<br />

de saúde, com tempos mínimos de resposta entre a<br />

identificação da necessidade e o aconselhamento por<br />

parte da equipa. A app, no pleno uso das suas potencialidades,<br />

permitirá cuidados integrais e personalizados,<br />

contribuindo para aumentar a segurança em saúde, para<br />

otimizar os recursos disponíveis e para empoderar as<br />

doentes no seu percurso de tratamentos.<br />

Objectivos específicos<br />

• Garantir o acompanhamento contínuo e personalizado<br />

de mulheres com cancro de mama (acompanhamento<br />

médico, de enfermagem e psicológico);<br />

• Reforçar abordagens multidisciplinares que melhor<br />

respondam às necessidades integrais das doentes;<br />

• Monitorizar sintomas físicos e psicológicos, assegurando,<br />

sempre que necessário, respostas ágeis em complicações<br />

associadas aos tratamentos;<br />

• Maximizar a segurança em saúde durante os tratamentos<br />

oncológicos;<br />

• Garantir ajuda psicológica contínua e personalizada;<br />

• Melhorar índices de qualidade de vida e a satisfação<br />

global com os cuidados recebidos;<br />

• Integrar as novas tecnologias no plano de acompanhamento<br />

das doentes.<br />

O público-alvo<br />

O público-alvo são mulheres com cancro de mama,<br />

com especial enfoque no primeiro ano após o diagnóstico,<br />

que tenham conta de e-mail, telemóvel com software<br />

compatível com a app e acesso à internet.<br />

As potenciais utilizadoras da app são sinalizadas por elementos<br />

do Grupo Multidisciplinar de Mama do IPOC e<br />

encaminhadas para a equipa do Projeto que fará a apresentação<br />

da aplicação, esclarecerá dúvidas e recolherá o<br />

consentimento informado como forma de garantir que<br />

a participação das doentes é livre e esclarecida.<br />

A equipa<br />

Reconhecendo a multidimensionalidade dos desafios<br />

que as mulheres com cancro de mama enfrentam, também<br />

a equipa é multi e interdisciplinar, sendo constituída<br />

por duas médicas (médica oncologista e médica cirurgiã),<br />

duas enfermeiras especialistas, uma psicóloga clínica<br />

e uma técnica superior. A interdisciplinaridade responde<br />

às necessidades das doentes na área médica, de enfermagem<br />

e da psicologia clínica.<br />

Aplicabilidade da app<br />

A app tem quatro níveis de intervenção que permitem<br />

monitorizar sintomas físicos e psicológicos, agendar a<br />

prescrição de intervenções, recordar a toma de medicação,<br />

assegurar aconselhamento psicológico, bem como<br />

o contacto com o profissional de saúde de referência<br />

para a área do sintoma identificado (medicina, enfermagem<br />

ou psicologia). Em situações de agravamento<br />

de sintomas, ou de dificuldade na contextualização das<br />

queixas, é possível agendar avaliação através de videoconferência.<br />

Possibilita, ainda, sob supervisão dos profissionais<br />

de saúde, estabelecer grupo de conversação<br />

entre doentes para partilha de experiências e suportemútuo<br />

(rede social privada).<br />

1.<strong>º</strong> Nível: Monitorização e Triagem<br />

Este 1.<strong>º</strong> nível de cuidados permite a monitorização de<br />

sintomas físicos e psicológicos. É também possível registar<br />

a medicação prescrita, e acompanhar o grau de<br />

adesão à terapêutica. As doentes podem contactar a<br />

equipa de saúde através de mensagem privada; a equipa<br />

assegura resposta às questões colocadas com a maior<br />

brevidade possível.<br />

2.<strong>º</strong> Nível: Campus<br />

A app permite que os profissionais de saúde, após identificarem<br />

necessidades específicas, aconselhem o visionamento<br />

de conteúdos online de carácter psico-educativo<br />

(por exemplo: Como lidar com a ansiedade após o<br />

diagnóstico? ou Recomendações nutricionais).<br />

3.<strong>º</strong> Nível: Rede social privada<br />

Esta aplicabilidade permite que as doentes interajam<br />

entre si, e com os profissionais de saúde, de forma }<br />

84 85


GH doença oncológica<br />

anónima. Pretende-se disponibilizar um espaço virtual<br />

privilegiado para a partilha de dúvidas, de informações,<br />

de recursos úteis, e de suporte mútuo. A rede social é<br />

acompanhada em permanência por um profissional de<br />

saúde que medeia e estimula as interações e garante o<br />

rigor dos conteúdos partilhados.<br />

4.<strong>º</strong> Nível: Terapia intensiva<br />

Nas situações em que se identifique sofrimento psicológico<br />

severo, o psicólogo da equipa recorre à videoconferência<br />

para sessões semanais de acompanhamento de<br />

cariz psicoterapêutico. Este acompanhamento é intensivo<br />

e personalizado.<br />

O funcionamento<br />

As doentes acedem diariamente à app e consultam o<br />

planeamento para o dia (consultas médicas, tratamentos,<br />

exames, questionários de avaliação psicológica a responder),<br />

registam sintomas físicos e psicológicos, revêm<br />

a medicação a tomar, verificam eventuais contactos por<br />

parte da equipa de saúde, e, se necessário, enviam mensagem<br />

à equipa.<br />

A equipa também acede diariamente à app para verificar<br />

as interações por parte das doentes (registo de sintomas,<br />

índices de sofrimento psicológico, mensagens).<br />

Sempre que os sintomas registados forem severos, o<br />

alerta surge em cor vermelha para identificação rápida<br />

Doentes e famílias<br />

Hospital e equipa de saúde<br />

Comunidade<br />

por parte da equipa; sintomas moderados são exibidos<br />

em cor laranja, e os sintomas ligeiros em cor verde. Este<br />

sistema de cores ajuda a equipa a concentrar atenção e<br />

recursos nas situações que exigem intervenção urgente.<br />

Benefícios e vantagens da app<br />

Na tabela da página seguinte apresentamos os principais<br />

benefícios e vantagens da utilização da app para doentes<br />

e famílias, para profissionais de saúde envolvidos, e para<br />

a comunidade de modo geral.<br />

Resultados e conclusões<br />

Até final de dezembro de 2020, 102 doentes beneficiavam<br />

da app. Foram respondidos 700 questionários de<br />

avaliação psicológica (Sofrimento Psicológico, Qualidade<br />

de Vida, Apoio Social, Stress Pós-Traumático, Crescimento<br />

Pós-Traumático), e reportados 500 sintomas que foram<br />

respondidos pela equipa multidisciplinar.<br />

Pela facilidade de uso, e potencial em termos de promoção<br />

de qualidade de vida das doentes, consideramos<br />

que o Projeto Oncommunities tem um enorme potencial<br />

e deve continuar a ser uma ferramenta ao serviço das<br />

equipas de saúde, das doentes e das famílias. Atendendo<br />

a este potencial, será interessante ponderar o alargamento<br />

do Projeto a doentes com outras patologias<br />

oncológicas.<br />

Os ajustamentos à prestação de cuidados de saúde durante<br />

a pandemia Covid tornam ainda mais pertinente<br />

a adopção de estratégias que aliem o cumprimento das<br />

medidas de proteção à necessidade de garantir o acompanhamento<br />

das doentes em tratamento ativo. Tam-<br />

Cuidados contínuos, personalizados e integrais<br />

Uso fácil e intuitivo<br />

Sentimentos de maior segurança e confiança<br />

Acesso fácil e rápido à equipa multidisciplinar<br />

<strong>Gestão</strong> de sintomas negativos sem ida a urgência hospitalar<br />

