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Já tinha passado um ano desde a última vez que nos vimos. Como pode uma pessoa mudar
tanto? O seu cabelo negro, que costumava estar preso em tranças firmes atrás das orelhas, caía
agora livremente pelos ombros. Além disso, em vez do gibão e das calças largas, vestia uma
blusa e uma saia. As vestes adultas me deixaram sem palavras. Poderia ter me virado para o
lado e fingido falar com outra pessoa, se os seus olhos negros não tivessem me desafiado
enquanto ela me perguntava com compostura:
– Sangra-Nariz?
Permaneci firme no meu lugar.
– Você não é a Moli Sangra-Nariz?
Levantou a mão para afastar uma madeixa de cabelo da face.
– Sou a Moli Veleira. – vi o reconhecimento nos seus olhos, mas a voz continuava fria. –
Não tenho certeza se eu te conheço. Qual o seu nome, senhor?
Confuso, reagi sem pensar. Sondei a mente dela, encontrei o seu nervosismo e fui
surpreendido pelos seus receios. Em pensamentos e no tom de voz, tentei acalmá-los.
– Sou o Novato – disse sem hesitação.
Os olhos dela se arregalaram de surpresa, e ela começou a rir, achando graça na situação. A
barreira que tinha sido erguida entre nós desapareceu como o estouro de uma bolha de sabão
e, subitamente, eu a conhecia como antes. Havia a mesma calorosa familiaridade entre nós que
me fazia pensar, mais do que qualquer outra coisa, em Narigudo. Toda a timidez desapareceu.
Uma multidão estava se formando em volta das mulheres em luta, mas nós nos afastamos dali,
subindo pela calçada. Eu olhei com admiração para a sua saia, e ela me disse calmamente que
tinha começado a vestir saias já havia vários meses e que as preferia às calças. Essa que
agora vestia tinha sido da sua mãe; tinham dito a ela que hoje em dia era impossível encontrar
uma lã entrelaçada de modo tão fino, ou tingida de um vermelho tão vivo. Admirou-se com as
minhas roupas, e subitamente percebi que eu devia estar tão diferente aos olhos dela como ela
aos meus. Vestia a minha melhor camisa, as calças tinham sido lavadas havia apenas alguns
dias, e calçava botas tão finas como as de qualquer homem de armas, apesar das objeções de
Bronco, que achava um desperdício fazer botas daquelas para um garoto em rápido
crescimento. Perguntou-me o que eu fazia por ali, e respondi que estava a serviço do mestre
escriba da torre. Disse-lhe também que precisava de duas velas de cera de abelha, uma total
invenção da minha parte, mas que me permitiria continuar ao lado dela enquanto subíamos
lentamente a rua sinuosa. Os nossos cotovelos se esbarravam amigavelmente, e ela falava.
Também levava um cesto no braço. Trazia nele vários pacotes e embrulhos de ervas, para
velas perfumadas, disse-me. A cera de abelha absorvia cheiros com muito mais facilidade do
que o sebo, na opinião dela. As melhores velas perfumadas de Torre do Cervo eram feitas por
ela; até mesmo dois outros artesãos de vela da cidade admitiam isso. Isto, cheire isto. É
lavanda. Não é agradável? Era o cheiro favorito da mãe dela, e também o seu. Isto é ervacidreira,
e isto bergamota silvestre. Isto é raiz do ceifeiro, que não era a sua favorita, não, mas
havia quem dissesse que servia para fazer uma boa vela contra enxaquecas e melancolia de
inverno. Mavis Quebra-Fio tinha lhe dito que uma vez a mãe de Moli tinha misturado raiz do
ceifeiro com outras ervas e feito uma vela magnífica, que acalmava até um bebê com cólicas.
E, assim, Moli tinha decidido tentar para ver se conseguia encontrar as ervas certas e recriar a
receita da mãe.
Aquela calma exibição do seu saber e talentos me deixou com uma vontade incrível de