O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb
dois dias antes, tinha me elogiado pela maneira como tratava dele. Contei isso a Bronco e foigratificante ver como esse pequeno subterfúgio funcionou bem. Um alívio se espalhou pelo seurosto, seguido do orgulho de ter me ensinado bem. Rapidamente o assunto mudou de boasmaneiras para a forma correta de cuidar de um cão caçador de lobos. Se a lição de boasmaneiras tinha me cansado, a recapitulação de toda a sua sabedoria a respeito de cães de caçafoi quase dolorosamente entediante. Quando me liberou para as minhas outras lições, saíflutuando.Passei o resto do dia vagamente distraído, o que levou Hode a me ameaçar com uns bonsgolpes de chicote, caso eu não prestasse atenção no que estava fazendo. Então ela abanou acabeça, suspirou e disse para eu ir embora e voltar quando recuperasse a mente outra vez.Tive todo o gosto em lhe obedecer. A ideia de deixar Torre do Cervo e viajar o caminho todoaté Baía Limpa era tudo o que passava pela minha cabeça. Sabia que devia questionar omotivo da minha inclusão na viagem, mas tinha a certeza de que Breu me informaria sobre issoem breve. Iríamos por terra ou por mar? Desejei ter perguntado isso a Bronco. As estradasque levavam a Baía Limpa não eram as melhores, tinha ouvido dizer, mas isso não meincomodaria. Fuligem e eu nunca tínhamos ido numa longa viagem juntos, mas uma viagem pormar, num verdadeiro barco...Peguei o caminho mais longo de volta à torre, subindo uma trilha que passava por uma áreapouco arborizada de uma encosta rochosa. Bétulas se esforçavam para sobreviver naquelelugar, assim como alguns amieiros, mas a maior parte da vegetação consistia em arbustoscomuns. A luz do sol e uma leve brisa brincavam com os ramos mais altos, dando ao dia umaaparência irreal, enchendo o ar com pinceladas de luz. Levantei os olhos para os ofuscantesraios de sol, através dos ramos das bétulas, e, quando voltei a olhar para baixo, o bobo dacorte do Rei Sagaz estava à minha frente.Fiquei paralisado onde estava, surpreso. Por instinto, procurei pelo rei, apesar do quãoridículo teria sido encontrá-lo ali, mas Bobo estava sozinho. E fora, à luz do dia! Opensamento arrepiou os pelos dos meus braços e da nuca. Todo mundo na torre sabia que obobo do rei não suportava a luz do dia. Todo mundo sabia disso. Contudo, apesar do que cadapajem ou criada de cozinha repetia, ali estava Bobo, com o cabelo claro flutuando na levebrisa. A seda azul e vermelha do gibão e das calças de bufão era chocantemente brilhante emcontraste com a palidez da pele dele, mas os olhos não eram tão desbotados como pareciamquando vistos nas passagens escuras da torre. Ao receber o seu olhar fixo a apenas algunsmetros de distância à luz do dia, percebi que havia nos seus olhos um tom azul, muito claro,como se uma só gota de cera azul tivesse caído dentro de uma travessa branca. A brancura dapele dele era também uma ilusão, pois ali fora, na luz salpicada de sombras, podia ver umacor rosada que se difundia de dentro do corpo. Sangue, percebi com um súbito receio, sanguevermelho mostrando-se através de camadas de pele.Bobo não percebeu o meu comentário sussurrado. Em vez disso, levantou um dedo, como sequisesse forçar uma pausa não apenas dos meus pensamentos, mas do próprio dia à nossavolta. A minha atenção não poderia ter sido mais completa e, quando se convenceu disso,Bobo sorriu, mostrando pequenos dentes muito separados, como um novo sorriso de bebê naboca de um garotinho.– Fitz! – entoou numa voz flauteada. – Fitz findz fizcas fixa. Banhabasta.Parou abruptamente, e me deu outra vez aquele sorriso. Devolvi o olhar, incerto, sem
palavras nem movimento.De novo o dedo se ergueu e, dessa vez, foi abanado na minha direção.– Fitz! Fitz finda fa iscas fixia. Bastabanha.Inclinou a cabeça para mim e, com o movimento, sua cabeleira veio junto, como a penugemde um dente-de-leão, pairando numa nova direção.Estava começando a perder o medo dele.– Fitz – eu disse cuidadosamente, e bati no meu peito com o dedo indicador. – Fitz, sou eu.Sim, o meu nome é Fitz. Você está perdido?Tentei fazer a minha voz soar gentil e tranquilizadora para não alarmar a pobre criatura.Com certeza ele tinha se perdido da torre e era por isso que se mostrava tão contente porencontrar um rosto familiar.Ele inspirou profundamente pelo nariz e abanou a cabeça violentamente, até que o cabeloficou todo em pé em torno da sua cabeça, como uma chama em volta de uma vela soprada pelovento.– Fitz! – disse enfaticamente, a voz tornando-se um pouco áspera e aguda – Fitz finda afaísca as fixa. Banhabasta.– Está tudo bem – eu disse, numa voz tranquilizadora.Agachei um pouco, embora na verdade não fosse muito mais alto do que ele. Semmovimentos bruscos, fiz um gesto suave com a mão aberta, convidando-o a se aproximar.– Venha cá, então. Venha cá. Eu te mostro o caminho de volta para casa. Está bem? Vamos,não tenha medo.Abruptamente, Bobo deixou cair as mãos para os lados. Em seguida, levantou o rosto evirou os olhos para o céu. Olhou outra vez para mim e contraiu lábios como se se preparassepara cuspir.