Melhor gestão de sintomas psicológicos<br />

Satisfação da equipa por integrar projecto inovador<br />

Gratificação profissional pela proximidade aos doentes<br />

Antecipação e controlo de eventos adversos<br />

(previsível) redução de idas a urgências<br />

Eficiência na gestão de recursos humanos disponíveis<br />

Eficiência na gestão de recursos<br />

Satisfação de todos os envolvidos (doente/família/equipa)<br />

Parceria entre o sector da saúde e instituto tecnológico<br />

Reconhecimento das novas tecnologias de informação como ferramentas de<br />

trabalho úteis em saúde<br />

Contribuição para a produção de conhecimento científico<br />

bém neste contexto, o Projeto Oncommunities apresenta-se<br />

como uma mais-valia por permitir, à distância, a<br />

contínua monitorização clínica e psicossocial do percurso<br />

das doentes. Ã<br />

86 87


GH estudo<br />

DESIGN THINKING COMO<br />

FERRAMENTA PARA A EFICIÊNCIA<br />

NO BLOCO OPERATÓRIO<br />

José Carlos Caiado<br />

Professor Auxiliar Convidado,<br />

Coordenador Health & Analytics Lab NOVA IMS<br />

Guilherme Victorino<br />

Professor Auxiliar Convidado,<br />

Coordenador Health & Analytics Lab NOVA IMS<br />

Sofia Grilo<br />

Innovation & Analytics Lab NOVA IMS<br />

A<br />

ausência de um planeamento estratégico<br />

adequado e a falta de informação<br />

epidemiológica e de gestão torna difícil<br />

o planeamento da oferta de cuidados<br />

de saúde. O sistema carece muitas<br />

vezes de uma cultura de avaliação e de responsabilização<br />

e as ferramentas de gestão têm que acompanhar<br />

as necessidades cada vez mais exigentes de gestão das<br />

unidades de saúde. A capacidade de inovação e a descentralização<br />

dos objetivos dentro das instituições é fundamental<br />

e, para isso, é necessária a implementação de uma<br />

gestão estratégica em vez de uma gestão reativa de forma<br />

a contribuir para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.<br />

O facto de os recursos na área da saúde serem escassos<br />

e limitados impõem que os gestores hospitalares, nomeadamente<br />

nos hospitais públicos, tenham uma necessidade<br />

crescente de encontrar formas de organização interna que<br />

lhes permita obter melhores desempenhos, clínicos, assistências<br />

e de qualidade, ao mais baixo custo. Assim, os<br />

gestores destas organizações de saúde necessitam implementar<br />

sistemas de gestão e avaliação da performance nas<br />

suas diferentes dimensões de desempenho para que de<br />

forma atempada lhes permita corrigir os desvios verificados<br />

de modo a melhorar o desempenho da organização.<br />

Uma das áreas críticas é o Bloco Operatório onde o alinhamento<br />

entre os objetivos estratégicos e de inovação e<br />

os objetivos operacionais e de eficiência são uma forma<br />

clara de responder às novas necessidades melhoria de performance,<br />

atingindo melhores desempenhos económicos<br />

e financeiros e ao mesmo tempo prestando cuidados de<br />

saúde de qualidade e a custos comportáveis para os uten-<br />

tes. É, pois, importante avaliar em que medida os hospitais<br />

têm implementado processos corretos de definição e alinhamento<br />

entre os objetivos estratégicos e os objetivos<br />

operacionais e relacionar a assistência desses processos<br />

estruturados de planeamento e controlo de gestão com a<br />

obtenção de melhores indicadores de desempenho.<br />

Com vista a lançar o debate sobre novas oportunidades<br />

de inovação e aumento da eficiência no Bloco Operatório,<br />

a NOVA Information Management School (NOVA<br />

IMS) em parceria com a APAH e com o apoio da Bayer,<br />

desenvolveu um projeto inovador através da metodologia<br />

de Design Thinking. O objetivo era o de aprofundar<br />

possíveis formas de intervir no workflow e melhorar a<br />

eficiência do Bloco Operatório (BO) através de novas<br />

abordagens centradas na humanização para o doente e<br />

na optimização operacional para o hospital.<br />

Através de um modelo de co-criação recorrendo a uma<br />

plataforma online foi feita uma primeira leitura das percepções<br />

e atitudes de um grupo de peritos em relação à<br />

temática e, posteriormente, desenhadas interações síncronas<br />

que captaram de forma abrangente as diferentes opiniões.<br />

Os participantes representam um grupo heterogéneo,<br />

proveniente de diferentes áreas da saúde - administradores<br />

hospitalares e corpo clínico - de forma a integrar<br />

visões, experiências e expectativas distintas permitindo<br />

alinhar percepções e atitudes entre todos os stakeholders.<br />

Os resultados refletem posições concordantes às prioridades<br />

identificadas sendo de salientar aspetos como a<br />

valorização dos recursos humanos, a liderança e comunicação;<br />

o desenvolvimento de uma cultura de gestão<br />

de informação; e a melhoria da gestão operacional de<br />

processos e recursos (físicos, humanos e financeiros).<br />

Desafios culturais e comportamentais<br />

Uma organização hospitalar engloba diversas dimensões<br />

(produção, operacional, financeira, recursos humanos...),<br />

por esse motivo é importante definir o alinhamento das<br />

áreas prioritárias para o cumprimento dos seus objetivos<br />

globais. No entanto, a opinião dos participantes foi concordante<br />

na medida em que lhes é difícil definir áreas<br />

prioritárias num contexto tão interdependente como um<br />

hospital. O BO foi considerado um espaço de convergência<br />

de uma grande diversidade de profissionais onde,<br />

existindo esta complexidade, há que valorizar o estabelecimento<br />

de dinâmicas que promovam a conexão e integração<br />

com todas as unidades funcionais da organização.<br />

Tendo em conta a clareza dos objetivos definidos para<br />

o bloco operatório e a alocação dos meios necessários<br />

para a sua prossecução, é de notar que a maioria dos<br />

participantes tende a uma maior valorização da eficiência<br />

e gestão do BO tendo em conta a situação pandémica<br />

vivida atualmente. O agendamento cirúrgico e reorganização<br />

de processos são fatores apontados como<br />

essenciais para potenciar a eficiência e eficácia do BO.<br />

Contudo, apesar dos objetivos estarem bem definidos,<br />

os meios e apoio necessários à sua prossecução ficam<br />

aquém das necessidades. Por esse motivo, foi entendido<br />

como relevante aprofundar se os objetivos definidos<br />

eram percebidos pelos participantes como hierárquicos,<br />

burocráticos ou orientados a resultados. O consenso foi<br />

geral, os objetivos devem ser orientados a resultados<br />

apesar de 25% dos participantes reconhecerem que o<br />

processo atual de definição de objetivos ainda é hierárquico<br />

ou muito burocrático.<br />

Para terminar esta secção do estudo, foi averiguada a qualidade<br />

da gestão de informação. Apontada como ineficiente<br />

pela maioria dos participantes (75%), que apesar de terem<br />

consciência da sua existência a criticam por ineficácia.<br />

Desafios da pandemia<br />

Na segunda secção foram explorados os desafios que<br />

emergiram da situação pandémica. Desde os potenciais<br />

impactos das novas regras e procedimentos até à necessidade<br />

de melhoria da eficiência do BO. A nível global o<br />

aumento das listas de espera após o eclodir da pandemia<br />

tem sido notório.<br />

Analisando as opiniões dos participantes relativamente }<br />

88 89


GH estudo<br />

Figura 1: Wordclouds resultantes da análise do conteúdo das respostas dos participantes. À esquerda, palavras associadas aos aspetos que determinam o<br />

sucesso da implementação de um processo de melhoria de eficiência e, à direita, as palavras associadas ao fracasso da implementação de um processo de<br />

melhoria de eficiência.<br />

ao planeamento necessário, resultante da implementação<br />

de novas medidas para combater a pandemia, estas são diversas,<br />

de acordo com a experiência de cada participante.<br />

Não obstante, os seguintes pontos parecem sobressaltar:<br />

1. Exigência de teste prévio à Covid-19;<br />

2. Espaçamento temporal entre cirurgias, de modo a<br />

permitir a desinfeção adequadas;<br />

3. Necessidade de tratar os doentes muito prioritários,<br />

prioritários e oncológicos que se encontram registados<br />

em lista de espera.<br />

Para que estes três pontos sejam assegurados é sugerido<br />

a criação de um protocolo de segurança, que garanta que<br />

todo o corpo clínico está livre de infecção, treinar os protocolos,<br />

esclarecendo todos os intervenientes no processo<br />

e reavaliando periodicamente as medidas implementadas.<br />

O estudo foi ainda mais longe, tentando recolher a visão<br />

dos participantes no que toca à implementação do<br />

modelo ideal de recuperação das listas de espera. As<br />

opiniões centram-se na aplicação de um sistema misto,<br />

público com adicional e privado com SIGIC; utilização do<br />

potencial dos BO; inclusão de critérios clínicos na avaliação<br />

da qualidade das cirurgias efetuadas, minimizando<br />

desperdícios e; reavaliação do modelo de financiamento.<br />

Desafios técnicos e de processo<br />

Nesta 3ª secção do estudo, foram investigados os desafios<br />

técnicos e de processo pedindo aos participantes<br />

para desenhar um procedimento que permitisse a melhoria<br />

da eficiência do BO. Após este desenho foram<br />

solicitadas três razões para o eventual sucesso do processo<br />

e três possíveis razões para que a medida tivesse<br />

resistência na implementação.<br />

Os seguintes pontos foram salientados pelos participantes,<br />

aquando o desenho de um processo de melhoria de<br />

eficiência do BO:<br />

1. Aumentar a taxa de ocupação dos BO, para tal será<br />

necessário um agendamento cirúrgico, penalizando cancelamentos<br />

não justificados;<br />

2. Aumento do rigor de utilização do bloco, valorizando<br />

a melhoria da produtividade;<br />

3. Redução dos períodos pré e pós-cirurgia, melhorando<br />

a eficácia de desinfeção;<br />

4. Avaliação do cumprimento das guidelines, efetuando<br />

reuniões periódicas com as equipas e intervenientes no<br />

processo. Criação de um benchmark entre equipas internas<br />

e externas;<br />

5. Auditorias periódicas aos procedimentos de segurança<br />

e cumprimento de metas;<br />

6. Root analysis dos custos de cada intervenção.<br />

Ao analisar a Figura 1, as palavras utilizadas tanto a fatores<br />

positivos como a fatores negativos são concordantes, ou<br />

seja, os pontos fulcrais para atingir o sucesso e evitar o<br />

fracasso estão relacionados com a valorização dos recursos<br />

humanos, a liderança assertiva e a comunicação clara<br />

e transparente.<br />

Como sugestão para melhorar este aspeto surgem as<br />

seguintes recomendações:<br />

1. Envolvimento dos profissionais na tomada de decisões,<br />

solicitando sugestões para a resolução de problemas<br />

identificados - estratégia em rede;<br />

2. Definição clara das etapas do processo e dos objetivos,<br />

incluindo prazos;<br />

3. Incentivar comportamentos de reconhecimento, através<br />

do reforço positivo.<br />

Várias outras sugestões foram apresentadas pelos participantes,<br />

nomeadamente a necessidade de estabelecer<br />

um sistema que melhore o cumprimento dos horários<br />

das cirurgias, em particular da primeira cirurgia do dia;<br />

a análise regular do plano cirúrgico dos serviços, otimizando<br />

os tempos disponibilizados e identificando falhas<br />

passadas; o envolvimento das estruturas intermédias de<br />

gestão, apelando à adesão e motivação das equipas; a<br />

inclusão no processo de gestão de eficiência as camas<br />

de recobro disponíveis; e por último, mas não menos<br />

importante, perceber se toda a equipa reconhece as vantagens<br />

do processo a ser implementado.<br />

Desafios organização e financiamento<br />

Após terem sido analisados os desafios estruturais e a percepção<br />

das dificuldades da situação é importante analisar<br />

os desafios associados ao financiamento das propostas sugeridas<br />

na secção anterior. Para tal, foi questionado qual o<br />

modelo de financiamento ideal para melhorar a atividade<br />

do BO, dando como exemplos o financiamento baseado<br />

em resultados e a organização das equipas em Centros<br />

de Responsabilidade Integrados. As propostas dos participantes<br />

são claras: o financiamento deve ser baseado<br />

em resultados e deve chegar às equipas. Deste modo é<br />

garantido que os objetivos estão definidos de forma clara<br />

e transparente, assentes numa visão transversal.<br />

De seguida foram analisadas as razões para que o tema<br />

- melhoria da eficiência do bloco operatório - não esteja<br />

muitas vezes refletido nas prioridades diárias. Os aspetos<br />

levantados pelos participantes, foram os seguintes: necessidade<br />

de evitar conflitos, política de recursos humanos<br />

inflexível, existência de outras prioridades resultantes<br />

da ausência de planeamento, ignorância face ao tema,<br />

ausência de comunicação e incentivos motivadores e falta<br />

de instalações que permitam o aumento de eficiência.<br />

Procurou-se ainda explorar as consequências imediatas<br />

para a gestão da redução expectável da procura, resultante<br />

do impacto da Covid-19: impacto negativo na saúde<br />

dos cidadãos; reajustamento transitório dos recursos<br />

humanos; imprevisibilidade da procura futura; menos receitas<br />

e; desmobilização das equipas - devido ao cansaço<br />

e frustação perante a incerteza. Para reduzir estas preocupações<br />

é sugerido o planeamento e dimensionamento<br />

dos recursos para o período de retoma à normalidade<br />

e previsão de um modelo de complementaridade no<br />

acesso às instituições, incluindo o setor privado e social.<br />

Caso de estudo oftalmologia<br />

Na última secção da parte assíncrona do estudo, foi aprofundado<br />

o caso da oftalmologia como possível exemplo<br />

de inovação para a melhoria de eficiência. Os participantes<br />

foram questionados inicialmente sobre como é<br />

que a oftalmologia poderá contribuir para a optimização<br />

do BO. Os quatro pontos salientados para promover a<br />

optimização foram:<br />

1. Apostar na ambulatorização;<br />

2. Simplificação dos circuitos;<br />

3. Criação de uma boa dinâmica entre equipas;<br />

4. Desenvolvimento de programas informáticos mais intuitivos.<br />

Relativamente às prioridades de atuação, a maioria dos<br />

participantes definiu a seguinte ordem: agendamento,<br />

“<br />

NA ÚLTIMA SECÇÃO DA PARTE ASSÍNCRONA<br />

DO ESTUDO, FOI APROFUNDADO O CASO<br />

DA OFTALMOLOGIA COMO POSSÍVEL<br />

EXEMPLO DE INOVAÇÃO PARA A MELHORIA<br />

DE EFICIÊNCIA. OS PARTICI PANTES FORAM<br />

QUESTIONADOS INICIALMENTE SOBRE<br />

COMO É QUE A OFTALMOLOGIA<br />

PODERÁ CONTRIBUIR PARA A<br />

OPTIMIZAÇÃO DO BO.<br />

”<br />

tempo de bloco disponível para intervenções específicas,<br />

e diminuição da carga burocrática.<br />

Após definição das áreas percepcionadas como prioritárias,<br />

os participantes foram incentivados a partilhar três<br />

ideias concretas para a melhoria de cada uma das dimensões<br />

anteriormente apresentadas. Para o agendamento,<br />

foram apresentadas sugestões como analisar a dinâmica<br />

nos consultórios privados; o agendamento antecipado<br />

(havendo doentes prontos “em bolsa”); o processo ser<br />

suportado em sistemas de informação fiáveis e intuitivos;<br />

e adequar o tempo disponível aos tempos de padrão cirúrgico.<br />

Quanto aos tempos de bloco, diferentes ideias<br />

como a definição dos tempos operatórios para a realização<br />

da intervenção, definição de um compromisso<br />

com a equipa cirúrgica; organização dos processos de<br />

forma a minimizar tempos inutilizados estritamente ao<br />

necessário; e o tempo de utilização ser “debitado” às<br />

equipas, licitando junto do hospital e (co)pagando o aluguer.<br />

Por último, para a diminuição da carga burocrática,<br />

as propostas foram as seguintes: definir o que é estritamente<br />

necessário; reduzir a complexidade dos registos;<br />

conceder autonomia aos profissionais; e automatizar as<br />

aplicações informáticas de agendamento.<br />

Por último, foram facultadas três opções de inovação no<br />

processo, nomeadamente no local de administração de<br />

injeções intravítreas: bloco operatório, sala limpa e unidade<br />

móvel. As opiniões dos participantes, dividiram-se }<br />

90 91


GH estudo<br />

Figura 2: Esquema de definição do espaço de oportunidades, organizado através da apresentação de 10 questões.<br />

