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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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– Meu pai está na loja.

Não disse mais do que isso, mas algo no modo como a sua mente ressoou na minha foi

suficiente.

– Preciso de duas velas de cera de abelha para Penacarriço – lembrei-lhe. – Não posso

voltar à torre sem elas.

– Não seja tão familiar comigo – ela me preveniu e abriu a porta.

Eu a segui, mas lentamente, como se uma coincidência tivesse nos trazido à porta ao mesmo

tempo. Não precisava ter sido tão discreto. O pai dormia profundamente numa cadeira diante

da lareira. Fiquei chocado com o quanto ele estava diferente. A sua magreza tinha se tornado

esquelética, e a aparência do rosto dele lembrava uma massa de torta que assou demais sobre

um recheio grumoso de fruta. Breu tinha me ensinado bem. Olhei para as unhas e os lábios do

homem e, mesmo àquela distância, de um extremo da loja ao outro, sabia que ele não viveria

por muito tempo. Talvez já não batesse em Moli por falta de força. Moli fez um sinal para que

eu ficasse quieto. Desapareceu atrás de umas cortinas que dividiam a casa da loja, deixandome

sozinho para explorar o estabelecimento.

Era um lugar agradável, não muito grande, mas com o teto mais alto do que o da maior parte

das lojas e casas em Cidade de Torre do Cervo. Suspeitava que era o zelo de Moli que

mantinha o lugar varrido e arrumado. Os aromas agradáveis e a luz suave dos produtos do seu

trabalho se espalhavam por todo o ambiente. As especialidades dela, unidas aos pares pelos

pavios, pendiam de varões compridos em um suporte. Ao lado, velas de sebo para navios, de

preço mais razoável, enchiam uma prateleira. Tinha inclusive três lamparinas de cerâmica

esmaltada, para quem pudesse gastar dinheiro com coisas daquele tipo. Além de velas,

descobri que vendia potes de mel, um produto secundário das colmeias que ela mantinha atrás

da loja e que forneciam a cera para os seus artigos mais refinados.

Então Moli reapareceu e ordenou que eu fosse me juntar a ela. Trouxe uma série de velas

estreitas e um conjunto de tábuas e as colocou em cima da mesa. Deu um passo para trás e

apertou os lábios como se duvidasse se teria tomado uma decisão sensata.

As tábuas eram feitas à moda antiga. Simples pedaços de madeira tinham sido cortados nos

veios de uma árvore e alisados com uma lixa. As letras tinham sido pinceladas

cuidadosamente, e depois seladas na madeira com uma camada amarelada de resina. Eram

cinco tábuas, muitíssimo bem pinceladas. Quatro eram relatos rigorosos de receitas de ervas

para velas medicinais. À medida que lia cada uma delas em voz alta, mas suave, podia ver

Moli se esforçando em memorizá-las. Na quinta tábua, hesitei.

– Esta não é uma receita – eu lhe disse.

– Bem, o que é? – perguntou num sussurro.

Encolhi os ombros e comecei a ler para ela.

– “Neste dia nasceu a minha Moli Nariz-Alegre, doce como um ramo de flores. Para o

parto, queimei dois círios de bagas de loureiro e duas lamparinas perfumadas com dois

punhados de minivioletas, que crescem perto do Moinho de Duel, e um punhado de raiz cor de

fogo, cortada em lascas muito finas. Se ela puder fazer o mesmo quando chegar a hora de ela

dar à luz uma criança, o parto será tão fácil como o meu, e o fruto igualmente perfeito. Assim

espero.”

Era tudo e, quando terminei de ler, ficamos em silêncio. Moli pegou a última tábua das

minhas mãos, segurou-a e fitou-a, como se lesse nas letras algo que eu não tinha conseguido

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