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E então, com mais serenidade:
– Não tenho coragem de fazer isso. Não serei usado outra vez. Se desejava testar o meu
caráter, você conseguiu.
E então:
– Não venha me falar de sangue e família. Lembre-se do que sou para você! Não é com a
lealdade dele que ela está preocupada, nem com a minha.
As vozes raivosas se separaram, fundiram-se, tornaram-se uma discussão diferente, mais
aguda. Forcei para abrir minhas pálpebras. O quarto tinha se transformado na cena de uma
pequena batalha. Acordei no meio de uma intempestiva discussão entre Bronco e Dona
Despachada sobre de quem era a jurisdição. Os cheiros de emplastro de mostarda e de
camomila pairavam sobre mim, tão fortes que eu queria me forçar a vomitar. Bronco mantevese
impassível entre ela e a cama. Seus braços estavam cruzados sobre o peito e Raposa estava
sentada aos seus pés. As palavras de Dona Despachada rangiam na minha cabeça como
cascalho. “Na torre”; “esses lençóis limpos”; “sei sobre garotos”; “esse cão fedorento”. Não
me lembro de Bronco dizer uma palavra. Manteve-se simplesmente ali, tão firme que eu podia
senti-lo com os olhos fechados.
Mais tarde, ele desapareceu, mas Raposa estava na cama, não nos meus pés, mas ao meu
lado, arfando de um jeito carregado, mas se recusando a me trocar pelo chão fresco. Abri os
olhos outra vez, mais tarde ainda, e era início de crepúsculo. Bronco tinha retirado a minha
almofada, abanado-a um pouco e a enfiava desajeitadamente debaixo da minha cabeça, com o
lado mais fresco para cima. Então se sentou pesadamente na cama.
Limpou a garganta:
– Fitz, você não tem nenhum problema que eu já tenha visto antes. Pelo menos, qualquer que
seja esse problema, não está nas tripas, nem no sangue. Se você fosse mais velho, suspeitaria
que tivesse problemas com mulheres. Você está agindo como um soldado numa bebedeira de
três dias, mas sem o vinho. Garoto, o que é que está acontecendo com você?
Olhou para mim com uma preocupação sincera. Era o mesmo olhar que lançava quando
receava que uma égua fosse abortar, ou quando caçadores traziam de volta cães que os javalis
tinham atacado. A sua consternação me tocou e, sem querer, sondei sua mente. Como sempre,
a barreira estava lá, mas Raposa gemeu levemente e encostou o focinho no meu rosto. Tentei
exprimir o que estava na minha alma sem trair Breu.
– Estou tão sozinho, agora – eu me ouvi dizer, e até para mim soou como uma reclamação
sem importância.
– Sozinho? As sobrancelhas de Bronco se juntaram. – Fitz, eu estou aqui. Como pode dizer
que está sozinho?
E ali acabou a conversa, com ambos olhando um para o outro e sem realmente nos
compreendermos. Mais tarde, ele trouxe comida para mim, mas não insistiu para que eu
comesse, e deixou Raposa me fazendo companhia durante a noite. Uma parte de mim tentava
imaginar como é que ela reagiria se a porta se abrisse, mas outra parte de mim sabia que eu
não precisava me preocupar com isso. Aquela porta nunca se abriria outra vez.
A manhã veio de novo, e Raposa me afocinhou, gemendo que queria sair. Acabado demais
para me preocupar caso Bronco me pegasse, sondei a mente dela. Estava esfomeada, com sede
e com a bexiga quase estourando, e de repente o desconforto dela também se tornou meu. Vesti
uma túnica e levei-a escada abaixo rumo à parte de fora e, em seguida, de volta à cozinha para