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Catálogo Impulsos

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o é t i c o s



IM

PUL

SOS

outubro - dezembro

2020

P O É T I C O S

acompanhamento crítico

Impulsos Poéticos


Impulsos poéticos [livro eletrônico] :

acompanhamento crítico : impulsols poéticos /

Alexandra Martins ... [et al.] ; curadoria

Gisele Lima , Yná Kabe Rodríguez. -- 1. ed. --

Brasília, DF : A Pilastra, 2021.

PDF

Outros autores : Ana Paula Bertoldi, Carolina

Lacaz, Eduardo Moraes, Lídice Silveira, Ludmila Lima,

Marcelo Camara.

ISBN 978-65-993755-1-4

1. Artes 2. Artes - Exposições - Catálogos 3.

Poesia brasileira I. Bertoldi, Ana Paula. II. Lacaz,

Carolina. III. Moraes, Eduardo. VI. Silveira, Lídice.

V. Lima, Ludmila. VI. Camara, Marcelo. VII.

Rodríguez, Yná Kabe.

21-57972 CDD-730.920981


Alexandra Martins

Ana Paula Bertoldi

Carolina Lacaz

Eduardo Moraes

Lídice Silveira

Ludmila Lima

Marcelo Camara

Curadoria

Gisele Lima e Yná Kabe Rodríguez



A Pilastra

06

Acompanhamento Crítico: Impulsos Poéticos

07

Bico, cabelinho, dente de leite e simpatia:

Ana Paula Bertoldi 16

Demônio, Anjo Caído e Imagem Semelhança:

Lídice Silveira

22

Entre Tempos: Eduardo Moraes

28

Furtivo: Marcelo Camara

48

Por Onde se Esconde o Silêncio:

Carolina Lacaz

60

Ressonar: Ludmila Lima

68

Sobre Imagens que Descansam:

Alexandra Martins

82

Artistas

Curadoras

95

98


06 _

A Pilastra

A Pilastra, fundada em 2017, é uma casa de

cultura e galeria de arte movida pelo intuito

de exibir jovens artistas em desenvolvimento,

em um ambiente propício ao diálogo crítico e

à troca de experiências.

Como casa de cultura, A Pilastra é sobre ser

e se fazer de apoio a corpos dissidentes,

jovens que encaram o atual cenário cultural

não democratizado e o permeiam como

rizoma. Enquanto galeria se desenvolve

como corpo coletivo, servindo de apoio e

sendo apoiado por jovens artistas das mais

variadas poéticas e suportes.


07 _

Impulsos Poéticos

Esse grupo, sob acompanhamento

das curadoras Gisele Lima e Yná

Kabé Rodríguez, de outubro a

dezembro teve como objetivo

desenvolver e aprofundar as

questões poéticas já trabalhadas e

desenvolvidas de cada

participante.

O trabalho curatorial mesclou

crítica e pesquisa ao provocar

mergulhos em suas produções,

trajetórias e anseios.


Sobre impulsos poéticos

Yná Kabe Rodríguez

Por uma:

“submetodologia que não se furte às batalhas

políticas em que se veja implicada e que não

cesse de querer escapar, seja pela via do erro, da

entropia ou por qualquer outra, dos

condicionamentos a que está submetida a

produção de conhecimento no marco das

metodologias disciplinares”

Jota Mombança, no texto Rastros de uma

Submetodologia Indisciplinada.

Recentemente me formulei uma questão em

relação às ferramentas necessárias para se

desvincular das exigências “das artes”, nem

pensando se é possível ou não, fazendo o

exercício de especular, imaginar, vagar na ideia. A

preocupação seria voltar-se para as

transformações que o cotidiano urge para que se

possa fazer arte, ao mesmo tempo que sem

muita explicação ou mapeamento, fazer vem de

um impulso. Hoje, seria isso que eu definiria de

impulsos poéticos.

_

08 05


As observações que se transformam em pulsão

de vida e sinalizam que às vezes estamos tão

distantes da vida para poder falar de arte, me

parece se desfazer de quaisquer valores impostos

para que algo se torne uma “poética”. Talvez até

além de qualquer expectativa de subversão, mas

desejos de agir em relação a um contexto, uma

experiência, e em si cultivar uma vivência. Ou seja,

pulsões de vida.

