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– A morte do seu pai deveria ser o alerta de que você precisa, hoje e sempre. Você é um
bastardo, garoto. Somos sempre um risco e uma vulnerabilidade. Somos sempre dispensáveis.
Exceto quando nos tornamos uma necessidade absoluta para a segurança deles. Eu te ensinei
bastante durante os últimos anos. Mas mantenha esta lição mais próxima de você e mais
presente do que qualquer outra na sua vida. Porque se alguma vez você fizer algo que os leve
a não precisarem mais de você, eles vão te matar.
Olhei para ele com os olhos esbugalhados.
– Eles não precisam de mim agora.
– Ah não? Eu estou ficando velho. Você é jovem e cortês, com o rosto e o porte da família
real. Desde que não demonstre ambições inapropriadas, não terá problemas – fez uma pausa e
enfatizou com cuidado: – Pertencemos ao rei, rapaz. Apenas a ele, exclusivamente, de um jeito
que talvez você nunca tenha pensado. Ninguém sabe o que eu faço e a maioria esqueceu quem
eu sou. Ou quem eu fui. Se alguém sabe de nós, é pelo rei.
Eu me sentei, tentando ponderar tudo aquilo que ele tinha me dito.
– Então... você disse que era alguém de dentro da torre. Mas se você não foi usado, então
não veio do rei... A rainha! – disse, com uma certeza repentina.
Os olhos de Breu ocultavam os seus pensamentos.
– Essa é uma conclusão perigosa. Ainda mais perigosa se você pensar que, de alguma
maneira, deve agir em função dela.
– Por quê?
Breu suspirou.
– Quando você compra uma ideia e decide que é verdade, sem provas, fica cego diante de
quaisquer outras possibilidades. Considere todas, garoto. Talvez tenha sido mesmo um
acidente. Talvez Cavalaria tenha sido assassinado por alguém que ele ofendeu na Floresta
Mirrada. Talvez não tenha tido nada a ver com o fato de ele ser um príncipe. Ou talvez o rei
tenha outro assassino, do qual eu não sei nada, e foi a mão do rei que agiu contra o próprio
filho.
– Você não acredita em nenhuma dessas opções – eu disse, com convicção.
– Não, não acredito. Porque não tenho nenhuma prova de que sejam verdadeiras. Assim
como não tenho nenhuma prova de que a morte do seu pai tenha sido um golpe da mão da
rainha.
É tudo o que me lembro dessa conversa. Mas tenho certeza de que Breu tentava
deliberadamente me fazer considerar quem poderia ter agido contra meu pai, para me instigar
desconfiança e cautela em relação à rainha. Retive esse pensamento na mente, e não apenas
nos dias que se seguiram. Permaneci sossegado, ocupado com as minhas tarefas, e lentamente
o meu cabelo cresceu e, por volta do começo do verdadeiro verão, tudo parecia ter voltado à
normalidade. De vez em quando, após um intervalo de algumas semanas, estava eu a caminho
da cidade para fazer alguns serviços. Depressa comecei a perceber que, independentemente de
quem me enviasse, um ou dois dos itens na lista acabavam nos aposentos de Breu, e assim
descobri quem estava por trás desses pequenos períodos de liberdade. Sempre que ia à
cidade, não conseguia passar tempo nenhum com Moli, mas, para mim, era suficiente ficar
plantado em frente à janela da casa de velas até que ela notasse a minha presença e trocasse
comigo um aceno de mão. Uma vez ouvi alguém no mercado falar da qualidade das suas velas
perfumadas, e de como ninguém tinha feito um círio tão agradável e saudável desde os tempos