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resolver o que anda consumindo a sua alma. Devolva o cachorro à mãe, agora.
E assim fiz, mas a contragosto, e não totalmente seguro de que Bronco estivesse certo
quando dizia que me apegar ao cãozinho não resolveria coisa nenhuma. Ansiava pelo seu
pequeno mundinho caloroso de palha e irmãos e leite e mãe. Nesse momento não podia
imaginar nada melhor.
Então Bronco e eu fomos comer. Levou-me ao refeitório dos soldados, onde um homem
mostrava as maneiras que tinha e ninguém esperava conversa. Era reconfortante ser
despreocupadamente ignorado, ter comida passada sobre a cabeça sem ninguém ser atencioso
comigo. Mas Bronco prestou atenção ao que comi, e depois nos sentamos do lado de fora, em
frente à porta dos fundos da cozinha, e bebemos. Eu tinha tomado cerveja e vinho antes, mas
nunca tinha bebido com a determinação que Bronco agora me mostrava. Quando Tempero
ousou aparecer do lado de fora e o repreendeu por dar bebidas alcoólicas fortes a um mero
garotinho, ele a fitou com um dos seus olhares silenciosos que me lembrou da noite em que o
conheci, quando fez um salão inteiro de soldados ficar calado, em respeito pelo bom nome de
Cavalaria. E ela saiu.
Ele mesmo me acompanhou até o quarto, tirou a minha túnica, passando-a pela minha
cabeça, enquanto eu tentava me manter em pé, cambaleando ao lado da cama, e então ele me
jogou para cima do colchão despreocupadamente e lançou um cobertor sobre mim.
– E agora durma – ordenou numa voz grossa. – E amanhã faremos o mesmo. E sempre
assim. Até que um dia irá acordar e descobrir que seja lá o que for que aconteceu com você,
não veio para te matar.
Apagou a vela e saiu. A minha cabeça girava e o meu corpo doía depois de um dia de
trabalho, mas ainda assim não dormi. O que acabei fazendo foi chorar. A bebida tinha
libertado um nó qualquer que me mantinha sob controle, e eu chorei. E não silenciosamente.
Solucei e gemi com o queixo tremendo. Minha garganta se fechou, o meu nariz começou a
escorrer incessantemente, e chorei com tanta força que tive a sensação de que não podia
respirar. Penso que chorei cada lágrima que não tinha derramado desde o dia em que o meu
avô tinha forçado a minha mãe a me abandonar.
– Mero! – eu me ouvi gritar, e subitamente havia braços à minha volta, segurando-me com
firmeza.
Breu me segurou e me embalou como se eu fosse uma criança de colo. Mesmo na escuridão,
reconhecia aqueles braços ossudos e o cheiro de ervas e pó. Descrente, agarrei-me a ele e
chorei até ficar rouco, com a boca tão seca que não produzia som algum.
– Você tinha razão – disse, falando para o meu cabelo, calmo, plácido. – Você tinha razão.
Eu estava te pedindo para fazer algo errado, e você fez bem em recusar. Não será testado
dessa forma outra vez. Não por mim.
Quando finalmente fiquei quieto, deixou-me só por algum tempo e, quando voltou, trazia
para mim uma bebida, morna e quase sem sabor, mas que não era água. Levou a caneca à
minha boca, e bebi sem fazer perguntas. Em seguida, deitei-me para trás, tão subitamente
sonolento que nem sequer me lembro de Breu deixar o quarto.
Acordei quase de madrugada e me reportei a Bronco depois de um café da manhã
substancial. Fui rápido na execução de todas as tarefas e atento aos meus deveres, e não
conseguia compreender por que é que ele tinha acordado maldisposto e com dores de cabeça.
Ele resmungou qualquer coisa sobre “a mesma cabeça do pai para o álcool” e me dispensou