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no meu gibão e, mais tarde, debaixo do meu próprio travesseiro. Penso que a parte mais difícil
dessa missão foi me conter para não abrir o rolo de pergaminho. Entreguei a Breu o rolo e a
flor na mesma noite.
Durante os dias que se seguiram, esperei, certo de que haveria alguma espécie de furor e na
expectativa de ver Majestoso extremamente frustrado. Mas, para minha surpresa, nada disso
aconteceu. Majestoso continuou se comportando como era usual dele, exceto que se arrumava
ainda melhor que de costume e flertava de forma ainda mais escandalosa com todas as damas.
Quanto à Dona Dália, despertou-lhe um súbito interesse pelas sessões do conselho e deixou o
marido perplexo ao tornar-se uma apoiante fervorosa dos impostos para navios de guerra. A
rainha expressou o seu desagrado por essa mudança de lado, excluindo a Dama Dália de uma
degustação de vinhos nos seus aposentos. Tudo aquilo me deixou confuso, mas quando
finalmente fiz um comentário a Breu, ele me repreendeu.
– Lembre-se, você é um homem do rei. Se uma tarefa é dada a você, você a executa. E
devia estar bem satisfeito consigo mesmo por completar a tarefa que lhe foi dada: é tudo o que
precisa saber. Apenas Sagaz pode planejar as jogadas e montar uma estratégia para o jogo
dele. Você e eu somos peças desse jogo, talvez. Mas somos suas melhores peças, disso você
pode ter certeza.
Desde o início, Breu descobriu os limites da minha obediência. Quando pediu que eu
deixasse um cavalo manco, ele sugeriu que eu cortasse a ranilha do pé do animal. Nunca
sequer considerei fazer isso. Informei-o, com toda a sabedoria de quem tinha crescido
rodeado de cavalos, que havia muitas maneiras de fazer um cavalo mancar sem precisar
realmente fazer mal a ele, e que devia confiar em mim para escolher uma forma apropriada.
Até hoje, não sei o que Breu achou dessa recusa. Na ocasião, não expressou nem condenação
nem aprovação em relação ao meu ato. Quanto a isso, como em muitas outras coisas, guardou
para si mesmo as suas opiniões.
Mais ou menos uma vez a cada três meses, o Rei Sagaz mandava me chamar aos seus
aposentos. Normalmente, minha convocação acontecia logo cedo, pela manhã. Eu ficava em pé
diante dele, enquanto ele tomava banho, ou enquanto prendiam o seu cabelo na trança de ouro
que apenas o rei podia usar, ou enquanto o criado preparava as suas roupas. O ritual era
sempre o mesmo. Ele me inspecionava cuidadosamente, estudando o meu crescimento e porte,
como se eu fosse um cavalo que ele estivesse pensando em comprar. Perguntava-me uma ou
duas coisas, geralmente sobre minhas aulas de equitação ou treino com armas, e ouvia,
compenetrado, minha curta resposta. Então, perguntava, de um jeito quase formal:
– E você acha que estou cumprindo a minha parte do acordo?
– Sim, senhor – respondia sempre.
– Então trate de cumprir a sua parte também – era sempre a resposta com que me
dispensava. E qualquer que fosse o criado que o assistia ou que abria a porta para eu entrar ou
sair, não parecia sequer notar a minha presença ou as palavras do rei.
Foi no final do outono desse ano, já numa pontinha de início do inverno, que me foi dada a
missão mais difícil até então. Breu me chamou aos seus aposentos quase no instante exato em
que eu tinha apagado a minha vela. Estávamos dividindo umas guloseimas e um pouco de
vinho com especiarias, sentados em frente à lareira. Ele tinha acabado de esbanjar elogios à
minha última façanha, que tinha sido virar do avesso todas as camisas penduradas para secar
no varal do pátio da lavanderia, sem ser pego. Tinha sido uma tarefa difícil, e a parte mais