Algumas práticas são impulsionadas por uma

arquivologia da vida, num sentido metafórico

mesmo, como se a descoberta de uma história

própria tomasse corpo e pudesse ser catalogada.

Visível. Uma biblioteca de um linguajar cotidiano,

um palavreado de memórias, um lugar que a

hegemonia entenderia apenas como “valor

sentimental”, mas que se percebe como saber

ancestral..

O tempo nas práticas reunidas no programa de

acompanhamento “Impulsos Poéticos" foi de uma

espera daqueles que entendem o que é da terra.

09 _


Uma reunião gerada pelas incertezas que ainda

moviam as perspectivas de vida e poética,

encontros entre a falta de praticidade e os

questionamentos que nos retornam a agir. Pensar

em fazer em meio a um crescente e violento

momento nessa pandemia de Covid-19, era como

assumir que transgredir um limite imposto onde

prática como um todo parece vazia, mas se

observada com atenção e urgência vemos que o

que impulsiona o fazer, seja em momentos

críticos ou não, é um pensamento que imagina a

ação e assim transforma a poética em algo que

impulsiona a vida e se distancia das

aprendizagens apáticas. Somos agentes de uma

subversão das nossas próprias expectativas, que

podem quebrar os contratos onde nos exigem

distinguir o que fazemos do que vivenciamos, em

uma exaustiva balança da potência se é arte ou

vida. Que continuemos praticando uma

deslealdade com a arte, até que a mesma possa

correr contra o tempo que ameaça as nossas

vidas.

10_


Sobre aquilo que pulsa

e não se vê

Gisele Lima

O que pulsa: lateja, faz-se soar, ferir, tocar e

tanger. O que é visto: é contemplado,

testemunhado, assistido. Pode ser descoberto e

dar-se conta de si, avistado, visitado, consultado,

verificado, previsto, fantasiado, lido, ponderado,

calculado e considerado.

E aquilo que pulsa e não se vê? Este é da ordem

do sensível, da investigação pelo tato e pelo

íntimo.

Colocar-se no lugar de pensar e produzir arte em

2020, foi sem dúvida um privilégio e um desafio.

Escalonando as consequências sociais, políticas e

afetivas, ainda nos desafiamos a descobrir aquilo

que nos estimula o movimento em rumo a poesia

e a arte.

O que eu quero fazer?

11 _


O ponto de partida desta jornada. Quem diria que

mapear os próprios desejos seria um estímulo e

um deleite. Questionamento que se fez força

motriz para começar a entender aquilo que lateja

e se move dentro de nós sem que possamos

enxergar.

Com ruas vazias, rotinas silenciadas, e as telas em

supremacia, o único caminho possível foi para

dentro. Dentro de casa, dentro da família, dentro

da própria história, dentro da sua arte, dentro de

si. Enlapar em nós, aprendendo com as sombras

do mundo e com a terra. Com a chuva, o vento, a

lama, a folha, o calor e o fogo. Vimos o tempo

passar, a vida esvair. Dias de choro, dias de café,

dias de jardim. Prestar atenção no que se passa

tornou-se um exercício de entender o que se

passa fora como um espelho do que se passa

dentro.

Nosso tempo não é o tempo do calendário, nem o

tempo do relógio.

12_


Nossa história não se conta como nos livros.

Nossos medos nem sempre são tão abstratos e o

maior desafio pode ter sido compartilhar esses

processos em grupo.

Neste processo investigativo plantamos e

colhemos nossas histórias e memórias. Eduardo

Moraes tencionou a resistência da permanência

das memórias dentro do espaço da casa. Aquela

que foi, e o que é hoje, a parede das memórias à

beira da destruição no processo de virar ruína.

Enquanto Alexandra Martins fez do processo de

fundamento, da morte, do enterramento de um

corpo, ou de uma foto, o processo de

transformação. Deixar descansar para que se

torne algo novo. Como quem morre se

preparando para a reencarnação em uma nova

vida.

Houve quem fizesse de processo diário, como

Ana Paula e o seu relicário de imagens antigas

que remontam um despertencimento da infância

e reinventa a cada investida.

13_


Assim como Lídice, que mapeou suas crenças,

medos e tabus, brincando com o profano e o

sagrado, se desafiando na construção de cada

uma das imagens. As quais contém também um

pedacinho de sua alma ou o medo dessa

fragmentação.

