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mula que transportava a nossa bagagem e servir a ocupante da liteira. Tratava-se da muito
idosa Dama Timo, que eu nunca tinha conhecido antes. Quando por fim ela apareceu para
entrar na liteira, estava tão envolta em capas, véus e lenços que consegui apenas ficar com a
impressão de que era idosa de uma forma mais descarnada do que roliça, e que o seu perfume
fazia Fuligem espirrar. Acomodou-se no meio de um ninho de almofadas, cobertores, peles e
cobertas, e ordenou de imediato que as cortinas fossem fechadas e atadas, apesar da agradável
manhã. As duas pequenas aias que a tinham acompanhado até ali dispararam alegremente para
longe e deixaram-me sozinho, como seu único assistente. Fiquei com o coração apertado.
Tinha esperado que pelo menos uma delas viajasse com a Dama Timo. Quem iria cuidar das
suas necessidades pessoais quando a tenda fosse montada? Não fazia ideia do que era servir
uma mulher, e ainda menos uma tão idosa. Resolvi seguir o conselho de Bronco a um jovem
que tivesse de lidar com senhoras idosas: ser atento e educado, bem-disposto e agradável. As
velhas são facilmente conquistadas por um jovem simpático, ele tinha me dito. Aproximei-me
da liteira.
– Dama Timo? Está confortável? – perguntei.
Um longo intervalo se sucedeu sem resposta. Talvez ela fosse ligeiramente surda.
– Está confortável? – perguntei mais alto.
– Pare de me importunar, jovem! – foi a resposta surpreendentemente enérgica. – Se eu
precisar de você, eu te digo.
– Peço perdão – disse rapidamente.
– Pare de me importunar, já disse! – resmungou, indignada. E acrescentou, em meio-tom: –
Caipira estúpido.
Ao ouvir isso, tive o bom senso de ficar calado, embora a minha irritação tivesse
aumentado dez vezes. A esperança de que a viagem fosse alegre e divertida foi por água
abaixo. Sem querer, ouvi as trompas soarem e vi o estandarte de Veracidade erguido a
distância, à nossa frente. A poeira que voou na minha direção me indicou que a guarda
avançada tinha iniciado a viagem. Longos minutos se passaram antes que os cavalos adiante
começassem a se mexer. Mano forçou os cavalos que puxavam a liteira a andarem e eu
assobiei para Fuligem. Ela se colocou em movimento com boa vontade, e a mula, resignada,
nos seguiu.
Lembro-me bem desse dia. Lembro-me da poeira de todos os que nos precediam, pairando
espessa no ar à nossa frente, e de como Mano e eu conversávamos em voz baixa, pois, na
primeira vez que rimos alto, a Dama Timo gritou:
– Parem com esse barulho!
Também me lembro do azul-claro do céu formando um arco de colina a colina à medida que
seguíamos as ondulações suaves da estrada costeira. Do topo das colinas, a vista para o mar
era maravilhosa; e o ar, espesso e inebriante da fragrância das flores nos vales. Havia também
as pastoras, todas enfileiradas em cima de um muro de pedra soltando risinhos e apontando
para nós, corando enquanto passávamos. O seu rebanho lanoso espalhava-se pela ladeira atrás
delas, e Mano e eu soltamos exclamações de espanto ao ver como elas tinham posto as saias
coloridas de lado e as haviam atado num nó, deixando joelhos e pernas nuas ao sol e ao vento.
Fuligem estava inquieta e aborrecida com a lenta progressão, ao passo que o pobre Mano
constantemente dava pancadas nas costelas do velho pônei para forçá-lo a manter o passo.
Fizemos duas pausas durante o dia, para que os cavaleiros pudessem descer dos cavalos,