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E eu lhe contei sobre a oferta de Penacarriço e de como subitamente eu tinha percebido que
os mapas eram mais do que linhas e cores. Eram lugares e possibilidades, e eu podia sair dali
e ser alguém diferente, ser um escriba ou...
– Não – interrompeu Breu, suave, mas abruptamente. – Para onde quer que vá, ainda será o
bastardo de Cavalaria. Penacarriço é mais perspicaz do que pensei que fosse, mas, mesmo
assim, não percebe. Não vê as circunstâncias. Ele entende que aqui na corte você tem de ser
sempre um bastardo, tem de ser sempre uma espécie de pária. O que ele não percebe é que
aqui, compartilhando as posses do Rei Sagaz, aprendendo as suas lições sob os olhos dele,
não é uma ameaça para ele. Definitivamente você está sob a sombra de Cavalaria.
Definitivamente isso te protege. Mas, se estiver longe, em vez de não precisar dessa proteção,
você se tornaria uma ameaça para o rei, e uma ameaça ainda maior para os seus herdeiros.
Não teria uma simples vida de liberdade como escriba viajante. Em vez disso, seria
encontrado algum dia na sua pousada de estadia com a garganta cortada, ou com uma flecha
atravessada no peito, à beira de uma estrada qualquer.
Um calafrio arrepiou meu corpo todo.
– Mas por quê? – perguntei suavemente.
Breu suspirou. Despejou as sementes num prato, esfregou as mãos delicadamente para se
livrar daquelas que ainda estavam agarradas aos seus dedos.
– Porque você é um bastardo real, e refém da sua própria linhagem. Por enquanto, como
digo, você não é uma ameaça para Sagaz. Você é muito novo e, além disso, está exatamente
onde ele pode te vigiar. Mas Sagaz pensa no futuro, e você devia fazer o mesmo. Estamos
vivendo tempos de agitação. Os Ilhéus estão se tornando cada vez mais ousados nas suas
invasões. O povo que vive na costa está começando a se queixar, dizendo que precisamos de
mais navios de patrulha, e alguns dizem que precisamos dos nossos próprios navios de
assalto, para atacarmos aqueles que nos atacam. Mas os Ducados do Interior não querem
participar do pagamento de navios de qualquer tipo, e especialmente não de navios de guerra
que possam nos levar a um conflito geral. Queixam-se de que a costa é tudo em que o rei
pensa, sem se preocupar com as suas lavouras. O povo da montanha está se tornando cada vez
mais cauteloso para autorizar o acesso aos seus desfiladeiros. Os pedágios estão se tornando
cada vez mais altos a cada mês. Portanto, os mercadores resmungam e reclamam uns aos
outros. No sul, em Orla da Areia e mais além, há a seca, os tempos são difíceis, e a população
protesta, como se o rei e Veracidade fossem também culpados disso. Veracidade é uma
excelente companhia para uma noite de bebedeira, mas não é nem o soldado nem o diplomata
que Cavalaria era. Prefere sair por aí caçando cervos, ou ouvir um menestrel à lareira, a
viajar pelas estradas invernais com o tempo ruim, simplesmente para manter contato com os
outros ducados. Mais cedo ou mais tarde, se as coisas não melhorarem, as pessoas vão
começar a olhar ao redor e dizer: “Bem, um bastardo não é nada assim tão grave para se fazer
tanto barulho. Se Cavalaria chegasse ao poder, já teria acabado com isso. Tudo bem que era
um pouco rígido com os protocolos, mas pelo menos fazia as coisas acontecerem, e não teria
deixado estrangeiros nos menosprezarem”.
– Então Cavalaria ainda pode se tornar rei?
A pergunta fez nascer uma estranha empolgação em mim. De repente, eu estava imaginando
o seu retorno triunfante a Torre do Cervo, o nosso eventual encontro e então... e então o quê?
Breu parecia estar lendo a minha mente.