Marcelo Camara e Ludmila Lima olharam para

suas produções como quem olha para o álbum da

própria história, e fizeram de seus trabalhos e

memórias índices de investigação rumo ao que

lhe é visceral. Aquilo que extrapola o verdadeiro

desejo, do trauma, do que foi vivido e daquilo que

move a vida.

Carolina Lacaz nos entregou o silêncio, a

transfiguração das paisagens internas em jardins,

florestas e outros mundos. E junto ao silêncio de

Carol, temos o silêncio de outras tantas que

estiveram conosco nessa jornada e que por

motivos vários não se fazem presentes aqui.

14_


Fica então o muito obrigada a todas que

compuseram essa jornada e a recomendação, e

desejo, que você desfrute deste passeio. Que

essa publicação seja um mapa e te permita

mergulhar em cada um desses mundos.

Boa viagem.

15_


BICO, CABELINHO, DENTE

Série

16_


DE LEITE E SIMPATIA

Ana Paula Bertoldi

17_


Bico.

Assemblagem.

Fotografia, 2020.

Cabelinho.

Assemblagem.

Fotografia, 2020.

18_


Bico, cabelinho, dente de leite e simpatia:

Ana Paula Bertoldi

Vasculhar fotos da minha infância para encontrar pistas de

novas rotas de destino, procuro lugares de fantasia

escondidos sobre traumas, mentirinhas e casquinhas de ferida.

gosto de construir gambiarras para dar continuidade ao trajeto

da imagem. inventar lembranças e ter como tesouro a

subjetividade que realça a importância dos arquivos íntimos e

aprofunda perspectivas sensíveis de identidade.

Uma imagem sozinha é um mapa completo de caminhos,

com atalhos e vias interditadas. Dar tempo ao roteiro dessa

imagem, esperar que ela se apague na atmosfera do

esquecimento para que possa reaparecer, com outras

sinalizações. Permitir o borrão da ausência embaralhar o acaso

e brincar com a experiência da surpresa escondida em algum

lugar do passado. desobedecer o contorno e desenhar uma

mentira na

certeza.

19_


Dente de Leite.

Assemblagem.

Fotografia, 2020.

20_


Simpatia.

Assemblagem.

Fotografia, 2020.

21 _


DEMÔNIO, ANJO CAÍDO

Ensaio

22 _


E IMAGEM SEMELHANÇA

Lídice Silveira

23_


Demônio.

Fotografia, 2020.


Demônio

Lídice Silveira

No livro dos símbolos não tem diabo, nem demônio, na

verdade eles são referenciados como anjos maus. Os

significados do tarot que me identifico são "marca da

dubiedade, com seios desenvolvidos e genitais postiços",

tentações, seduções, magias, desordem, mistério, força

emocional, capacidade milagreira. "Que opõe os mundos ao

mundo, e os seres entre si". Morte e tempo, formalidade do

ilusório. "Um desafio à ordem que os homens atribuíram a

deus". O tentador. Bipolaridade do turbilhão astral. O "inspetor

de qualidade" autorizado por deus para colocar os homens à

prova (Jó e Jesus).

Na minhas experiências psicodélicas sempre me deparo

com demônios, ou carrancas. Ou com a ideia de que a

experiência de redenção está ligada à um "pacto com

demônio". Isso me assusta, já que passei a 80% da vida na

igreja evangélica. Numa outra experiência me permitir

questionar, o que é o demônio que usavam como ferramenta

de medo? O demônio sou eu, e tudo que não querem que eu

seja. Tudo que é visto como mal e errado, nessa ética binária e

extremista, na experiência cristã.

25_


Anjo Caído.

Fotografia,2020.

_

26


Imagem Semelhança.

Fotografia, 2020.

_

27


ENTRE

Série

28_


TEMPOS

Eduardo Moraes

29_


Úmida casa.

Acrílica, gesso acrílico e casca de parede s/tela.

24 x 18,5 cm, 2020.

30_


Entre Tempos

Eduardo Moraes

A pesquisa investiga o potencial abstrato, matérico e

afetivo de uma casa antiga que será demolida. A prática tem

possibilitado gerar uma nova experiência com o lugar que,

apesar de não ter mais sua função de habitação e agora ser

uma ruína, é marcado pelo tempo e memória. Aliás, a própria

experimentação tem sido movida pela ação do tempo que cria

suas sentenças. O ontem que traz os restos e a condição da

matéria; o hoje que revela os modos do fazer permitindo que o

gesto intervenha na velha construção e, o amanhã, prenúncio

da transformação do material que continua a se deteriorar nas

telas por sua condição intrínseca.