– Vamos, venha cá – chamei-o outra vez.– Não – disse ele sem rodeios, numa voz exaltada. – Ouça bem, seu idiota. Fitz finda afaísca as fixia. Banha basta.– O quê? – perguntei assustado.– Eu disse – ele pronunciou elaboradamente – Fitz finda a faísca asfixia. Banha basta. – fezuma reverência, virou as costas para mim e foi embora, subindo a trilha.– Espere! – pedi.As minhas orelhas estavam ficando vermelhas de vergonha. Como se pode explicareducadamente a alguém que você acreditou durante anos que essa pessoa era retardada mental,além de louca? Impossível. Portanto:– O que significa essa coisa toda de fitz-fisca-fixa? Você está tirando uma com a minhacara?– Difícil – fez uma longa pausa até se virar e dizer. – Fitz finda faísca asfixia. Banha basta.É uma mensagem, creio eu. Um chamado para um ato de grande importância. Como você é oúnico que eu conheço que aceita ser chamado de Fitz, creio que é para você. Agora, sobre osignificado, como é que eu vou saber? Sou um bobo e não um intérprete de sonhos. Bom dia.De novo ele virou as costas para mim, mas, dessa vez, em vez de continuar pela trilha,abandonou-a, enfiando-se no meio de uma moita de arbusto do cervo. Corri atrás dele, mas,quando cheguei ao ponto onde ele tinha abandonado a trilha, já tinha desaparecido. Fiqueiimóvel, examinando o bosque aberto e salpicado de luz, pensando que devia ver pelo menos
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dois dias antes, tinha me elogiado pela maneira como tratava dele. Contei isso a Bronco e foi
gratificante ver como esse pequeno subterfúgio funcionou bem. Um alívio se espalhou pelo seu
rosto, seguido do orgulho de ter me ensinado bem. Rapidamente o assunto mudou de boas
maneiras para a forma correta de cuidar de um cão caçador de lobos. Se a lição de boas
maneiras tinha me cansado, a recapitulação de toda a sua sabedoria a respeito de cães de caça
foi quase dolorosamente entediante. Quando me liberou para as minhas outras lições, saí
flutuando.
Passei o resto do dia vagamente distraído, o que levou Hode a me ameaçar com uns bons
golpes de chicote, caso eu não prestasse atenção no que estava fazendo. Então ela abanou a
cabeça, suspirou e disse para eu ir embora e voltar quando recuperasse a mente outra vez.
Tive todo o gosto em lhe obedecer. A ideia de deixar Torre do Cervo e viajar o caminho todo
até Baía Limpa era tudo o que passava pela minha cabeça. Sabia que devia questionar o
motivo da minha inclusão na viagem, mas tinha a certeza de que Breu me informaria sobre isso
em breve. Iríamos por terra ou por mar? Desejei ter perguntado isso a Bronco. As estradas
que levavam a Baía Limpa não eram as melhores, tinha ouvido dizer, mas isso não me
incomodaria. Fuligem e eu nunca tínhamos ido numa longa viagem juntos, mas uma viagem por
mar, num verdadeiro barco...
Peguei o caminho mais longo de volta à torre, subindo uma trilha que passava por uma área
pouco arborizada de uma encosta rochosa. Bétulas se esforçavam para sobreviver naquele
lugar, assim como alguns amieiros, mas a maior parte da vegetação consistia em arbustos
comuns. A luz do sol e uma leve brisa brincavam com os ramos mais altos, dando ao dia uma
aparência irreal, enchendo o ar com pinceladas de luz. Levantei os olhos para os ofuscantes
raios de sol, através dos ramos das bétulas, e, quando voltei a olhar para baixo, o bobo da
corte do Rei Sagaz estava à minha frente.
Fiquei paralisado onde estava, surpreso. Por instinto, procurei pelo rei, apesar do quão
ridículo teria sido encontrá-lo ali, mas Bobo estava sozinho. E fora, à luz do dia! O
pensamento arrepiou os pelos dos meus braços e da nuca. Todo mundo na torre sabia que o
bobo do rei não suportava a luz do dia. Todo mundo sabia disso. Contudo, apesar do que cada
pajem ou criada de cozinha repetia, ali estava Bobo, com o cabelo claro flutuando na leve
brisa. A seda azul e vermelha do gibão e das calças de bufão era chocantemente brilhante em
contraste com a palidez da pele dele, mas os olhos não eram tão desbotados como pareciam
quando vistos nas passagens escuras da torre. Ao receber o seu olhar fixo a apenas alguns
metros de distância à luz do dia, percebi que havia nos seus olhos um tom azul, muito claro,
como se uma só gota de cera azul tivesse caído dentro de uma travessa branca. A brancura da
pele dele era também uma ilusão, pois ali fora, na luz salpicada de sombras, podia ver uma
cor rosada que se difundia de dentro do corpo. Sangue, percebi com um súbito receio, sangue
vermelho mostrando-se através de camadas de pele.
Bobo não percebeu o meu comentário sussurrado. Em vez disso, levantou um dedo, como se
quisesse forçar uma pausa não apenas dos meus pensamentos, mas do próprio dia à nossa
volta. A minha atenção não poderia ter sido mais completa e, quando se convenceu disso,
Bobo sorriu, mostrando pequenos dentes muito separados, como um novo sorriso de bebê na
boca de um garotinho.
– Fitz! – entoou numa voz flauteada. – Fitz findz fizcas fixa. Banhabasta.
Parou abruptamente, e me deu outra vez aquele sorriso. Devolvi o olhar, incerto, sem