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da sua mãe. Sorri e fiquei feliz por ela.
O verão chegou, trazendo ventos mais quentes às nossas costas e, com eles, os Ilhéus.
Alguns vieram como mercadores honestos, com produtos das terras frias para fazer comércio
– peles, âmbar, marfim e garrafas de óleo – e relatos incríveis, daqueles que me faziam
arrepiar o pescoço, como os que eu ouvia quando era pequeno. Os nossos marinheiros não
confiavam neles e os chamavam de espiões e coisa pior, mas os produtos que vendiam eram
excelentes, e o ouro que traziam para comprar os nossos vinhos e grãos era sólido e pesado, e
os nossos mercadores o aceitavam.
Também havia outros Ilhéus que visitavam as nossas costas, embora não tão perto de Torre
do Cervo. Vinham com facas e tochas, com arcos e aríetes, para pilhar e destruir as mesmas
aldeias que tinham pilhado e destruído durante anos. Às vezes parecia uma competição
metódica e sangrenta, eles tentando encontrar aldeias desprevenidas ou mal-armadas, e nós
tentando atraí-los para alvos aparentemente vulneráveis, de modo que eles próprios fossem
massacrados e pilhados. Mas, sendo competição ou não, as coisas correram muito mal para
nós naquele verão. Em cada uma das minhas visitas à cidade, voltava cheio de notícias de
destruição e de queixas do povo.
Na torre, entre os homens de armas, havia um sentimento coletivo de imbecilidade que eu
compartilhava. Os Ilhéus driblavam os nossos navios de patrulha com facilidade e nunca
caíam nas nossas armadilhas. Atacavam sempre onde estivéssemos em menor número e mais
desprevenidos. O mais afrontado de todos era Veracidade, pois a ele cabia a tarefa de
defender o reino desde o momento em que Cavalaria tinha abdicado. Nas tabernas, eu ouvia
murmúrios de que, desde que ele tinha perdido o bom conselho do irmão mais velho, tudo ia
de mal a pior. Ninguém ainda falava contra Veracidade, mas era perturbador que ninguém
falasse com convicção a seu favor também.
Aos meus olhos de criança, os ataques dos Ilhéus pareciam algo distante, que não me
atingiam pessoalmente. É claro que era algo ruim, e eu sentia pena, de um jeito meio vago, dos
aldeões daquelas casas queimadas e saqueadas. Mas, com exceção do que acontecia em Torre
do Cervo, eu tinha pouca compreensão de toda vigilância e do medo constante que os outros
portos tinham de suportar, e das agonias dos aldeões que a cada ano tinham de reconstruir os
povoados, apenas para verem o resultado dos seus esforços arder no ano seguinte. Não sabia
disso naquela época, mas minha inocência ignorante não seria mantida por muito tempo.
Numa manhã, fui até Bronco para a minha “aula”. Para falar bem a verdade, costumava
gastar tanto tempo tratando dos animais e treinando potros, quanto sendo ensinado. Em grande
parte, eu tinha tomado o lugar de Garrano nas baias, enquanto este tinha se tornado o rapaz do
estábulo e tratador de cães de Majestoso, mas, nesse dia, para minha surpresa, Bronco me
levou ao andar de
cima, no seu quarto, e sentou-se comigo à mesa. Receei ter de passar uma manhã entediante
consertando arreios.
– Vou te ensinar boas maneiras hoje – anunciou Bronco subitamente.
Havia um tom de dúvida na voz dele, como se não acreditasse na minha capacidade em
aprender esse tipo de coisa.
– Com os cavalos? – perguntei, incrédulo.
– Não. Essas você já tem. Com as pessoas. À mesa e depois, quando as pessoas se sentam e
falam umas com as outras. Esse tipo de boas maneiras.