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torre dormia; em outras ocasiões, chamava-me a altas horas da madrugada. Era um horário
extenuante para um garoto em fase de crescimento e, contudo, nunca pensei em reclamar para
Breu ou recusar um chamado dele. Nem penso que alguma vez tenha lhe ocorrido que as lições
noturnas me causassem alguma dificuldade. Sendo ele próprio uma criatura noturna, é
provável que aquele horário lhe parecesse perfeitamente natural para o meu ensino. E as
lições que aprendi com ele eram peculiarmente adequadas às horas mais sombrias do mundo.
As suas lições eram extremamente diversificadas. Uma noite podia ser gasta no estudo
laborioso das ilustrações de um grande herbanário que ele tinha, com a exigência de que no
dia seguinte eu colhesse seis amostras que correspondessem às ilustrações. Nunca achava que
devia me sugerir onde procurar por essas ervas, se nos jardins da cozinha ou nos cantos mais
sombrios da floresta, mas eu as encontrava sempre, aprendendo muito sobre capacidade de
observação durante o processo.
Ele também fazia jogos. Por exemplo, dizia-me para que, de manhã, eu fosse até Sara, a
cozinheira, e lhe perguntasse se o presunto daquele ano era mais magro do que o do ano
anterior. Depois, na noite seguinte, devia contar a conversa toda a Breu, nos mínimos detalhes,
palavra por palavra, e responder a uma dúzia de perguntas: como era a sua postura, se era
canhota ou não, se ela parecia um pouco surda, e o que estava cozinhando no momento em que
eu fui falar com ela. A minha timidez e discrição nunca eram consideradas desculpas
suficientes para falhar nesse tipo de missão, e assim acabei encontrando e conhecendo muitos
criados da torre. Embora as minhas perguntas fossem inspiradas por Breu, o povo todo ficava
contente com o meu interesse e compartilhava de bom grado os conhecimentos que tinha. Sem
querer, comecei a construir uma reputação de “jovem esperto” e “bom rapaz”. Anos depois,
percebi que a lição não tinha apenas o objetivo de exercitar a minha memória, mas também de
me ensinar a ganhar a amizade das pessoas e perceber como elas pensavam. E, com efeito,
houve depois muitas ocasiões em que um sorriso, um elogio sobre o modo como o meu cavalo
tinha sido tratado e uma rápida pergunta feita a um rapaz do estábulo me trouxeram
informações que não seriam obtidas em nenhuma esquina do reino, nem por suborno.
Outros jogos serviam para treinar, além do meu poder de observação, a minha audácia. Um
dia, Breu me mostrou a meada de um fio de lã e me disse que eu, sem fazer perguntas à Dona
Despachada, deveria descobrir exatamente onde ela mantinha estoques de um fio que
correspondesse exatamente àquele, e quais eram as ervas que tinham sido usadas para tingi-lo.
Três dias depois, eu deveria surrupiar as melhores lãs que ela tivesse, escondê-las por três
horas atrás de uma certa fileira de garrafas na adega, e voltar a pô-las no lugar, tudo isso sem
ser detectado nem por ela, nem por qualquer outra pessoa. No começo, esses exercícios
apelavam ao gosto natural de um garoto por travessuras, e eu raramente falhava. Se falhasse,
as consequências eram problema meu. Breu tinha me avisado que não tentaria me proteger da
ira de ninguém e sugeriu que tivesse uma boa história preparada para explicar a minha
presença em lugares onde não devia estar, ou a posse de algum objeto que não tivesse
qualquer razão para tê-lo comigo.
Aprendi a mentir muito bem. Não creio que isso tenha sido ensinado a mim por acidente.
Todos esses exercícios eram lições de introdução ao ofício de assassino. E mais: truques
com as mãos; a arte de se movimentar às escondidas; onde golpear um homem para deixá-lo
inconsciente; onde golpear um homem para matá-lo sem que gritasse; onde apunhalar um
homem para que morresse sem derramar muito sangue. Aprendi tudo isso rapidamente e bem,