entre a sala limpa e a unidade móvel. O único participante<br />

que votou no bloco operatório como opção, justificou<br />

como sendo a metodologia aplicada no seu local de<br />

trabalho, e que para além disso, a sala limpa requer uma<br />

boa ventilação para manter a circulação de ar segura. As<br />

justificações apresentadas para a escolha de salas limpas<br />

como opção foram as seguintes: redução do tempo que<br />

o paciente passa no hospital; integração na área do ambulatório;<br />

segurança que transmite aos pacientes por se<br />

encontrar em meio hospitalar; e relação da sala limpa<br />

com o custo associado à intervenção. Por outro lado,<br />

os argumentos apontados para a opção de unidade móvel<br />

foram as seguintes: cuidados de saúde centrados no<br />

doente; circuitos bem definidos e simples; prestação de<br />

cuidados na comunidade e libertação de espaço do BO;<br />

e melhoria do acesso aos cuidados de saúde.<br />

Na sessão síncrona do estudo, os insights nesta vertente<br />

foram ainda mais interessantes. Sendo referido que a oftalmologia,<br />

na maioria dos hospitais, funciona em horas<br />

específicas com recursos humanos alocados. Sendo que<br />

a sala limpa seria uma solução para aumento da eficiência<br />

do BO, enquanto a unidade móvel, não sendo de descartar,<br />

poderia ser útil para consultas. De acordo com<br />

os participantes, o grande desafio na unidade móvel é<br />

a implementação. Exemplos internacionais que já implementaram<br />

unidades móveis, instalações que se montam<br />

numa hora e são utilizadas para injeções intravítreas, têm<br />

obtido resultados bastante satisfatórios, dando confiança<br />

aos participantes na implementação de unidades móveis.<br />

Principais espaços de oportunidade<br />

identificados pelos peritos<br />

Baseado na análise dos dados, não só da componente<br />

síncrona - acima descrita detalhadamente, mas também<br />

da assíncrona, foram identificados espaços de oportunidade<br />

a explorar no futuro.<br />

Nos últimos 20 anos, muitas alterações têm vindo a ser<br />

feitas referentes à autonomia das unidades hospitalares.<br />

No entanto, todos os participantes deste estudo concordam<br />

que deveria haver maior autonomia. Resultante<br />

desta autonomia, poderão ser desenhados incentivos<br />

para promover uma nova cultura organizacional no BO,<br />

motivando o desempenho de toda a área clínica.<br />

Através deste estudo foi possível identificar três espaços<br />

de oportunidade essenciais:<br />

1. Valorização da liderança e comunicação - tema referenciado<br />

de forma recorrente, não havendo, contudo,<br />

uma ideia explícita sobre como o endereçar. Geralmente<br />

um reflexo da cultura organizacional e de outros desafios<br />

a montante que importam diagnosticar;<br />

2. Desenvolvimento de uma cultura de gestão de informação<br />

- processo visto como puramente técnico (informática<br />

e gestores de informação), que não engloba uma<br />

metodologia integrada de gestão operacional e clínica do<br />

BO (relevância dos indicadores, interpretação intuitiva dos<br />

dashboards, métodos analíticos avançados para suporte<br />

à decisão, etc.);<br />

3. <strong>Gestão</strong> operacional de processos e recursos - referida<br />

a dificuldade de planeamento efetivo e de uma gestão<br />

iminentemente reativa. Lacunas ao nível da política para<br />

gestão de recursos humanos, ao nível das instalações físicas<br />

que permitam melhorar a rentabilidade dos blocos, e<br />

em relação ao modelo de financiamento.<br />

Na figura 2 apresentamos uma síntese dos espaços de<br />

oportunidade a explorar para a melhoria da eficiência<br />

do BO:<br />

De modo a facilitar a procura de respostas às questões<br />

levantadas, salientamos os pontos referidos pelos participantes<br />

nas sessões síncronas de discussão:<br />

• Desenvolvimento de um enquadramento legislativo<br />

que permita o reconhecimento do mérito e a avaliação<br />

pelo desempenho;<br />

• Reforço da autonomia das instituições acompanhada<br />

por maior responsabilização pelos resultados alcançados;<br />

• Fixação de contratos de gestão com os membros dos<br />

conselhos de administração, alinhados com o grau de<br />

cumprimento dos planos de atividades e orçamentos da<br />

organização;<br />

• Avaliação do desempenho dos conselhos de administração<br />

em função do grau de cumprimento dos objetivos<br />

fixados;<br />

• Reforço da gestão intermédia, com mais autonomia,<br />

delegação de competências e maior responsabilização<br />

pelos resultados alcançados a nível operacional;<br />

• Desenvolver uma cultura de gestão por resultados de<br />

forma a envolver e garantir uma maior participação por<br />

parte dos colaboradores;<br />

• Criar programas de gestão da mudança que possam<br />

potenciar o espírito de melhoria contínua dos processos<br />

internos.<br />

Compromisso para o futuro<br />

A existência de um processo integrado de planeamento<br />

e controlo de gestão, que permita o alinhamento entre<br />

os objetivos estratégicos e os objetivos operacionais, pode<br />

contribuir de forma decisiva para alcançar melhores<br />

indicadores de desempenho a nível hospitalar. Compreendemos<br />

que a performance nunca é resultado de<br />

uma qualquer relação de causa efeito. Pelo contrário, é o<br />

produto de uma multiplicidade de fatores que se influenciam<br />

e inter-relacionam.<br />

Num contexto de crescente necessidade de consumo<br />

de recursos ao nível dos cuidados de saúde e de restrições<br />

orçamentais, temos que perceber a melhor forma<br />

de garantir uma utilização adequada dos recursos disponíveis,<br />

assegurando os níveis de qualidade e de acessibilidade<br />

aos cuidados de saúde a custos comportáveis<br />

para os utentes e para o contribuinte. O Bloco Operatório<br />

pela sua importância estratégica na organização<br />

pode ser pioneiro em novas abordagens que permitam<br />

uma melhor utilização em função das características das<br />

diferentes patologias. Como ficou patente neste estudo,<br />

a oftalmologia pode ser um espaço de oportunidade de<br />

inovação ao nível de processos, tecnologia e gestão de<br />

recursos físicos. Cabe a cada unidade hospitalar a identificação<br />

de equipas de inovação multidisciplinares com<br />

capacidade de implementação de projetos piloto, medição<br />

de resultados e de posteriormente avançar com<br />

a disseminação de melhores práticas. Esperamos que o<br />

contributo deste estudo contribua para um novo compromisso<br />

para o futuro! Ã<br />

BAYER PORTUGAL, LDA.<br />

Rua Quinta do Pinheiro, 5<br />

2794-003 Carnaxide<br />

www.bayer.pt<br />

92<br />

MAC-MACS-PT-0006-1 03/<strong>2021</strong>


GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />

A FARMACOGENÉTICA<br />

NA PRÁTICA CLÍNICA<br />

Ana Teresa Freitas<br />

CEO da HeartGenetics<br />

Na atualidade, um dos grandes problemas<br />

de saúde pública prende-se com a<br />

variabilidade na resposta dos pacientes<br />

aos medicamentos, que leva a gastos<br />

excessivos com internamentos, com a<br />

gestão de efeitos secundários e com a gestão da falha<br />

terapêutica. Estas questões tornam-se ainda mais graves<br />

quando se considera o sofrimento causado no paciente<br />

pelos efeitos secundários da medicação ou pela falha<br />

terapêutica e respetivo prolongamento do tratamento.<br />

Dados da Europa indicam que a resposta inadequada às<br />

terapêuticas representa atualmente entre 0,5% a 12,8%<br />

de todos os internamentos hospitalares, dependendo<br />

da geografia. 1 Em Portugal, os dados referem que 11.1%<br />

das admissões hospitalares em Portugal devem-se a<br />

efeitos adversos, sendo que mais de 53% destes casos<br />

poderiam ser prevenidos. 2 O documento “Farmacovigilância<br />

em Portugal 25+”, publicado pelo INFARMED,<br />

refere que todos os anos morrem na União Europeia<br />

mais de 197 000 pessoas devido a reações adversas a<br />

medicamentos. 3,4 Adicionalmente, cerca de 30% das novas<br />

terapias dão origem a efeitos adversos que não são<br />

identificados durante os ensaios clínicos. 5 Face à dimensão<br />

destes números, é possível afirmar que assistimos<br />

todos os anos a uma pandemia silenciosa causada pela<br />

utilização inadequada de fármacos.<br />

Para além da gravidade da situação associada ao elevado<br />

número de mortes, é muito relevante e urgente olhar<br />

para os custos diretos para os sistemas de saúde associados<br />

à hospitalização devido à existência de efeitos<br />

adversos a medicamentos. Estes custos são uma componente<br />

chave do custo de estrutura nas análises económicas<br />

em saúde e estudos fármaco-económicos. Os<br />

dados avaliados em 31 estudos com uma média de 19<br />

meses, realizados em vários países Europeus, 12 estudos<br />

na Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia,<br />

e 19 estudos nos EUA, mostraram que o custo direto<br />

acrescido por doente devido a efeitos adversos variava<br />

entre €702.21 e €40,273.08 em ambiente ambulatório<br />

e entre €943.40 e €7,192.36 em ambiente hospitalar. 6<br />

A variabilidade, entre os pacientes, na resposta aos medicamentos<br />

associada à farmacocinética e à farmacodinâmica<br />

tem sido tradicionalmente explicada por vários<br />

fatores tais como a demografia, a idade, a altura, o peso<br />

e o género. 7,8 Estes fatores são normalmente referidos<br />

nas bulas dos medicamentos e utilizados pelos médicos<br />

durante a prescrição. Desta forma, a decisão médica<br />

tem sido personalizada até certo ponto, no que diz respeito<br />

à utilização das melhores informações disponíveis<br />

no momento da prescrição de uma terapêutica para<br />

um paciente. 9<br />

Apesar da qualidade da informação existente para apoio<br />

à prescrição terapêutica ser muito elevada, existem custos<br />

associados à falha terapêutica e a efeitos secundários<br />

e reações adversas aos medicamentos que demonstram<br />

que esta informação está longe de ser suficiente.<br />

Com os avanços alcançados durante a última década na<br />

área da farmacogenética (também designada PGx), são<br />

vários os estudos que demonstram que a genética de<br />

um indivíduo pode afetar, de forma muito significativa, a<br />

segurança e a eficácia de um medicamento. 10,11 A variabilidade<br />

na resposta a um medicamento pode ocorrer<br />

como resultado da existência de diferentes características<br />

genéticas que interagem com os medicamentos<br />

prescritos. Esta interação pode traduzir-se em situações<br />

de toxicidade severa e/ou falta de eficácia do medicamento<br />

12 que requeiram modificação da terapêutica, pelo<br />

aumento ou diminuição da dose, a sua interrupção<br />

ou a utilização de uma alternativa. 13 A utilização da informação<br />

genética durante a prescrição do medicamento<br />

está a introduzir avanços significativos na personalização<br />

e precisão da medicina permitindo selecionar, para cada<br />

