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daí. Apenas um tempo depois tive a impressão de que as suas palavras sobre Cavalaria tinham
sido quase proféticas.
Dois dias depois, para minha surpresa, fui informado de que Penacarriço havia requisitado
os meus serviços por um dia ou dois. Fiquei ainda mais surpreso quando ele me deu uma lista
de provisões, para que eu as comprasse para ele na cidade, e pratas suficientes para comprálas,
além de duas moedas de cobre para mim. Prendi a minha respiração, esperando que
Bronco ou outro tutor me proibisse, mas, em vez disso, disseram para eu me apressar. Passei
os portões com um cesto no braço e a cabeça inebriada com a súbita liberdade. Contei os
meses desde a última vez em que tinha conseguido escapulir de Torre do Cervo e fiquei
chocado ao perceber que tinha sido há mais de um ano. Imediatamente planejei renovar a
antiga familiaridade com o povo da cidade. Ninguém tinha me dito quando deveria voltar, e
estava confiante de que poderia utilizar uma hora ou duas para mim mesmo sem que ninguém
se desse conta.
A variedade de itens na lista de Penacarriço levou-me a todos os cantos da cidade. Não
fazia ideia do uso que um escriba faz para Cabelos de Sereia desidratados ou nozes silvestres.
Talvez os utilizasse para fazer tintas coloridas, pensei, e quando não consegui encontrá-los
nas lojas normais, fui até o bazar do porto, onde qualquer pessoa com uma manta no chão ou
alguma coisa para vender podia se declarar mercador. Encontrei as algas rapidamente, e
aprendi que eram um ingrediente comum da caldeirada. Demorei mais tempo para achar as
nozes, pois vinham do interior e não do mar, e havia menos mercadores que vendessem esse
tipo de coisa.
Mas, de qualquer maneira, encontrei-as ao lado de cestos de espinhos de ouriço, peças
entalhadas em madeira, pinhas e fibra de casca de carvalho batida. A mulher que tomava conta
dessa manta era velha, e o seu cabelo tinha se tornado prateado em vez de branco ou cinzento.
Tinha um nariz reto e forte, e os olhos se apoiavam em prateleiras ossudas sobre as maçãs do
rosto. Era uma herança racial que me parecia ao mesmo tempo estranha e curiosamente
familiar, e um arrepio desceu pelas minhas costas quando subitamente percebi que ela era
oriunda das montanhas.
– Keppet – disse a mulher na barraca ao lado, quando finalizei a compra.
Olhei para ela, pensando que estava falando com a mulher a quem tinha acabado de pagar,
mas ela estava olhando para mim.
– Keppet – ela disse, insistente, e fiquei pensando no que poderia significar aquilo na língua
dela.
Parecia um pedido, mas a mulher mais idosa apenas encarava friamente a rua, e eu encolhi
os ombros em um gesto de desculpas à sua vizinha mais nova e virei as costas para elas a fim
de ir embora, acomodando as nozes no cesto.
Não tinha andado mais de uma dúzia de passos quando a ouvi gritar “Keppet!” outra vez.
Olhei para trás para ver as duas mulheres engalfinhadas numa luta. A mais velha agarrava os
pulsos da mais nova, enquanto a mais nova se debatia e dava pontapés para se livrar dela. Em
volta, os outros mercadores se agitavam, alarmados, e retiravam rapidamente as suas
mercadorias da zona de perigo. Talvez tivesse voltado atrás para presenciar a disputa, se os
meus olhos não tivessem encontrado nesse momento um rosto mais familiar.
– Sangra-Nariz! – exclamei.
Ela se virou para olhar para mim e por um instante pensei que talvez tivesse me enganado.