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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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apenas um momento, mas caí num sono profundo. Acordei no meio da tarde e pensei nas

broncas que eu ia levar por faltar às minhas lições da tarde, mas isso não me fez levantar, e

adormeci outra vez, para ser acordado apenas na hora do jantar por uma criada que tinha

vindo saber do meu estado a pedido de Bronco. Eu me livrei dela dizendo-lhe que estava com

azia e que ia ficar de jejum até que melhorasse. Depois que ela saiu, cochilei, mas não dormi.

Não conseguia. A noite foi se tornando mais escura no quarto sem iluminação, e ouvi o resto

da torre ir se deitar. Na escuridão e quietude, continuei deitado, esperando por um

chamamento a que não teria a coragem de responder. E se a porta se abrisse? Não podia ir até

Breu, pois não podia lhe obedecer. O que seria pior: que não me chamasse, ou que abrisse a

porta para mim e eu ousasse me recusar a ir? Passei a noite toda me atormentando, e à chegada

cinzenta da manhã, recebi a resposta. Ele nem sequer se deu ao trabalho de me chamar.

Mesmo agora, não gosto de relembrar os dias que se seguiram. Passava um dia atrás do

outro com as costas curvadas, tão enjoado que não conseguia comer nem descansar direito.

Não era capaz de me concentrar em nenhuma tarefa e encarava as críticas dos professores com

uma sombria resignação. Adquiri uma dor de cabeça que nunca passava, e meu estômago

estava tão apertado que a comida não despertava o meu interesse. A simples ideia de comer já

me deixava cansado. Bronco aturou isso por dois dias antes de me confrontar e me forçar a

engolir um tônico sanguíneo e um gole de vermífugo. A combinação me fez vomitar o pouco

que eu tinha comido nesse dia. A seguir, forçou-me a lavar a boca com vinho de ameixas, e até

hoje não consigo beber vinho de ameixas sem enjoar. Então, para minha surpresa, arrastou-me

pelas escadas acima, aos seus aposentos, e ordenou-me que descansasse ali por um dia.

Quando a noite veio, ele me fez subir à torre e, sob o seu olhar atento, fui forçado a consumir

uma tigela de sopa aguada e um pedaço de pão. Ele teria me levado de volta aos seus

aposentos outra vez, se eu não tivesse insistido que queria a minha própria cama. A verdade é

que eu tinha de estar no quarto. Tinha de saber se Breu tentaria, ao menos, chamar-me,

independentemente de eu ser capaz ou não de responder ao seu chamado. Ao longo de mais

uma noite inteira sem dormir, fiquei olhando a escuridão no canto sombrio do quarto.

Mas ele não me chamou.

A manhã surgiu cinzenta na minha janela. Rolei para o lado e continuei na cama. A

desolação profunda que havia se instalado em mim era pesada demais para que eu conseguisse

combatê-la. Todas as escolhas possíveis me levavam a finais assim, cinzentos. Não conseguia

encarar o quão insignificante seria sair da cama. Uma espécie de mescla entre o quase sono e

a dor de cabeça me assolava. Qualquer som parecia alto demais aos meus ouvidos, e eu me

sentia ou quente demais ou frio demais, independentemente da forma como remexia os

cobertores. Fechei os olhos, mas mesmo os sonhos eram claros e irritantes. Vozes em

discussão, tão altas como se estivessem na cama comigo, e ainda mais incômodas porque

soavam como um homem discutindo consigo mesmo e tomando ambos os lados da disputa.

– Acabe com ele como você acabou com o outro! – resmungava com raiva.

– Você e os seus testes estúpidos!

E então:

– Não dá para ser cuidadoso demais. Não dá para depositar confiança em qualquer um. O

sangue vai se revelar. Teste a resistência dele, simplesmente.

– A resistência... Se você quer uma lâmina cega, forje-a você mesmo. Malhe-a até ficar

plana.

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