paciente, o medicamento certo na dose certa.<br />

Desta forma, a promessa da farmacogenética é a de<br />

que a utilização da informação genética de um indivíduo<br />

pode ajudar a prever a resposta a fármacos, permitindo<br />

uma ainda maior personalização da prescrição<br />

de medicamentos tornando-a mais segura, mais eficaz<br />

e com um melhor custo-benefício para o tratamento e<br />

para o doente.<br />

Em 2019, a UK Pharmacogenetics and Stratified Medicine<br />

Network organizou um evento para discutir a necessidade<br />

de melhorar a prescrição de medicamentos, visando<br />

beneficiar os tratamentos e diminuir custos com falhas<br />

terapêuticas e reações adversas. Foi reportado que no<br />

Reino Unido: 14<br />

• A maioria dos medicamentos normalmente prescritos<br />

(como é o caso dos antidepressivos) são eficazes<br />

em apenas 30-50% dos casos;<br />

• As reações adversas a medicamentos são responsáveis<br />

por 6,5% dos internamentos, sendo que 15% dos<br />

pacientes internados apresentam uma reação adversa a<br />

um medicamento durante a sua permanência no hospital;<br />

• Os internamentos por reações adversas correspondem<br />

a cerca de 8.000 dormidas/ano em leitos hospitalares,<br />

custando todo o processo ao estado mil milhões<br />

de libras.<br />

Para facilitar a prescrição dos testes de farmacogenética<br />

nos EUA, a American Medical Association (AMA)<br />

implementou códigos únicos para estes atos médicos<br />

em 2013, tendo realizado uma atualização da lista em<br />

2018. Muito recentemente, no início de 2020, a U.S. Food<br />

and Drug Administration (FDA) estendeu a lista de<br />

medicamentos para os quais a informação genética é<br />

determinante antes da sua prescrição, reforçando a utilização<br />

desta informação na prática clínica. 15,16<br />

Na Europa, em janeiro de 2019, o governo do Reino<br />

Unido apresentou um plano de longo prazo do NHS,<br />

que enfatizava o papel que a prescrição assertiva dos<br />

medicamentos pode desempenhar na promoção da saúde<br />

dos pacientes. 17 Para além do Reino Unido, países como<br />

a Estónia e a Holanda têm estado a implementar programas<br />

de avaliação do impacto dos testes de farmacogenética<br />

na prática clínica, com resultados muito significativos<br />

e incontornáveis. No caso particular da Estónia,<br />

após a realização de painéis de avaliação de múltiplos<br />

genes a mais de 44.000 pessoas, foi verificado que 99,8%<br />

dos indivíduos avaliados apresentaram um genótipo associado<br />

a risco aumentado de falta de eficácia ou efeitos<br />

secundários para pelo menos um medicamento. 18<br />

Uma das principais barreiras à implementação da farmacogenética<br />

na prática clínica tem sido a tradução do<br />

conhecimento sobre a interação genoma-fármaco para<br />

“<br />

ATUALMENTE, EXISTEM VÁRIAS<br />

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS<br />

DE ELEVADA CREDIBILIDADE<br />

A DESENVOLVER ORIENTAÇÕES<br />

PARA APOIAR A PRESCRIÇÃO,<br />

CLARIFICANDO E IDENTIFICANDO<br />

A ASSOCIAÇÃO GENE-FÁRMACO.<br />

”<br />

uma ação clínica útil. Atualmente, existem várias organizações<br />

internacionais de elevada credibilidade a desenvolver<br />

orientações para apoiar a prescrição, clarificando<br />

e identificando a associação gene-fármaco. Algumas das<br />

organizações de referência são:<br />

• CPIC - Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium;<br />

19<br />

• DPWG - Dutch Pharmacogenetics Working Group; 20<br />

• CPNDS - Canadian Pharmacogenomics Network for<br />

Drug Safety. 21<br />

No contexto Europeu, foi também financiado pelo programa<br />

Horizon 2020, em 2016, o projeto “The Ubiquitous<br />

Pharmacogenomics (U-PGx) project - Implementing<br />

pharmacogenomics decision support across seven<br />

European countries (The Netherlands, Spain, UK, Italy,<br />

Austria, Greece, Slovenia) (http://upgx.eu/)”. Este projeto,<br />

concluído em dezembro de 2020, identificou e tornou<br />

público no seu website e em numerosos relatórios:<br />

1. Uma necessidade urgente para a implementação da<br />

farmacogenética na prática clínica, referindo que, nos<br />

próximos quatro anos, 50% dos pacientes idosos irão<br />

receber uma terapêutica que poderá ser otimizada via<br />

farmacogenética;<br />

2. Que 98% dos médicos inquiridos ao longo do projeto<br />

pensam que a farmacogenética pode ajudar a prever<br />

melhor a resposta ao medicamento;<br />

3. Que apenas 10% dos médicos sentem que atualmente<br />

possuem conhecimento e ferramentas adequadas<br />

à utilização de farmacogenética.<br />

Face a estas constatações, o projeto tem realizado um<br />

forte investimento em formação e divulgação junto dos<br />

profissionais de saúde, de entidades reguladoras e de<br />

companhias de seguros.<br />

No continente asiático, a Rede de Investigação Farmacogenómica<br />

do Sudeste Asiático (SEAPharm) foi esta- }<br />

94 95


GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />

Ler o código QR para aceder a uma aplicação<br />

belecida por cinco países (Coreia, Indonésia, Malásia,<br />

Taiwan e Tailândia) com o objetivo de desenvolver<br />

estudos experimentais sobre efeitos adversos a medicamentos<br />

e desenvolver diretivas adaptadas às populações<br />

asiáticas. Esta rede já obteve sucesso, por exemplo,<br />

na redução de efeitos adversos causados pela toma<br />

inadequada do antirretroviral Abacavir.<br />

O painel genético MyPharmaGenes ® PGx<br />

Por forma a dar uma resposta assertiva e cientificamente<br />

sólida às necessidades cada vez maiores dos profissionais<br />

de saúde prescritores, do SNS e dos indíviduos,<br />

na área da farmacogenética, a HeartGenetics (www.<br />

heartgenetics.com) desenvolveu um novo painel genético<br />

que permite obter informações sobre a interação<br />

gene-fármaco em 5 áreas terapêuticas: Psiquiatria; <strong>Gestão</strong><br />

da dor; Oncologia; Diabetes; Cardiovascular.<br />

O novo teste genético MyPharmaGenes® PGx é uma<br />

solução única em Portugal e na Europa, totalmente desenvolvida<br />

em Portugal. Este painel genético avalia 88<br />

variantes genéticas em 32 genes, os CNVs do gene<br />

CYP2D6, bem como estruturas híbridas, a partir de uma<br />

amostra de saliva. O teste é realizado apenas uma vez<br />

na vida e disponibiliza informação para 104 fármacos.<br />

Toda a informação disponibilizada no relatório do exame<br />

é baseada nas recomendações dos consórcios internacionais<br />

de farmacogenética CPIC, DPWG e CPNDS<br />

e/ou dos órgãos reguladores FDA, EMA (European<br />

Medicine Agency), Health Canada, Swissmedic e PMDA<br />

(Japan Pharmaceuticals and Medical Devices Agency).<br />

O teste MyPharmaGenes® PGx é suportado por uma<br />

WebApp interativa que ajuda o médico e o paciente a<br />

gerir os medicamentos prescritos, bem como a assinalar<br />

medicamentos que provocaram efeitos secundários.<br />

Esta aplicação, personalizada, pode estar de forma permanente<br />

instalada no telemóvel do paciente facilitando<br />

a comunicação com o médico ou com o farmacêutico.<br />

Só com uma avaliação correta do perfil genético dos<br />

pacientes é possível:<br />

• Reduzir de forma significativa o número de mortes<br />

por efeitos adversos de medicamentos;<br />

• Reduzir de forma significativa os custos associados à<br />

gestão dos medicamentos;<br />

• Prescrever doses mais adequadas de medicamentos;<br />

• Avaliar a resposta do paciente ao tratamento;<br />

• Selecionar fármacos alternativos, se possível e se for<br />

necessário.<br />

Tal como as doenças são únicas, os seus tratamentos<br />

também o são. Ã<br />

1. Bouvy, Jacoline C; De Bruin, Marie L; Koopmanschap, Marc A. 2015. “Epidemiology<br />

of adverse drug reactions in Europe: a review of recent observational studies”<br />

Drug Safety 38:437-53, Springer.<br />

2. Sousa, Paulo; Uva, António S; Serranheira, Florentino; Nunes, Carla; Leite, Ema<br />

S. 2014. “Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution<br />

to improving quality and patient safety” BMC Health Services Research<br />

14, 311, Springer.<br />

3. de Farmacoterapia, Revista. 2019. “Farmacovigilância em Portugal: 25 anos”. Revista<br />

Portuguesa De Farmacoterapia, 11(2-3), 80-81. INFARMED - Autoridade Nacional<br />

do Medicamento e Produtos da Saúde.<br />

4. European Commission. 2008. “Strengthening pharmacovigilance to reduce adverse<br />

effects of medicines” Memo/08/782.<br />

5. Downing, Nicholas S; Shah, Nilay; Aminawung Jenerius; Pease, Alison M. 2017.<br />

“Postmarket safety events among novel therapeutics approved by the US food and<br />

drug administration between 2001 and 2010”. The Journal of the American Medical<br />

Association 317:1854-63. American Medical Association.<br />

6. Batel, Francisco M; Penedones, Ana; Mendes, Diogo; Alves, Carlos. 2016. “A systematic<br />

review of observational studies evaluating costs of adverse drug reactions”<br />

ClinicoEconomics and Outcomes Research 8:413–26, Dove Medical Press.<br />

7. Mangoni, Arduino; Jackson, SHD. 2003. “Age-related changes in pharmacokinetics<br />

and pharmacodynamics: basic principles and practical applications” The British<br />

Journal of Clinical Pharmacology 57, 6-14, Wiley-Blackwell.<br />

8. Whitley, Heather P; Lindsey, Wesley. 2009. “Sex-based differences in drug activity”<br />

American Family Physician 80, 1254-1258.<br />

9. Woodcock, Janet. 2007. “The prospects for “personalized medicine” in drug development<br />

and drug therapy” Clinical Pharmacology & Therapeutics 81, 164-169,<br />

Wiley-Blackwell.<br />

10. Scott, Stuart A. 2011. “Personalizing medicine with clinical pharmacogenetics”<br />

Genetics in Medicine 13, 987-995, Springer.<br />

11. Tasa, Tõnis; Krebs, Kristi; Kals, Mart; Mägi, Reedik; Lauschke, Volker M; Haller,<br />

Toomas; Puurand, Tarmo; Remm, Maido; Esko, Tõnu; Metspalu, Andres; Vilo, Jaak;<br />

Milani, Lili. 2018. “Genetic variation in the Estonian population: pharmacogenomics<br />

study of adverse drug effects using electronic health records” European Journal of<br />

Human Genetics 27, 442-454, Nature Publishing Group.<br />

12. Roses, Allen D .2000. “Pharmacogenetics and the practice of medicine” Nature<br />

405, 857-865, Nature Research.<br />

13. Bain, Kevin T; Schwartz, Emily J; Knowlton, Orsula V; Knowlton, Calvin H; Turgeon,<br />

Jacques. 2018. “Implementation of a pharmacist-led pharmacogenomics service<br />

for the program of all-inclusive care for the elderly (PHARM-GENOME-PACE)”<br />

Journal of the American Pharmacists Association 58:e1, Elsevier.<br />

14. https://www.genomicseducation.hee.nhs.uk/blog/pharmacogenomics-a-newnormal-for-the-nhs/<br />

15. https://www.fda.gov/drugs/science-and-research-drugs/table-pharmacogenomic-biomarkers-drug-labeling<br />

16. Mehta, Darshan; Uber, Ryley; Ingle, Taylor; Li, Catherine; Liu, Zhichao; Thakkar,<br />

Shraddha; Ning, Baitang; Wu, Leihong; Yang, Junshuang; Harris, Steve; Zhou, Guangxu;<br />