31 _


Há uma demanda de diferentes tempos de execução

para os tipos de materiais utilizados na remoção de camadas.

Neste percurso, a dificuldade no controle da ação aponta para

resultados inesperados e revelam imagens que se diferenciam

e se complementam. Para tanto, primeiramente são

escolhidos os lugares específicos a intervir. Existe um

interesse por rachaduras, crostas, descamações antigas ou o

antigo reboco, por exemplo. Após a preparação do suporte ou

de determinada área do local, é realizada a extração do

material (que parece uma capa, um tipo de “pele”, constituída

por antigas e diversas demãos de tintas, marcas de umidade,

relevos de sedimentos, imperfeições e rachaduras). Entre os

desenhos moventes que surgem, as superfícies de cores são

reveladas a cada extração em diferentes profundidades. Na

tentativa de manter as partes que escapam ao limite físico da

tela, foi desenvolvida uma forma de uni-las às laterais do

suporte, garantido uma certa estabilidade.

32 _


Experimento n.1.

Acrílica, silicone acético incolor, cascas de parede s/tela.

13 x 13 cm, 2020.

33 _


34_

Experimento n.2.

Acrílica e casca de parede s/tela.

12 x 12 cm, 2020.

Cicatriz.

Acrílica e casca de parede s/tela.

12 x 12 cm, 2020.


Sem título (1).

Acrílica, silicone acético incolor,

selante de poliuretano, cascas de parede s/tela.

26,5 x 40,5 cm, 2020.

35_


Sem título (2).

Acrílica, silicone acético incolor,

selante de poliuretano, cascas de parede s/tela.

26,5 x 40,5 cm, 2020.

36_


Sem título (3).

Acrílica, silicone acético incolor, selante de poliuretano,

cascas e fragmentos de parede s/tela.

26,5 x 40,5 cm, 2020.

37_

Sem título (4).

Acrílica, selante de poliuretano, cascas de parede

s/tela.

26,5 x 40,5 cm, 2020.


Janelinha.

Acrílica, selante de poliuretano e casca de

parede s/tela.

29 x 44 cm, 2020.

Verdinha.

Acrílica e casca de parede s/tela.

29 x 44 cm, 2020.

38_


Paredes têm ouvidos.

Gesso acrílico, selante de poliuretano e cascas

de parede s/tela.

24 x 18 cm, 2020.


Sem título (5).

Gesso acrílico, selante de poliuretano e cascas

de parede s/tela.

24 x 18 cm, 2020.

40_

Sem título (6).

Gesso acrílico, selante de poliuretano e cascas

de parede s/tela.

24 x 18 cm, 2020.


O processo tem sido guiado pelas tentativas, descobertas

e decisões que o trabalho permite entre a materialidade

oferecida. Nesse sentido, as paredes se mostram como uma

espécie de sítio arqueológico, onde são recolhidos itens de

interesse de uma investigação e que servem a uma cartografia

específica. As coletas são transferidas do seu contexto natural

e são atualizadas na pintura, ainda que continuem a se

degradar por sua constituição física ou que se quebrem ao

transbordarem o plano da tela. Destaca-se ainda, a constante

relação de troca com o lugar que dá e recebe, quando no

procedimento, inevitavelmente, parte da massa pictórica se

fixa para além da tela, isto é, algumas regiões ganham pintura,

registrando assim o gesto atual e o olhar do artista.

41 _


Experimento n.3.

Acrílica e casca de parede s/tela.

12 x 12 cm, 2020.


Paredes guardadas em mim (Díptico).

Acrílica, selante de poliuretano e casca de parede s/tela.

36 x 59 cm (cada), 2020.


44 _

Sem título (7).

Acrílica e casca de parede s/tela.

36 x 59 cm, 2020.

A varanda era aqui.

Acrílica e casca de parede s/tela.

36 x 59 cm, 2020.


Olho mágico.

Acrílica e casca de parede s/tela.

12 x 12 cm, 2020.

Sem Título (8).

Acrílica e casca de parede s/tela.

