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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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historinhas de lealdade. Garoto, você me envergonha. Pensei que você tinha costas mais largas

do que estas, ou nunca teria começado a te ensinar.

– Breu! – comecei a falar, horrorizado. As palavras dele me deixaram em estado de choque.

Ele se afastou de mim, e eu senti o meu pequeno mundo desmoronando à minha volta enquanto

a voz dele continuava friamente.

– O melhor é voltar para a cama, garotinho. Pense exatamente no quanto você me insultou

hoje. Insinuar que de alguma forma estou sendo desleal ao nosso rei. Rasteje pelas escadas,

seu covardezinho. E, da próxima vez que eu te chamar... isto é, se eu voltar a te chamar, venha

preparado para me obedecer. Ou nem venha. Agora vá.

Breu nunca tinha falado comigo daquele jeito antes. Não conseguia me lembrar de alguma

vez ele ter sequer levantado a voz. Fiquei olhando, quase sem nenhuma capacidade de

compreensão, o braço magro marcado por cicatrizes de varíola que se destacavam sob as

mangas da veste, o longo dedo que apontava com tanto desdém na direção da porta e das

escadas. Ao me levantar, senti-me fisicamente doente. Cambaleei e tive de recorrer a uma

cadeira para me apoiar. Mas continuei, obedecendo ao que tinha sido ordenado, incapaz de

pensar em agir de forma diferente. Breu, que tinha se tornado o pilar central do meu mundo,

que me havia feito acreditar que eu tinha algum valor, agora me tirava tudo. Não só a sua

aprovação, mas o nosso tempo juntos, e a minha esperança de que eu seria alguma coisa na

vida.

Tropecei e quase caí pelas escadas abaixo. Elas nunca tinham parecido ser tantas e tão

frias. A porta no fundo do vão da parede rangeu atrás de mim ao fechar, e fiquei no meio da

escuridão total. Tateei o caminho até a cama, mas os cobertores não conseguiam me aquecer, e

não consegui pregar o olho durante a noite toda. Contorcia-me de agonia. O pior de tudo era

não ser capaz de me sentir indeciso. Não podia fazer o que Breu tinha me pedido. Portanto, eu

iria perdê-lo. Sem os seus ensinamentos, eu não seria de nenhum valor para o rei. Mas essa

não era a agonia. A agonia era simplesmente a falta de Breu na minha vida: não conseguia me

lembrar de como eu tinha conseguido viver antes dele, tão sozinho. Voltar à modorra de viver

o dia a dia, de tarefa em tarefa, parecia impossível.

Tentei desesperadamente pensar em algo que pudesse fazer, mas parecia não haver

resposta. Podia ir até Sagaz, mostrar-lhe o alfinete e ter permissão, e contar-lhe do meu

dilema. Mas o que ele iria me dizer? Será que não me veria como um garotinho bobo? Será

que me diria que eu devia ter obedecido Breu? Pior, e se ele me dissesse que eu tinha razão

para ter desobedecido e se virasse contra Breu? Essas questões eram muito difíceis para a

cabeça de uma criança, e não encontrei respostas que me ajudassem.

Quando a manhã finalmente chegou, saí da cama me arrastando e fui me apresentar a

Bronco, como de costume. Desempenhei as minhas tarefas numa dormência cinzenta que a

princípio me trouxe críticas e mais tarde perguntas sobre o estado da minha barriga. Disse-lhe

simplesmente que não tinha dormido bem, e ele me dispensou sem o tônico que tinha

ameaçado me dar. Não me comportei melhor no treino de armas. O meu estado de distração

era tal que deixei um garoto muito mais novo me acertar uma pancada forte na cabeça. Hode

nos advertiu pela falta de cuidado e me disse para ir descansar um pouco.

Quando voltei à torre, minha cabeça latejava de dor e minhas pernas tremiam. Fui para o

quarto, pois não tinha estômago nem para a refeição do meio-dia, nem para as conversas em

voz alta que a acompanhavam. Deitei-me na cama, com a intenção de fechar os olhos por

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