Xu, Joshua; Tong, Weida; Lesko, Lawrence; Fang; Hong. 2020. “Study of pharmacogenomic<br />

information in FDA-approved drug labeling to facilitate application of<br />

precision medicine” Drug Discovery Today. 25, 5, 813-820, Elsevier.<br />

17. https://www.england.nhs.uk/genomics/nhs-genomic-med-service/<br />

18. Reisberg, Sulev; Krebs, Kristi; Lepamets, Maarja; Kals, Mart; Mägi, Reedik; Metsalu,<br />

Kristjan; Lauschke, Volker; Vilo, Jaak; Milani, Lili.2019. “Translating genotype data<br />

of 44,000 biobank participants into clinical pharmacogenetic recommendations:<br />

challenges and solutions” Genetics in Medicine 21(6):1345–54, Springer.<br />

19. https://cpicpgx.org/<br />

20. https://www.pharmgkb.org/page/dpwg<br />

21. http://cpnds.ubc.ca/<br />

Para mais informações contactar:<br />

commercial@heartgenetics.com<br />

www.heartgenetics.com<br />

96


GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />

COMO PODEMOS TER MAIS ENSAIOS<br />

CLÍNICOS NOS CENTROS DE<br />

INVESTIGAÇÃO E TORNAR PORTUGAL<br />

MAIS ATRATIVO NESTA MATÉRIA?<br />

Figura 1: Pedidos de autorização de ensaios clínicos ao INFARMED.<br />

Fonte: INFARMED<br />

Liliana Guerra<br />

Health Research Manager na AICIB - Agência<br />

de Investigação Clínica e Inovação Biomédica<br />

Margarida Ferreira<br />

Administradora <strong>Hospitalar</strong> e Coordenadora da Unidade de Ensaios<br />

Clínicos no Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de Lisboa Central, E.P.E.<br />

No âmbito da 8ª Conferência de Valor<br />

APAH, decorreu no dia 21 de outubro<br />

de 2020, o workshop “Como podemos<br />

ter mais Ensaios Clínicos nos Centros<br />

de Investigação e tornar Portugal mais<br />

atrativo nesta matéria?”.<br />

O objetivo deste workshop era promover uma reflexão<br />

sobre as principais barreiras à realização de ensaios clínicos<br />

(EC) em Portugal (PT), identificar algumas medidas<br />

que possam contribuir para aumentar a captação de ensaios<br />

clínicos para PT e perceber qual o papel das Unidades<br />

de Saúde neste contexto.<br />

Este artigo resume os principais pontos abordados e as<br />

conclusões resultantes do trabalho desenvolvido com<br />

os participantes no decorrer do workshop.<br />

A Dra. Margarida Ferreira, Coordenadora do Grupo<br />

de Trabalho de Investigação em Saúde (GTIS) da APAH,<br />

começou por dar uma perspetiva geral da importância<br />

dos ensaios clínicos e do valor gerado para a comunidade<br />

científica, unidades de saúde, doentes e a sociedade<br />

civil. E de alguns marcos na evolução legislativa em Portugal<br />

com vista a uma maior dinamização da investigação<br />

clínica, desde a criação da Lei da Investigação Clínica e do<br />

Fundo para a Investigação em Saúde em 2014, a criação<br />

do Serviço de Investigação, Epidemiologia Clínica e de<br />

Saúde Pública em 2015, a criação do Conselho Nacional<br />

dos Centros Académicos Clínicos em 2016 e em 2018<br />

a criação da Agência de Investigação Clínica e Inovação<br />

Biomédica (AICIB).<br />

Muito embora se assista a uma evolução positiva dos<br />

pedidos de autorização de EC em PT, nos últimos anos<br />

(Figura 1), o potencial de aumento está muito longe de<br />

ser atingido. Por comparação com países europeus com<br />

dimensão semelhante concluiu-se que PT pode aumentar<br />

até 3,7 vezes o número de ensaios clínicos submetidos<br />

por milhão de habitantes (Figura 2).<br />

As barreiras para não se realizarem mais EC em PT podem<br />

dividir-se em 4 áreas: política, organização e infraestruturas,<br />

incentivos e sistemas de informação. Algumas<br />

das medidas que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas<br />

é a profissionalização da investigação clínica nas unidades<br />

de saúde em PT, dotando-as de estruturas, recursos<br />

humanos adequados, existindo indicadores e atingindo-se<br />

resultados.<br />

O Dr. Victor Herdeiro, à data do evento, Vice-Presidente<br />

da AICIB - Agência de Investigação Clínica e Inovação<br />

Biomédica, cuja finalidade é o apoio, financiamento<br />

e promoção da investigação clínica (IC) e de translação,<br />

bem como da inovação biomédica, partilhou na sua apresentação<br />

os principais eixos de atuação da AICIB (Figura<br />

3) e as principais atividades da AICIB para 2020, com o<br />

objetivo de tornar PT mais atrativo na área dos EC.<br />

Foram também partilhados alguns projetos em que a AI-<br />

CIB está a trabalhar para tornar PT mais atrativo na área<br />

dos EC, nomeadamente os dois projetos piloto com os<br />

centros de investigação de unidades de saúde hospitalares,<br />

onde se pretende criar um modelo de organização<br />

que vise o desenvolvimento de centros de excelência. }<br />

Figura 2: Comparação do número de ensaios clínicos por milhão de habitantes.<br />

Fonte: Estudo PWC-APIFARMA - Ensaios clínicos em Portugal, 2019<br />

Figura 3: Principais eixos de atuação da AICIB.<br />

98 99


GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />

País Investigador Centro de ensaio<br />

Dimensão do mercado<br />

Interesse do investigador<br />

Sistema de aprovação interna (contratos)<br />

(doentes elegíveis)<br />

Tempos de aprovação das entidades<br />

regulamentares<br />

Experiência prévia em ensaios clínicos Experiência e formação das equipas<br />

Custos de realização no mercado<br />

em causa<br />

Figura 4: Fatores para a escolha de um centro de ensaio pelos promotores. Fonte: Adaptado de Gehring, 2013<br />

Factores que influenciam as taxas de recrutamento:<br />

Ensaios competitivos<br />

Referenciação<br />

Estrutura profissionalizada de apoio aos ensaios clínicos<br />

Prazos de aprovação dos ensaios clínicos pelas diferentes<br />

entidades<br />

Compromisso em termos de doentes elegíveis<br />

Figura 5: Fatores que influenciam a taxa de recrutamento.<br />

Track-record em termos de taxas<br />

de recrutamento e retenção prévias<br />

Com este objetivo foram referidas algumas medidas a<br />

implementar nestes centros, como o tempo e profissionais<br />

dedicados à IC, a autonomia e capacidade de recrutamento<br />

dos centros, a definição de métricas, as bases<br />

de dados com caraterização de doentes, as parcerias, a<br />

formação e ainda as campanhas de literacia para doentes<br />

e público em geral. O que se pretende é criar centros de<br />

excelência nas unidades de saúde em PT.<br />

A Dra. Joana Dias, Coordenadora de Ensaios Clínicos<br />

no Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de Coimbra, referiu<br />

na sua apresentação “Como otimizar a fase de start-up<br />

e aumentar a taxa de recrutamento num ensaio clínico”,<br />

mencionando a necessidade de otimizar o circuito<br />

desde a submissão dos documentos pelo promotor até<br />

assinatura do contrato financeiro. Apresentou os vários<br />

fatores que determinam a escolha de um centro de ensaio<br />

(Figura 4) e os fatores que influenciam a taxa de<br />

recrutamento (Figura 5).<br />

Alguns dos constrangimentos identificados assentam<br />

no facto de que a IC não é vista como uma prioridade<br />

por parte das administrações hospitalares, a ausência de<br />

uma estrutura profissionalizada de apoio aos EC que<br />

articule os vários serviços intervenientes, a IC é menos<br />

valorizada no contexto hospitalar, não existindo tempo<br />

protegido para a investigação e o prazo limite para aprovação<br />

dos contratos financeiros por parte dos Conselhos<br />

de Administração é frequentemente ultrapassado.<br />

Por sua vez, o parecer da CEIC é condicionado a esta<br />

aprovação do contrato financeiro. Por último existe a<br />

Recursos humanos com experiência no apoio<br />

aos ensaios clínicos (coordenadores de estudos<br />

clínicos)<br />

Equipamentos e instalações necessárias<br />

Experiência prévia do promotor com o centro<br />

perceção negativa ou pouco informada dos ensaios clínicos<br />

junto da sociedade em geral.<br />

As estratégias sugeridas foram: cooperação entre centros<br />

de ensaio ao nível local e nacional para apoio na referenciação<br />

de doentes e recrutamento; valorização da<br />

IC incluindo tempo protegido para a investigação no horário<br />

dos médicos investigadores; encontrar estratégias<br />

(como, por exemplo, investir na formação das equipas<br />

envolvidas) para uma melhor comunicação entre profissionais<br />

de saúde, investigadores e participantes durante<br />

o processo de recrutamento; criação de métricas internas<br />

nos centros de ensaio para os EC e autonomia para<br />

a contratação de recursos humanos e materiais.<br />

Após as apresentações, os palestrantes e os participantes<br />

no workshop constituíram um grupo de trabalho,<br />

com os seguintes objetivos:<br />

• 1ª fase: Identificar as principais barreiras em PT para<br />

não se realizarem mais EC;<br />

• 2ª fase: Identificar as principais medidas que permitirão<br />

ultrapassar as barreiras elencadas, se são medidas<br />

a médio ou longo prazo e quais as que dependem das<br />

unidades de saúde.<br />

1ª fase: Identificar as principais barreiras em PT<br />

para não se realizarem mais EC<br />

Durante a discussão foram referidas várias barreiras em<br />

PT para não se realizarem mais EC, nomeadamente:<br />

1. Falta de uma estrutura organizada e profissionalizada<br />

dos centros de investigação;<br />

2. Falta de plataformas de dados de fácil acesso, pesquisa<br />

e sistematização;<br />

3. Falta de uma equipa de profissionais que possam auxiliar<br />

e elevar o nível de qualidade dos EC;<br />

4. Falta de tempo e disponibilidade dos próprios profissionais<br />

de saúde;<br />

5. Falta de reconhecimento a esses mesmos profissionais<br />

quando se dedicam aos EC;<br />

6. Falta de incentivos/recompensas financeiras aos profissionais<br />

que se dedicam aos EC;<br />

7. Falta de informação sobre EC por parte dos doentes<br />

e associações de doentes;<br />

Barreiras<br />

Importância (1 a 5, sendo 5 o mais importante)<br />

Organização dos centros de investigação 5<br />

Falta de profissionalização 4<br />

Bases de dados/ Sistemas de informação 3<br />

Cumprimento de prazos e do número de doentes recrutados 2<br />

Falta de literacia dos doentes e público em geral 1<br />

Tabela 1: Cinco principais barreiras em Portugal para não se realizarem mais ensaios clínicos.<br />

Medidas Médio Prazo Longo Prazo Dependente<br />

da unidade de saúde<br />

Autonomia e compromisso (Governo e Conselhos<br />

x<br />

de Administração)<br />

Definição de métricas com monitorização e acompanhamento<br />

x<br />

x<br />

pelos Conselhos de Administração, com plano de reconhecimento,<br />

incentivos e melhoria do desempenho<br />

Informação do perfil dos investigadores e dos ensaios clínicos<br />

x<br />

x<br />

da unidade de saúde<br />

Plataformas/ bases de dados otimizadas para a investigação clínica x x<br />

Formação dos profissionais em boas práticas da investigação clínica x x<br />

Profissionais com tempo alocado à investigação clínica x x<br />

Promover a literacia junto dos doentes e junto dos profissionais<br />

de saúde (campanhas, plataforma, etc.)<br />

x<br />

x<br />

Tabela 2: Principais medidas que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas..<br />

