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Estava acostumado ao desdém de Majestoso. Essa recriminação dura, contudo, era algo
novo. Normalmente, fazia pouco mais do que me evitar ou se manter longe de mim como se eu
fosse estrume fresco. A surpresa fez com que eu respondesse apressadamente:
– Estou retornando, senhor. Estava a serviço de Penacarriço. – e levantei o cesto como
prova.
– Pois é claro que estava – zombou. – Uma historinha tão verossímil. É um pouco de
coincidência demais, bastardo – de novo ele jogava as palavras na minha cara.
Devo ter demonstrado que fiquei magoado e confuso, pois Veracidade bufou do seu jeito
repentino e disse:
– Não dê importância a ele, garoto. Você nos deu um susto e tanto. Um barco dos rios
acabou de chegar à cidade, com a flâmula das mensagens especiais erguida. Quando
Majestoso e eu cavalgamos para ir até lá, descobrimos que é de Paciência, dizendo que
Cavalaria morreu. Então, quando subíamos a estrada, o que é que vemos senão a imagem dele
menino, quieto e silencioso diante de nós, e claro que estávamos naquele estado de espírito
e...
– Você é um idiota, Veracidade – xingou Majestoso. – Anuncie com uma trombeta para a
cidade toda ouvir, antes de o rei ser informado. E não ponha na cabeça do bastardo a ideia de
que ele se parece com Cavalaria. Pelo que ouço, ele tem ideias demais, e podemos bem
agradecer ao nosso querido pai por isso. Ande. Temos uma mensagem para entregar.
Majestoso puxou a cabeça do cavalo para cima outra vez e cutucou o animal com a espora.
Fiquei vendo-o ir embora e, por um instante, juro que tudo o que pensei foi que devia ir até o
estábulo quando voltasse à torre, para ver em que condição estaria o pobre animal, e o quão
gravemente ferida estaria a sua boca. Mas, por alguma razão, levantei a cabeça para olhar
Veracidade e disse:
– Meu pai está morto.
Ele se acomodou quieto em cima do cavalo. Maior e mais corpulento do que Majestoso,
ainda assim montava melhor. Penso que era o soldado que havia nele. Olhou-me em silêncio
por um momento e disse:
– Sim, meu irmão está morto – meu tio me concedeu um instante de familiaridade, e penso
que, ao fazê-lo, mudou para sempre a forma como eu o encarava. – Venha de carona comigo,
garoto, e eu te levo de volta à torre – ofereceu.
– Não, obrigado. Se nos visse juntos em cima do mesmo cavalo numa estrada destas,
Bronco me esfolaria vivo.
– Isso é bem verdade, garoto – concordou Veracidade, em tom amigável. – Desculpe-me
por te contar desta maneira. Não estava pensando. Isso ainda não parece ser verdade.
Vislumbrei a sua dor verdadeira, e então ele se inclinou e falou com o cavalo, que saiu
saltitante. Eu estava outra vez sozinho na estrada.
Uma chuva fininha começou a cair, a última luz do dia morreu e eu continuei ali. Olhei para
cima, em direção à torre, negra contra as estrelas, com uma luzinha tremeluzente aqui e ali.
Por um momento, pensei em pousar o cesto no chão e fugir, fugir pela escuridão adentro e
nunca mais voltar. Será que alguém viria à minha procura? Mas, em vez disso, mudei o cesto
para o outro braço e comecei a minha lenta caminhada morro acima, de volta à torre.