12 x 12 cm, 2020.

45 _


Insistência da repetição.

Acrílica, verniz acrílico e cascas de parede sobre tela.

30 x 30 cm, 2021.

_

46


Ecos que confundem.

Acrílica e cascas de parede sobre tela.

30 x 30 cm, 2021.

Sob o mesmo céu.

Acrílica, verniz acrílico, folha de ouro e cascas

de parede sobre tela.

30 x 30 cm, 2021.

_

47


FUR

Série

48_


TIVO

Marcelo Camara

49_




52 _



54_


55 _


56_


57 _


58_


59_


POR ONDE SE ESCONDE

Ensaio

60_


O SILÊNCIO

Carolina Lacaz

61 _


Por onde se esconde o silêncio.

Vídeo-Projeção, 01''57', 2020.

62 _


Por Onde se Esconde o Silêncio

Carolina Lacaz

Por onde se esconde o silêncio é um projeto em

continuidade, em busca de seu próprio tempo.

Iniciado durante o período da quarentena, no Brasil, as

fotografias tecem uma paisagem densa, que se constrói e se

desfaz pelo movimento, envoltas por sombras e pontos de luz.

A falta de concretude, de tempo e lugar determinado

abrem espaço para a subjetividade do espectador. Diante

dessa atmosfera imaginativa e solitária das fotografias, as

cenas se tornam extemporâneas, se libertando em relação ao

presente.

Tal como o silêncio, a floresta, com suas múltiplas

facetas e caráter enigmático, ressoa as sensações de

incompreensões, que, de um lado, insinua estar se revelando

e, de outro, aparenta estar se desfazendo.

63 _


64 _


65 _ 75


66 _


67 _


RES

Ensaio

68 _


SONAR

Ludmila Lima de Morais

69 _


Ressonar

verbo transitivo direto e intransitivo

Produzir som; fazer soar; ressoar:

verbo intransitivo

Respirar fazendo barulho durante o sono; roncar: ressoa

quando dorme.

Entrar num estado de sono.

verbo predicativo

Respirar normalmente durante o sono.

etimologia (origem da palavra ressonar).

Do latim resonare, “repetir ruir”.

70_


Ressonar

Ludmila Lima

Quando bem pequena meus pais tinham o hábito de

colocar os sons da natureza para mim e meu irmão

dormirmos, meu favorito eram os do mar, escutar as baleias e

golfinhos com o barulho abafado da água me traziam calma.

Desde então associo o vazio da casa ao dormir com o mar em

sua imensidão e seus sons tão diferentes. Uma vez minha

prima um pouco mais velha, me visitou e acabou passando a

noite comigo, na hora de dormir algo engraçado aconteceu, o

CD com o som do mar estava tocando já havia alguns minutos,

incomodada ela olha para mim e diz” ué ninguém vai cantar

não? Cadê a voz? Esse moço está demorando. Essa música vai

ficar só nisso?” naquela época eu ri sem entender a ansiedade

da minha prima pois, para mim os sons sempre foram tão

interessantes quanto a música cantada na rádio. Em acréscimo

desde muito nova fiz parte de corais e projetos musicais, a

curiosidade pelos sons independente da origem é algo que

me acompanhou até a fase adulta. Hoje vejo como isso reflete

bastante no meu trabalho como artista e em como percebo o

cotidiano.

71 _


Concha.

Impressão 3D; Reprodutor sonoro; Som : Casa vazia.

Duração: 5 minutos até o Looping.

13cmx15x8.86, 2020.


73 _


74_


Casa.

Impressão 3D; Reprodutor sonoro; Som: Mar.

Duração: 1:41 minutos até o Looping.

15cmx10.8x13,7, 2020.


Recentemente, percebi que os meus melhores insights

chegam antes de dormir quando estou deitada na cama e

pensando no que fiz no dia, no que farei no dia seguinte e

começo a ter vários devaneios sonolentos. Muitos desses

devaneios me levam para quando eu era criança e como eu

pensava o mundo. Em uma dessas viagens lembrei que

quando criança eu brincava com uma concha enorme, na

minha brincadeira a con-cha era um telefone deixado fora do

gancho, então eu colocava meu ouvido e escuta-va o mar e

para mim fazia sentido que do outro lado minha mensagem

estava sendo transmitida. Eu falava com os peixes, o mar e

qualquer outra criatura que estivesse de passagem. Lembro

que eu pensava que se eu escutava o mar, o mar também

escutava o meu lar. Nota-se que eu nunca tinha ido ao mar, só

conhecia por fotos e pelos sons. Lembro disso com muito

carinho e humor, hoje vejo a mesma concha e ponho meu

ouvido, escuto o mar me respondendo, e me vem outras

questões que eu não tinha pensado quando mais nova.