8. Falta de referenciação e comunicação entre profissionais<br />

e entre unidades de saúde;<br />

9. Perceção negativa sobre EC por parte do público em<br />

geral;<br />

10. Consentimento informado complexo;<br />

11. Tempos de aprovação demasiado longos (desvantagem<br />

face a outros países);<br />

12. Possível falta de interesse do próprio investigador;<br />

13. Taxas de recrutamento baixas;<br />

14. Falta de cumprimento dos compromissos estabelecidos<br />

(número de doentes recrutados inferior ao acordado);<br />

15. Processo de autorização atrasa muitas vezes no Administrador<br />

<strong>Hospitalar</strong>;<br />

16. Falta de pessoas dedicadas para avaliação dos contratos<br />

e com capacidade de negociar com os promotores;<br />

17. Falta de parcerias/redes entre hospitais e centros<br />

de saúdes primários, que poderiam referenciar doentes.<br />

Após a discussão foram selecionadas as 5 principais<br />

barreiras em PT para não se realizarem mais EC, por<br />

ordem de importância (Tabela 1).<br />

2ª fase: Identificar as principais medidas<br />

que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas<br />

Seguidamente foram discutidas as principais medidas<br />

que permitirão ultrapassar as barreiras elencadas. }<br />

“<br />

ALGUNS DOS CONSTRANGIMENTOS<br />

IDENTIFICADOS ASSENTAM NO FACTO<br />

DE QUE A IC NÃO É VISTA COMO<br />

UMA PRIORIDADE POR PARTE<br />

DAS ADMINISTRAÇÕES HOSPITALARES,<br />

A AUSÊNCIA DE UMA ESTRUTURA<br />

PROFISSIONALIZADA DE APOIO<br />

AOS EC QUE ARTICULE OS VÁRIOS<br />

SERVIÇOS INTERVENIENTES.<br />

”<br />

100 101


GH Iniciativa APAH | 8 A CONFERÊNCIA DE VALOR<br />

“<br />

O GOVERNO RECONHECE A IMPORTÂNCIA<br />

DESTE TEMA, AO REFERIR QUE “PARA<br />

O SUCESSO DE QUALQUER INSTITUIÇÃO<br />

QUE TENHA COMO OBJETIVO<br />

DESENVOLVER CUIDADOS MÉDICOS<br />

DE ELEVADA QUALIDADE E DIFERENCIAÇÃO<br />

É HOJE INDISPENSÁVEL A CONJUGAÇÃO<br />

DA ATIVIDADE ASSISTENCIAL,<br />

DO ENSINO E DA INVESTIGAÇÃO”.<br />

”<br />

Durante a discussão foram referidas várias medidas:<br />

1. Providenciar autonomia aos centros de investigação<br />

(para contratação, por exemplo);<br />

2. Atribuir tempo específico aos profissionais para se<br />

dedicarem à IC;<br />

3. Reorganizar a estrutura dos centros de investigação;<br />

4. Construir um sistema de certificação e avaliação contínua,<br />

garantindo a qualidade dos serviços;<br />

5. Atribuir progressão e incentivos na carreira aos profissionais<br />

dedicados aos EC;<br />

6. Dar formação específica aos profissionais envolvidos;<br />

7. Desenvolver bases de dados que permitam identificar<br />

investigadores e doentes;<br />

8. Simplificação do RNEC;<br />

9. Ter um sistema que permita avaliar e monitorizar<br />

todo o circuito e progresso do pedido, os tempos, os<br />

passos seguintes, os responsáveis, etc.;<br />

10. Recrutar doentes em tempo útil;<br />

11. Cumprir os prazos para avaliação e assinatura do<br />

contrato;<br />

12. Existir um ponto de contacto único dentro da unidade<br />

de saúde;<br />

13. Existirem plataformas para submissão dos pedidos<br />

de EC, otimizando o circuito submissão-assinatura do<br />

contrato;<br />

14. Desenvolver redes e parceiras bem definidas entre<br />

doentes/hospitais/cuidados primários/indústria/centros<br />

de investigação;<br />

15. Envolver o Ministério da Saúde;<br />

16. Desenvolver uma campanha a nível nacional para a<br />

sensibilização da importância e benefícios dos EC;<br />

17. Desenvolver métricas e publicar dados sobre os EC<br />

realizados, capacidade dos centros, estudos publicados,<br />

etc.;<br />

18. Ganhar a confiança dos promotores nos centros<br />

Portugueses.<br />

Após a discussão foram selecionadas as principais medidas<br />

que permitirão ultrapassar as barreiras identificadas<br />

anteriormente, identificando-se ainda se são medidas a<br />

médio ou longo prazo e quais as que dependem das<br />

unidades de saúde (Tabela 2).<br />

Conclusão<br />

Os benefícios da investigação clínica são inúmeros e amplamente<br />

reconhecidos.<br />

O Governo reconhece a importância deste tema, ao<br />

referir que “Para o sucesso de qualquer instituição que<br />

tenha como objetivo desenvolver cuidados médicos de<br />

elevada qualidade e diferenciação é hoje indispensável<br />

a conjugação da atividade assistencial, do ensino e da<br />

investigação” (em Resolução de Conselho de Ministros<br />

n.<strong>º</strong> 22/2016). É também uma visão assumida por<br />

este Governo: “Colocar Portugal entre os países mais<br />

atrativos para a condução de estudos clínicos na União<br />

Europeia até 2020, aumentando o valor criado para os<br />

doentes, para o sistema de saúde, para a academia e<br />

para a sociedade…” (em Resolução de Conselho de<br />

Ministros n.<strong>º</strong> 27/2018).<br />

É unânime que Portugal pode ter mais ensaios clínicos<br />

nos centros de investigação e que é possível tornar o país<br />

mais atrativo nesta matéria. Existe vontade e motivação<br />

para concretizar estes objetivos. As barreiras e as medidas<br />

necessárias para as ultrapassar estão identificadas.<br />

A AICIB e a APAH estão a trabalhar com todos os stakeholders,<br />

incluindo as unidades de saúde hospitalares e<br />

respetivos Conselhos de Administração para desenvolver<br />

o potencial da investigação clínica em Portugal. Ã<br />

• PwC. Ensaios clínicos em Portugal. Fevereiro de 2019.<br />

• Estatísticas de avaliação de ensaios clínicos pelo Infarmed, disponível em:<br />

https://www.infarmed.pt/web/infarmed/entidades/medicamentos-uso-humano/ensaios-clinicos/estatisticas<br />

• Resolução de Conselho de Ministros n.<strong>º</strong> 22/2016.<br />

• Resolução de Conselho de Ministros n.<strong>º</strong> 27/2018.<br />

102


GH Iniciativa APAH | webinars<br />

Liderança Digital: ENESIS 2020-22<br />

Zita Espírito Santo<br />

Coordenadora do Gabinete de <strong>Gestão</strong> de Projetos, Investimentos<br />

e Património - Centro <strong>Hospitalar</strong> e Universitário de Coimbra, EPE<br />

Afonso Pedrosa<br />

Diretor do Serviço de Inteligência<br />

de Dados - Centro <strong>Hospitalar</strong><br />

Universitário São João<br />

Carlos Sousa<br />

Direção de Sistemas e Tecnologias<br />

de Informação - Hospital da Cruz<br />

Vermelha<br />

Miguel Cabral de Pinho<br />

Médico Assistente de Saúde Pública no Agrupamento<br />

de Centros de Saúde (ACES) Maia/Valongo, Administração Regional<br />

de Saúde do Norte, I.P.<br />

A<br />

Associação Portuguesa de Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es (APAH) e os Serviços<br />

Partilhados do Ministério da Saúde<br />

(SPMS) promoveram um ciclo de 12<br />

webinars dedicados à “Transformação<br />

Digital na Saúde”, com o objetivo de promover e disseminar<br />

o conhecimento, destacando as oportunidades decorrentes<br />

da transformação digital na saúde. Tratou-se de<br />

uma iniciativa dirigida a todos os profissionais do setor da<br />

saúde, investigadores, académicos e estudantes, assim como<br />

a todos os interessados nestas matérias.<br />

Cada webinar teve a duração de uma hora e todos os<br />

participantes tiveram a oportunidade de intervir de forma<br />

ativa quer através da colocação de questões em direto,<br />

quer respondendo a uma pergunta colocada no início<br />

de cada webinar sobre o tema a tratar e cujos resultados<br />

Teresa Magalhães<br />

Professora Convidada e Administradora <strong>Hospitalar</strong> NOVA National<br />