Questões como para onde foi o molusco que morava ali

dentro? Será que ele encontrou um novo lar? Será que foi

removido à força? Tudo que me responde é essa morada

vazia, sua ausência.

76_


Em algum momento dessa quarentena, eu conversava

com outros amigos artistas ao mostrar alguns dos meus

trabalhos e falaram que eu era uma Caçadora, por estar

procurando o som tão ativamente. A partir daí comecei a fazer

armadilhas para tudo, dependendo da obra pode ser as mãos,

uma janela, meu gravador e etc. Por isso, atualmente vejo o

meu processo como uma caçada onde tenho que montar

arapucas e preparar terrenos. Principalmente quando o

assunto é capturar o efêmero.

A minha armadilha mais recente é o Ressonar, sendo

inspirado na minha brincadeira de escutar a concha quando

criança. E nos pensamentos da Concha e da casa como

habitações. Resolvi explorar o som dos dois locais e deslocálos

de suas origens. Afinal, meu lar não estava

necessariamente separado do mar. A casa silenciosa à noite

me lembrava do CD com o som do mar quando criança, os

sons sutis, as conversas dos bichos marinhos e a calma que

aquilo me trazia. A nostalgia pode ser interrompida pelo som

de um ambiente urbano, alguns bêbados, carrinhos de

compras, latidos e carros passando. Esse é o meu habitat e

silêncio que eu estou acostumada. O silêncio do mar é

diferente pois o habitat é diferente. Como seria deitar a cabeça

à noite e escutar, realmente escutar o silêncio do mar? E

Como seria para o molusco que vivia lá dentro se escutasse o

meu silêncio?

77 _


Vento uivante.

Palitos de madeira e fita adesiva. Protótipo.

10,5cmx10,5x1,5, 2020.

78_


Para sanar minha curiosidade construí uma casinha e uma

concha e troquei os seus sons de lugar. O resultado me gera

um estranhamento onírico e uma imersão paisagística.

A escolha dessa palavra para o nome do trabalho ocorreu

pelo seu significado. "O som emitido enquanto dorme"

abrange o processo de pensamento do trabalho que ocorreu

enquanto eu estava adormecendo e refletindo sobre a relação

de mar e lar, som e silêncio e memória como explicado nas

páginas anteriores.

"Produzir som" a Concha e a Casa ressoam entre si, seus

sons originais são deslocados de seus lugares comuns, os dois

objetos fazem sentido juntos. E há a necessidade íntima e

afetiva de levar o objeto ao ouvido e interagir com ele.

79_


Inicialmente a ideia do trabalho era só explorar o

deslocamento sonoro dos ambientes, mas durante a escrita e

planejamento, percebeu-se que algo mais íntimo e

introspectivo se movia junto com esse sons e objetos. Dessa

forma, a nostalgia da infância inundou o processo e

proporcionou uma perspectiva mais pessoal do que estava se

esperando.

Vindo das lembranças de infância, Ressonar explora o

conceito de morada e silêncio. Neste trabalho a concha

reproduz o som da casa vazia enquanto a casa reproduz o

som do mar. O deslocamento dos seus sons habituais geram

estranheza e afeto. Como um telefone sem fio entre os dois

ambientes, o espectador é convidado a atender a paisagem

sonora onírica e íntima criada pela artista.

80_


Tocando as Nuvens.

Vídeo, 02''17', 2020.

_

81


SOBRE IMAGENS

Série

82 _


QUE DESCANSAM

Alexandra Martins

83 _


um trabalho sobre retornos.

84 _


85 _


86_


87 _


Sobre Imagens que Descansam

Alexandra Martins

Sobre os retornos que acontecem quando volto para

Brasília, minha cidade natal, local do qual estive fora por sete

anos. O retorno familiar ao revisitar as histórias, silêncios e

segredos que tanto se guarda nesse ambiente. E o retorno a

pesquisas artísticas realizadas antes de sair da cidade.