School of Public Health, Public Health Research Centre,<br />

Universidade NOVA de Lisboa, Comprehensive Health Research<br />

Centre (CHRC)<br />

Inês Dantas<br />

Gestora de Clientes, SAP<br />

Rita Veloso<br />

Vogal Executiva - Centro <strong>Hospitalar</strong><br />

e Universitário do Porto<br />

foram apresentados no final da apresentação. É possível<br />

rever todo o Ciclo de webinars “Transformação Digital<br />

na Saúde” no Canal APAH no YouTube.<br />

• O primeiro de doze webinars teve lugar no dia 10 de<br />

dezembro de 2019 sob o tema “Liderança Digital -<br />

- ENESIS 2020-22” e teve como orador Henriques<br />

Martins, Presidente do Conselho de Administração dos<br />

SPMS, com moderação de Teresa Magalhães em representação<br />

da APAH.<br />

A apresentação sintetizou três pontos:<br />

1. O porquê desta transformação digital e porquê liderar<br />

esta transformação digital?<br />

2. A Componente da liderança;<br />

3. A Estratégia Nacional 20-22.<br />

Esta mudança é inevitável, esta palavra transformação<br />

significa que nós podemos dirigir esta ação para algum<br />

lado, dar-lhe algum sentido. E se é possível dar um significado<br />

à Transformação Digital (TD), então há espaço para<br />

a ação, os líderes devem conhecer o propósito do que<br />

querem da TD na saúde.<br />

Algumas das razões para aceitar, liderar e enquadrar a<br />

TD, passam por “mudar o cliente, precisamos de um cidadão<br />

cada vez mais digital” ou “mudar a operação, passar<br />

do encontro físico para o encontro terapêutico”.<br />

Mostrou-nos a diferença entre liderança e gestão. O gestor<br />

é aquele que vai tentar reduzir a complexidade das<br />

organizações, vai tentar aumentar a certeza e os graus de<br />

concordância na missão da organização. Muitas vezes o<br />

líder é aquele que faz o inverso, pega num sistema que<br />

está mais ou menos acomodado, com recurso a processos<br />

mais antigos e vai por isso em causa.<br />

Falou-nos no Top 10 para Tele-Leaders, focando-se na<br />

análise entre aquilo que é um líder que está fisicamente<br />

numa organização e um líder que está à distância.<br />

O tele-líder tem de ter visão (nova forma de prestar cuidados<br />

à distância, adoção de conceito de distância como<br />

uma nova forma de proximidade).<br />

A Transformação Digital, em cada local, tem muito a<br />

ver com a importância estratégica, com o investimento<br />

que as instituições estão dispostas ou têm capacidade<br />

para fazer, com o retorno do investimento, com o custo<br />

de oportunidade e com a avaliação do risco em cada<br />

contexto.<br />

Por fim, abordou a Estratégia Nacional para o Ecossistema<br />

de Informação de Saúde 20-22 (ENESIS 20-22) 1 ,<br />

a qual visa criar o enquadramento e as condições através<br />

dos quais os diversos atores do Sistema de Saúde<br />

possam contribuir para a evolução do ecossistema de<br />

informação da Saúde 2 , tornando-se uma referência de<br />

boas práticas e promovendo a entrega de benefícios e a<br />

otimização de riscos e recursos.<br />

Terminou dizendo que a Transição Digital na Saúde não<br />

é para qualquer um, é para quem tem muita vontade de<br />

mudar, e mudar a saúde dos portugueses.<br />

• A 7 de janeiro de 2020, a Cibersegurança foi protagonista<br />

do segundo webinar na voz de Sérgio Silva, Fundador<br />

e CEO da CyberS3C, especializado em Cyber Intelligence,<br />

Opensource e Ethical Hacking. Teve como moderadores<br />

Miguel Pinho (APAH) e Pedro Batista (SPMS).<br />

Cada vez mais é necessário sensibilizar e consciencializar<br />

para os perigos que corremos e para algumas ações<br />

prementes para tornar as nossas organizações e nós próprios<br />

mais seguros no ciberespaço.<br />

Começou por afirmar que não existem sistemas 100%<br />

seguros, não podemos garantir a segurança total de um<br />

sistema, mas podemos reduzir a sua insegurança, reduzir<br />

o risco. Em Portugal, o panorama nacional não é animador<br />

3 , o crime informático tem vindo a crescer desde<br />

o início deste século, apenas com uma inflexão no ano<br />

2009, ano em que foi publicada a lei de cibercrime. O<br />

acesso e a interceção ilegítima dominam o crime informático,<br />

seguidos da falsidade informática e da sabotagem<br />

informática.<br />

Abordou o conceito de cibersoberania, dando nota que<br />

em Portugal este conceito ainda está pouco explorado.<br />

Seria benéfico para o país, a articulação entre as universidades,<br />

o Centro de Cibersegurança e o tecido empresarial,<br />

para através de parcerias fazerem investimentos }<br />

104 105


GH Iniciativa APAH | webinars<br />

conjuntos de forma a desenvolver e partilhar soluções<br />

nacionais. Terminou referindo que a privacidade é um direito<br />

do qual não devemos abdicar e que a cibersegurança<br />

é responsabilidade de todos, pelo que se torna necessário<br />

um modelo colaborativo acima de tudo.<br />

• O 3.<strong>º</strong> webinar ocorreu a 11 de fevereiro de 2020 e<br />

foi dedicado ao tema da “Comunicação Digital - Novas<br />

formas de comunicar na Administração Pública”.<br />

Teve como orador Pedro Pinto, jornalista e professor<br />

na Universidade Autónoma de Lisboa, e moderação de<br />

Rita Veloso (APAH) e Diogo Francisco Gomes (SPMS).<br />

Neste webinar ficámos a conhecer as diferenças entre<br />

a comunicação presencial e a comunicação digital, bem<br />

como as diferenças entre comunicação complexa e comunicação<br />

simples.<br />

A comunicação presencial continua a ser uma comunicação<br />

por excelência, faz parte da nossa evolução, da nossa<br />

capacidade de trazemos os outros para as nossas ideias,<br />

para os nossos objetivos. Implica um rosto, um olhar,<br />

uma emoção, uma sonoridade, uma ondulação, que<br />

muitas vezes estando perante uma situação com a qual<br />

não concordamos, ou não estando alinhados com uma<br />

decisão, nos levam a compreendê-la. Mas, atualmente<br />

estamos a substituir muita dessa comunicação presencial<br />

por uma comunicação digital, no entanto cada uma delas<br />

tem valor significativamente diferente.<br />

A comunicação complexa e explicativa não deve ser<br />

objeto de comunicação digital, assim como qualquer reflexão<br />

ou discussão estratégica sobre aspetos importantes<br />

das organizações, estas exigem uma conversa quase<br />

frente-a-frente, um diálogo permanente.<br />

Na comunicação digital, priorizar é fundamental porque<br />

somos envolvidos num grande número de mensagens,<br />

certos de que à maior parte delas não vamos dar continuidade,<br />

nem consequência, e sem essa priorização<br />

perdemos mensagens importantes. Termina deixando a<br />

ideia de que o modo digital abre imensas oportunidades,<br />

nunca a relação entre as entidades e o cidadão foi tão<br />

próxima, mas tem de ser uma comunicação bem feita,<br />

simples, concisa e objetiva, e sobretudo, anunciativa, porque<br />

é essa a grande virtude da comunicação digital.<br />

• A 10 de março de 2020 assistimos ao webinar sobre<br />

“Transformação Digital a as Implicações na Saúde”.<br />

Orador: José Carlos Nascimento, Técnico Especialista<br />

do Gabinete do Secretário de Estado para Transição<br />

Digital. Moderação: Teresa Magalhães (APAH) e Carla<br />

Pereira (SPMS).<br />

Neste webinar foram deixados alguns contributos para a<br />

reflexão sobre os impactos que a Transformação Digital<br />

pode ter na Saúde.<br />

O que tem cada vez mais importância é o impacto e<br />

a forma como as tecnologias são utilizadas para alterar<br />

e proporcionar melhores condições de vida às pessoas,<br />

mas devemos utilizar as tecnologias e pensar na Transição<br />

Digital com um propósito, o propósito de o fazer<br />

“com” e “para” as pessoas. E foi com um “propósito”<br />

que a Secretaria de Estado para Transição Digital elaborou<br />

um Plano de Ação para a Transição Digital, o qual<br />

nos foi apresentado de forma sumária 4 .<br />

Portugal Digital é o motor de transformação do país.<br />

Tem como propósito acelerar Portugal, sem deixar ninguém<br />

para trás (combate à infoexclusão), e projetar o<br />

país no mundo. Como? Através da capacitação digital<br />

das pessoas, da transformação digital das empresas e<br />

da digitalização do Estado, tornando-o mais ágil e mais<br />

moderno. A Saúde é um ecossistema muito complexo,<br />

com muitos níveis de decisão e de intervenção e um<br />

dos grandes desafios que se lhe coloca, é que proceda a<br />

uma consolidação daquilo que são os sistemas de informação<br />

infraestruturais.<br />

Também nas tecnologias disruptivas, a Saúde se afirma<br />

como uma das áreas mais promissoras. É difícil falar em<br />

inteligência artificial ou robótica ou processamento intensivo<br />

de dados, sem pensar num conjunto de aplicações<br />

possível na área da saúde, na dupla lógica de encontrar<br />

soluções que permitam prestar um melhor serviço de<br />

saúde, mas ao mesmo tempo modernizar e criar soluções<br />

que permitam um mercado português competitivo<br />

para enfrentar um mercado global.<br />

Será através da transformação digital que se vão encontrar<br />

respostas aos grandes desafios que hoje se colocam<br />

na área da Saúde, no nosso país e no mundo.<br />

• A 7 de abril de 2020, Mário Amorim Lopes, Professor<br />

Auxiliar da Faculdade de Engenharia da Universidade do<br />

Porto (FEUP), trouxe-nos alguns exemplos da “A Inovação<br />

Não-clínica na Saúde e na <strong>Gestão</strong> de Tecnologias<br />

Inovadoras”. A moderação ficou a cargo do Afonso Pedrosa<br />

(APAH) e do João Pedro Martins (SPMS).<br />

Mostrou-nos o que é inovação e qual a sua relevância<br />

no contexto da saúde e no contexto económico-social.<br />

As inovações dividem-se em três grupos: inovações de<br />

produto, de serviços e de processos.<br />

Abordou as áreas mais promissoras para a inovação em<br />

saúde. Deu três exemplos de base inovadora na área da<br />

saúde: um projeto está a ser implementado no Centro<br />

<strong>Hospitalar</strong> de Vila Nova de Gaia-Espinho, o Knowlogis,<br />

que se foca na análise preditiva resultando um dashboard<br />

inteligente para apoiar a gestão de inventário de hospitais,<br />

em toda a área de compras e gestão de stocks.<br />

Outro, o MINE4HEALTH, desenvolvido em parceria<br />

com o IPO do Porto, e que é um projeto bastante ambicioso<br />

de inteligência artificial que tem como objetivo<br />

apoiar os clínicos na tomada de decisão no contexto oncológico<br />

no âmbito da terapêutica farmacológica.<br />

Um terceiro projeto chamado NHS Supply Chain, do<br />

NHS inglês que está relacionado com a externalização<br />

da logística hospitalar, desde a negociação e compra à<br />

distribuição e armazenagem.<br />

Deixou a sugestão de consulta ao site Patient Innovation<br />

European Tour, que tem um conjunto de inovações promovidas<br />

pelos próprios doentes, com soluções engenhosas<br />

que podem ser uteis para outros doentes.<br />

• No dia 6 de maio de 2020, Sandra Mateus (Health<br />

Lead na Microsoft), falou-nos nos “Desafios Digitais Futuros<br />

na Saúde”. Moderadores: Carlos Sousa (APAH) e<br />

Joana Luís (SPMS)<br />

Começou por dizer que com a pandemia Covid-19<br />

qualquer uma as grandes tendências que nos têm levado<br />

a discutir cada vez mais o tema da Transformação<br />

Digital na Saúde se tornou ainda mais importante, seja<br />

para usar tecnologias inovadoras no desenvolvimento<br />

de uma vacina, seja o risco das populações mais envelhecidas,<br />

ou a expetativa dos doentes e dos cidadãos<br />

face à capacidade de resposta dos cuidados de saúde a<br />

uma doença como esta.<br />

Falou-nos do uso de tecnologias emergentes, do uso da<br />

inteligência artificial no setor da saúde, no tratamento<br />

de grandes quantidades de dados e de informação, para<br />

daí tirar resultados que possam facilitar o dia-a-dia dos<br />

profissionais de saúde.<br />

Mostrou-nos a saúde digital como a emergência de um<br />

novo normal. Passámos de um processo reativo, desconectado<br />

e cíclico no qual qualquer paciente se dirigia a<br />

um médico quando tinha sintomas, fazia o tratamento,<br />

recuperava e só voltava a ter outra interação quando<br />

voltasse a ter novamente sintomas, para um processo<br />

digital que é cada vez mais contínuo e colaborativo e<br />

tem uma abordagem mais centrada nos cuidados preventivos<br />

ao invés dos curativos e isto implica tratamentos<br />

personalizados, monitorização remota de doentes, proatividade<br />

em planos de saúde, utilização e integração dos }<br />

106 107


GH Iniciativa APAH | webinars<br />

meios digitais 5 . Ao terminar, referiu que a Microsoft criou<br />

um plano específico para resposta à pandemia Covid-19<br />

e que passa por algum licenciamento gratuito, apoio a<br />

clientes, mas também a profissionais independentes, a<br />

escolas, entre outros.<br />

• O “Lean Agile <strong>Hospitalar</strong>” foi o tema apresentado no<br />

dia 9 de junho de 2020 por Carlos Hernandez Jerónimo<br />

(Winning Consulting). Moderadores: Zita Espírito Santo<br />

(APAH) e Bruno Trigo (SPMS).<br />

Neste webinar abordaram-se as oportunidades e os desafios<br />

da incorporação e aplicação dos conceitos de Lean<br />

aos sistemas de informação hospitalares. Tratou em particular<br />

da utilização de ferramentas como o Lean Agile<br />

para a criação de valor, por parte das instituições ou dos<br />

profissionais de saúde, para o cidadão, para o doente e<br />

para os familiares.<br />

No Lean Agile, por um lado temos o doing agile referente<br />

às práticas, técnicas e ferramentas, e por outro temos o<br />

ser agile, ter o foco nas pessoas, nos valores e nos princípios.<br />

Agilidade não significa velocidade, a sensação de rapidez<br />

resulta do facto de se fazerem entregas sucessivas.<br />

Trata-se de entregar valor a partir do momento zero.<br />

No decorrer da sua apresentação deu resposta a questões<br />

tão simples como: Porquê transformar? O que<br />

transformar? Como transformar?<br />

Abordou a Desmaterialização Clínica e Não clínica:<br />

Abordagem com base na implementação da metodologia<br />

Lean Agile alinhado com o referencial EMRAM.<br />

Falou de forma breve na Metodologia Safe Agile 6 , dando<br />

nota que a entrega de valor só é possível com a escalabilidade<br />

e integração. O desafio da transformação digital<br />

hospitalar tem por base cinco áreas críticas de atuação:<br />

um caminho, planear, gerir e entregar mudança.<br />

• No dia 7 de julho de 2020, Victor Costa, Diretor do<br />

Serviço de <strong>Gestão</strong> e Informação do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />

de Trás os Montes e Alto Douro falou-nos de “Interoperabilidade”<br />

e os moderadores foram Afonso Pedrosa<br />

(APAH) e Filipe Mealha (SPMS).<br />

No 8.<strong>º</strong> webinar foi dado destaque aos aspetos regulamentares<br />

e aos desafios da operacionalização efetiva dos<br />

sistemas de informação hospitalares e equipamentos de<br />

saúde e à importância das normas, das frameworks e da<br />

arquitetura de referência para nos situarmos na Europa.<br />

No âmbito desta abordagem, Portugal aderiu à Continua<br />

Reference Architecture (CRA) 7 , que tem definidas várias<br />

normas, inscritas num repositório contínuo, que vão<br />

sendo melhoradas por todos os países que participarem<br />

nelas, permitindo encontrar soluções úteis para todos.<br />

Para além das normas definidas pela CRA, existem diversas<br />

normas e diretrizes europeias, sendo a eHealth<br />

EIF (eHealth European Interoperability Framework) da Comissão<br />

Europeia, uma das mais objetivas que define na<br />

comunicação hospitalar o que é que deve ser usado. E é<br />

importante que estejamos alinhados com a União Europeia<br />

porque fazemos parte dela.<br />

No âmbito da capacitação dos profissionais, é necessário<br />

elaborar um plano formativo. A adoção de normas e<br />

frameworks vai exigir formação, testes e certificação. Não<br />

adianta ter soluções se não houver pessoas capacitadas<br />

para as implementar.<br />

Partilhou o caso prático ELGA Empresa de <strong>Gestão</strong>, responsável<br />

por todo o sistema de partilha de informação<br />

na Áustria (ELGA technical overview compressed), faz a ligação<br />

a hospitais públicos e não públicos, a cuidados domiciliários,<br />

a consultórios médicos, a farmácias, a laboratórios<br />

de análises clínicas e de radiologia, no sentido de<br />

agregarem a informação e a partilharem com o cidadão.<br />

• A 15 de setembro de 2020, naquele que foi o 9.<strong>º</strong> webinar,<br />