Em suma, a produção dessa obra acontece no contexto de

todos esses retornos. E se trata do desdobramento do tríptico

Sonia (2013), uma série de fotografias de minha mãe,

registrada pelo meu avô e no qual eu bordo essas imagens.

Ao retornar para Brasília, também retomo a esse trabalho e

começo ao enterrá-lo na terra e observar os processos no

quais elas passam. Me interessa pensar o que acontece nesse

meio tempo: o tempo da cura, o tempo da espera, o tempo de

algum ciclo que gera outro ciclo.

88 _


Preparo a terra e a encanto para as fotos dormirem e

descansarem de suas histórias e memórias. É importante

ressaltar que não se trata de enterrar para morrer. Mas para

transmutar e transformar de todas as dores que há ali. Deixo

essas imagens na terra por alguns dias e, ao acordá-las desse

descanso, elas (as imagens) e eu já somos outras.

O tempo demanda movimentos de retorno e de volta do

olhar. Mas o retorno nunca é real: a gente volta o olhar, mas

nunca volta de fato para as coisas que aconteceram. A

memória tem esse lugar muito particular que existe ao mesmo

tempo no passado e no presente. A partir do momento que a

gente lembra, a gente torna a memória presente.

O processo de algo que aparece, que germina da terra

em oposição ao momento de ir para a terra. Ao mesmo tempo,

para a semente brotar, ela tem que ser enterrada. O

nascimento da planta é a morte da semente. Processos de

nascimento são processos de morte porque o nascimento de

alguma coisa é a morte de algo que veio antes.

89 _


90_


91 _


Me pego pensando como esse trabalho que tenho feito

sobre retornos também poderia ser sobre jornadas e

passagens. Sobre fragmentação da memória que surgem de

buracos, como um quebra-cabeça que me pego colando

pedaço por pedaço. Fazendo dessas descobertas alguma

ficção possível de sonhar.

E assim vou descobrindo que sou mais deslocamento do

que fixação. Onde queres abismo, sou ponte de madeira forte

com cheiro de terra molhada e pele marrom.

92 _


93 _


94 _


Artistas

Alexandra Martins

Nasceu em Brasília e atualmente mora em Salvador. Artista interdisciplinar.

Investiga memórias, ancestralidades e identidades nas criações artística de

performance, instalação, fotografia e vídeo.

Ana Paula Bertoldi

1995, Três Coroas – RS. Artista, graduada em artes visuais na Universidade de

Caxias do Sul. Atualmente reside em Porto Alegre e investiga as dinâmicas de corpoespaço

refletindo sobre as margens entre comportamento, lembranças, e desordem

dos territórios sensíveis. Se interessa pelos espaços onde o corpo reside, o corpo do

objeto, da imagem. Através de mídias, performance e instalações seu processo é

uma busca em desviar do visível para enxergar o invisível.Participou de inúmeras

exposições coletivas, sendo premiada em 1° lugar em 2017 no XI Salão Campus 8 - 4º

Prêmio Koralle .No ano de 2019 construiu a residência, ocupação e exposição "As

Coisas Que São Ditas Antes" ganhadora do XIII Prêmio Açorianos de Artes Plásticas

na categoria destaque em exposição coletiva.

Carolina Lacaz

Nasceu em 1995 em São Paulo. Cursou o bacharelado em Fotografia pelo

Centro Universitário Senac paralelamente com a graduação em Arquitetura e

Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Seu interesse é explorar a

arte do movimento por meio da fotografia, tanto nos cenários do meio urbano

quanto da natureza. Por outro lado, procura também registrar composições estáticas

do universo da arquitetura. Hoje atua profissionalmente como fotógrafa de

arquitetura,

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Eduardo Moraes

É artista visual. Nasceu em Brasília, cidade onde vive e trabalha. Em sua

produção de pintura experimenta, a partir de materiais e técnicas não convencionais,

como o tempo ou memória podem ser ativados pela sobreposição de desenhos,

superfícies ou cores. Atualmente, após os meses de acompanhamento crítico

realizado em 2020, na A Pilastra - Casa de cultura, tem desenvolvido uma série que

recupera a relação afetiva a uma habitação abandonada, tentando enxergá-la e

senti-la para além da simples ruína que aparenta ser. Realiza exposições desde

2000.Foi selecionado por chamada pública para realização e produção da exposição

“Entre Silêncios” no Espaço Cultural Renato Russo/DF (2019). Realizou em 2013 a

mostra individual “Caminhos Refeitos” na Galeria de Artes Antônio Sibasolly em

Anápolis/GO.