Cristina Semião focou a importância de “A Qualidade<br />

dos Dados no Futuro Digital”. Moderadoras: Joana<br />

Chedas (APAH) e Raquel Vilas (SPMS).<br />

Hoje vivemos num planeta que está, literalmente, inundado<br />

de dados. Todos os dias são gerados 2,5x10 bytes.<br />

90% de todos os dados que existem hoje, em todo o<br />

mundo, foram criados nos últimos dois anos. O que fazer<br />

com estes dados? Como é que vamos utilizar estes dados<br />

para desenvolver o nosso futuro, seja ele económico ou<br />

social? Na Saúde verifica-se que existe o mesmo fenómeno,<br />

com o aumento de todos os equipamentos, com<br />

a capacidade digital que existe, bem como, a digitalização<br />

de quase todos os recursos por todo o setor da saúde.<br />

Os dados são como “matéria-prima”, é preciso fazê-los<br />

passar por plataformas analíticas para extrair informação<br />

e criar conhecimento. A qualidade dos dados é da maior<br />

importância, porque se, de facto, os dados não tiverem<br />

qualidade, vão produzir informação errónea, que por sua<br />

vez, vai produzir conhecimento que não está correto. A<br />

governança dos dados é a infraestrutura normativa que<br />

assegura que os recursos de dados são cuidadosamente<br />

geridos e protegidos contra ameaças de segurança e de<br />

privacidade.<br />

Qual o impacto que a pandemia Covid-19 teve neste tema?<br />

Três ilações se podem tirar desde já: a primeira, pela<br />

limitação dos contactos presenciais, novas tecnologias, tais<br />

como, comunicações remotas, inteligência artificial, robótica,<br />

genómica, transformaram a capacidade de resposta<br />

dos cuidados de saúde. Um aspeto menos positivo, está<br />

relacionado com “uma outra pandemia” que se criou à<br />

volta desta, a pandemia da desinformação, que urge controlar.<br />

É, de facto, um dos custos mais visíveis da falta ou<br />

da má qualidade dos dados. Ao mesmo tempo que circula<br />

informação importante e muito útil sobre a doença,<br />

há muita desinformação que em muitos casos é replicada<br />

até à exaustão nas redes sociais. A terceira, é um aspeto<br />

bastante positivo, é evidente um espírito de cooperação<br />

digital entre países e entre vários agentes científicos.<br />

O futuro requer que os lideres de agora assegurem a<br />

educação, a capacitação e o envolvimento dos profissionais<br />

de saúde, que habilitem novos modelos de cuidados,<br />

bem como, novos sistemas que estimulem a participação<br />

do cidadão na gestão da sua doença e principalmente na<br />

gestão da sua saúde e do seu bem-estar.<br />

• Ana Nunes (Diretora dos Sistemas de Informação do<br />

HFF), foi convidada a partilhar os “Desafios da <strong>Gestão</strong><br />

dos STI <strong>Hospitalar</strong>”, o que aconteceu no dia 13 de outubro<br />

de 2020. Moderadores: Carlos Sousa (APAH) e<br />

Ângela Dias (SPMS).<br />

Abordou o tema da Governação dos Sistemas de Informação,<br />

a experiência dos profissionais de saúde, a fiabilidade<br />

dos sistemas, a evolução, a melhoria contínua são<br />

aspetos cruciais para que uma TD tenha efetivo valor e<br />

cumpra aqueles que são os seus objetivos. Partilhou a<br />

sua visão sobre os desafios que os Serviços de Sistemas<br />

de Informação têm nos Hospitais e a sua experiência na<br />

transição e evolução do serviço que prestam muito com<br />

base na literatura e suportada na formação em ITIL 8 .<br />

Falou no impacto de um Serviço de Tecnologias de Informação<br />

na prestação de cuidados aos utentes. É importante<br />

evoluir de um helpdesk para um servicedesk,<br />

passar de um serviço meramente reativo para algo mais<br />

proativo, perceber se os colaboradores do STI têm condições<br />

para prestar um serviço de qualidade e não apenas<br />

resolver problemas.<br />

Referiu que para se implementar algo, primeiro é preciso<br />

ter uma estratégia, depois desenhar o serviço pretendido<br />

(service design), e isso significa fazer o levantamento de<br />

todas as necessidades e passar para a fase da transição<br />

(service transition), para a sua implementação efetiva e<br />

passar o conhecimento para a operação. Entra-se na fase<br />

da operação (service operation), da gestão do dia-a-dia,<br />

dos incidentes, do que reportam mais ou menos. Por }<br />

108 109


GH Iniciativa APAH | webinars<br />

“<br />

A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL JÁ DEVIA<br />

ESTAR DE TAL FORMA INTERIORIZADA<br />

NAS PESSOAS E NAS ORGANIZAÇÕES<br />

QUE AS QUESTÕES DO DIGITAL<br />

JÁ SERIAM SECUNDÁRIAS.<br />

”<br />

fim, a melhoria contínua (continual service improvement),<br />

deve-se avaliar continuamente, fazer autoavaliações e pedir<br />

aos utilizadores que avaliem o serviço prestado.<br />

• 10 de novembro de 2020: “Estratégia do Digital na<br />

Saúde”. Orador: Rui Gomes (Diretor do Serviço de Tecnologias<br />

e Sistemas de Informação do Centro <strong>Hospitalar</strong><br />

e Universitário de Coimbra, EPE). Moderadoras: Zita Espírito<br />

Santo (APAH) e Ana Esteves (SPMS).<br />

Começou por partilhar as linhas principais que podem<br />

ser consideradas como agentes facilitadores nas instituições<br />

de saúde, pode não ser uma pessoa, mas ser<br />

uma infraestrutura ou a forma como lidamos com este<br />

ecossistema, um equipamento ou os espaços físicos, entre<br />

outros. Facilitador é tudo aquilo que tenha um papel<br />

ativo nesta construção. Com a mudança repentina fruto<br />

da pandemia, aquilo que de alguma forma estaria a uma<br />

grande distância para o utilizador comum ou até para<br />

os próprios utentes em termos de informação e até no<br />

âmbito das operações dos hospitais, como seja a tecnologia,<br />

ficou muito mais próximo. Aquilo que poderia ser<br />

difícil de implementar, de sensibilizar nas instituições para<br />

a adoção de novos processos de trabalho com vista a<br />

promover a função TIC não como um fim, mas como<br />

um meio, tornou-se mais fácil.<br />

A transformação digital já devia estar de tal forma interiorizada<br />

nas pessoas e nas organizações que provavelmente<br />

os temas com que lidam diariamente e que focam as<br />

questões do digital já seriam secundários. A necessidade<br />

de operar novos e diferentes modelos de serviços TIC<br />

nas instituições em benefício de toda a rede de cuidados<br />

de saúde faz refletir não só nas novas estruturas de ativos<br />

a posicionar, mas também nos novos processos de<br />

trabalho. Terminou com um resumo dos fatores críticos<br />

de sucesso que considera ser premente acautelar nas<br />

instituições de saúde.<br />

• No dia 15 de dezembro assistimos ao 12.<strong>º</strong> webinar<br />

e último desta primeira temporada. Foi dedicado ao<br />

“HIMSS 7 - Case Study Lusíadas Saúde” por Luís Vaz<br />

Henriques (Chief Information Officer na Lusíadas Saúde).<br />

Moderadores: Teresa Magalhães (APAH) e Domingos<br />

Pereira (SPMS).<br />

A apresentação incidiu sobre a forma como o Hospital<br />

de Cascais chegou ao stage 7 do HIMSS 9 ao fim de<br />

três anos. Foram mostrados alguns exemplos práticos e<br />

pragmáticos de tecnologias e de negócio, os resultados<br />

alcançados na área clínica e por fim, partilhou que estes<br />

projetos do ponto de vista financeiro pagam-se a eles<br />

próprios, focando alguns fatores críticos de sucesso. Terem<br />

atingido o nível máximo reflete o desejo do Hospital<br />

de Cascais em eliminar o uso de papel e passar a usar<br />

as tecnologias de informação por forma a garantir benefícios<br />

para os doentes e para os profissionais de saúde.<br />

O HIMSS tem definido vários modelos de maturidade e<br />

estes indicam o caminho que deve ser seguido para se<br />

alcançar o nível de excelência.<br />

Dentro dos modelos de maturidade, o modelo associado<br />

à adoção do processo clínico eletrónico é o mais conhecido<br />

- o EMRAM (Electronic Medical Record Adoption<br />

Model). Considera serem três os pontos importantes para<br />

se avançar para um stage 7:<br />

1. Financiamento (uma parte será re-investimento);<br />

2. Envolvimento dos profissionais que estão no terreno<br />

(médicos e enfermeiros);<br />

3. Liderança e apoio da gestão de topo.<br />

Para finalizar, das lições aprendidas, foram destacados<br />

alguns aspetos, em particular a importância da celebração<br />

das pequenas vitórias obtidas durante o processo<br />

com as pessoas envolvidas, com base na importância da<br />

motivação. Ã<br />

1. Pode ser consultado em https://www.spms.min-saude.pt/wp-content/uploads/<br />

2019/10/ ENESIS2022_ VersaoParaConsultaPublicaOut2019.pdf.<br />

2. O Ecosistema de Informação da Saúde (eSIS) é um conjunto de tecnologias,<br />

pessoas e processos que intervém no ciclo de vida da informação relacionada com<br />

todas as dimensões da saúde do cidadão e outra relacionada, independentemente<br />

do local de prestação de cuidados e, ou das barreiras organizacionais.<br />

3. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) é publicado em março de cada<br />

ano.<br />

4. A versão completa do Plano de Ação pode ser consultada no Portal do Governo,<br />

no site do Portugal Digital em https://www.portugal.gov.pt/gc22/portugal-digital/<br />

plano-de-acao-para-a-transicao-digital-pdf.aspx<br />

5. Sugere-se a consulta da plataforma KHARE, Kinect HoloLens Assisted Rehabilitation<br />

Experience, que resulta de um projeto que combinou especialização médica,<br />

tecnologia e neurociência numa pareceria entre o INAIL, a Universidade de Parma<br />

e a Microsoft Enterprise Services. Esta oferece, em tempo real, as orientações e os<br />

insights necessários para criar uma fisioterapia personalizada para cada paciente,<br />

em qualquer lugar.<br />

6. Para mais informação consultar: https://www.scaledagile.com/enterprise-solutions/what-is-safe/.<br />

7. A Continua é uma associação europeia para a normalização e criação de um selo<br />

de conformidade para dispositivos médicos (Personal Health Devices).<br />

8. O ITIL é o referencial de melhores práticas na gestão de serviços de tecnologias<br />

de informação (TI) usado em muitas organizações em todo o mundo.<br />

9. O HIMSS (Healthcare Information and Management Systems Society) é uma<br />

instituição sem fins lucrativos dedicada à promoção da melhoria da prestação de<br />

cuidados de saúde através da adoção e otimização contínua das tecnologias de<br />

informação e comunicação (TIC).<br />

Os Webinars estão disponíveis no canal da APAH no YouTube<br />

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