Lídice Silveira

1996, Brasília, Brasil. Nasceu, cresceu e trabalha no Distrito Federal. Lídice

pesquisa, em multimídias, sobre experiências místicas, atmosferas internas e o caos.

A artista está no período de graduação em licenciatura, Artes Visuais, na

Universidade de Brasília. Sua trajetória se faz em espaços pelo Distrito Federal e

entorno, como no Espaço Piloto, na exposição PALAVRA ANIMAL NÃO DOMÉSTICO,

em 2019. Participou também do Inferninho Katya Flavya 2.0, pela Pilastra (DF), e na

mostra virtual lista, pela Guava Gallery, todas no mesmo ano.

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Ludmila Lima

1996, Brasília, Brasil. Vive e trabalha em Brasília. Ludmila trabalha com vídeo,

fotografia e som. explora a interações entre linguagens e suas hibridações, o

cotidiano, os afetos e composições sonoras não ortodoxas. É estudante de Artes

Visuais Bacharelado na Universidade de Brasília, com especialização em

Comunicação Visual digital no Colégio SAGA (DF). Participou da exposição

“Referências Cruzadas” (Instituto de Artes, Brasília, 2019) e teve seu trabalho

publicado na 1ª edição da Zine Baleia no tema Tempo Circular(2020).

Marcelo Camara

É artista visual, trabalha e produz em Brasília. É graduado em Arquitetura e

Urbanismo pela Universidade de Brasília/UnB (2015), tendo participado de programa

de intercâmbio na École Nationale Supérieure d’Architecture de Strasbourg, França

(2013-2014). Atualmente cursa bacharelado em Artes Visuais na Universidade de

Brasília/UnB. Foi selecionado para exposição "Do corpo objeto ao animal político",

Arte Londrina 8, da Universidade Estadual de Londrina UEL/PR, com curadoria de

Danillo Villa e Michelle Sommer (2020). É representado pela Galeria Index,

Brasília/DF.

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Curadoras

Gisele Lima

Graduada em Teoria, crítica e história da arte pela UnB, desde 2015 desenvolve

pesquisas que investigam processos de criação, do fazer, do trabalho artístico, da

produção cultural e da curadoria. Como pesquisadora tece sua busca no estudo das

poéticas têxteis e do feminino. Com especial interesse em explorar como afetos se

materializam em pontos, fios e tramas ao mesmo tempo que estes se transmutam

em corpos e vivências. Enquanto curadora, para além da sua atuação na Pilastra, foi

Co-curadora da mostra Triangular – Arte deste século (2019/2020), realizada na

Casa Niemeyer – UnB, melhor exposição coletiva institucional pela revista Select

(2019); Curadora convidada da 14ª Bienal Internacional de Arte Contemporânea de

Curitiba com a mostra Contraforte (2019) e Ganhadora do primeiro edital de

curadoria da Galeria OMA (2018), São Bernardo do Campo – SP, com a mostra

Métrica realizada no mesmo ano.

Yná Kabe Rodrígues

28 anos, travesti do Recanto das Emas, Distrito Federal. É bacharela em Artes

Visuais pelo departamento de Artes Visuais (VIS) da Universidade de Brasília e

mestra em Arte Contemporânea pelo programa de Pós-Graduação em Arte (PPG-

ARTE) na linha de pesquisa MPAC (Métodos e Processos em Arte Contemporânea),

trabalha e sobrevive como artista-babá-curadora-pesquisadora.

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impulsos poéticos

acompanhamento crítico

outubro - dezembro

2020

artistas

Alexandra Martins

Ana Paula Bertoldi

Carolina Lacaz

Eduardo Moraes

Lídice Silveira

Ludmila Lima

Marcelo Camara

curadoria

Gisele Lima

Yná Kabe Rodríguez

projeto editorial

Gisele Lima

Monique Andrade

realização

A Pilastra

direção geral

Mateus Lucena

direção geral e criativa

Gisele Lima

assistência de curadoria

e produção

Monique Andrade


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