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nunca tinha visto ali antes e para cima, por um estreito lance de degraus sinuosos, iluminados
apenas pela lamparina que ele segurava acima da cabeça. A sua sombra se estendia atrás dele
e sobre mim, de tal forma que eu andava numa escuridão em movimento, tateando cada degrau
com os pés. As escadas eram de pedra fria, gasta, lisa e perceptivelmente nivelada. A
escadaria parecia não ter fim, e a partir de um dado momento, tive a impressão de que já
tínhamos subido mais alto do que todas as torres que existiam ali. Uma brisa gelada soprava
em direção ao topo, seguindo os degraus e subindo por dentro da minha camisola, arrepiandome
com mais do que mero frio. Continuamos subindo sempre, até que finalmente ele empurrou
uma porta maciça que, para minha surpresa, moveu-se silenciosamente e com facilidade.
Entramos num quarto.
Estava iluminado por várias lamparinas, suspensas por correntes fininhas em um teto que eu
não conseguia ver. O quarto era grande, mais de três vezes maior do que o meu. Um dos cantos
chamou a minha atenção. Destacava-se pela enorme armação de uma cama repleta de mantas
de penas e almofadas. Havia tapetes no chão, uns por cima dos outros, com os seus vermelhos
e verdes-vivos e azuis, tanto em tons profundos quanto pálidos. Havia uma mesa feita de
madeira da cor de mel silvestre e, sobre essa mesa, havia uma travessa de frutas tão
perfeitamente maduras que eu podia sentir os seus aromas. Livros e rolos de pergaminhos
espalhavam-se desordenados, como se o fato de serem raros não preocupasse nem um pouco o
leitor. Todas as três paredes eram enfeitadas por tapeçarias que representavam paisagens de
planícies abertas com montes repletos de árvores no horizonte. Comecei a andar naquela
direção.
– Por aqui – disse o meu guia, conduzindo-me de forma implacável para o outro extremo do
quarto. Havia ali um cenário diferente. Uma mesa com tampo de pedra se destacava, com a
superfície chamuscada e cheia de manchas. Em cima jaziam vários utensílios, recipientes e
acessórios, uma balança, um pilão com socador, e muitas coisas que eu não sabia o nome.
Uma fina camada de pó cobria muitas partes da mesa, como se vários projetos tivessem sido
abandonados pela metade, meses ou até anos antes. Por trás da mesa havia prateleiras que
continham uma coleção desorganizada de mais rolos de pergaminho, alguns adornados em azul
ou dourado. O cheiro do quarto era ao mesmo tempo pungente e aromático; ramalhetes de
ervas secavam em outras prateleiras. Ouvi um ruído e vi de relance um movimento pelo canto
do olho, mas o homem não me deu tempo para investigar.
A lareira que já devia ter aquecido aquele canto do quarto era um buraco negro e frio. As
brasas pareciam úmidas e há muito tempo extintas. Levantei os olhos na direção do meu guia.
Ele pareceu surpreso com o desânimo que viu no meu olhar. Virou-se e, lentamente, ele
próprio examinou o quarto. Refletiu um pouco e eu senti o seu descontentamento
envergonhado.
– Isso está uma bagunça. Mais do que uma bagunça, suponho. Mas, enfim. Já faz bastante
tempo, suponho. Mais até do que apenas bastante tempo. Bem. Logo tudo se ajeita. Mas,
primeiro, vamos às apresentações. Suponho que seja um tanto arrepiante estar aqui vestido só
com uma camisola. Por aqui, garoto.
Segui-o até o lado confortável do quarto. Ele se sentou numa cadeira de madeira maltratada
envolta em cobertores. Os meus dedos dos pés descalços afundaram-se agradecidos na
pelugem de um tapete de lã. Fiquei em pé diante dele, aguardando, enquanto os olhos verdes
me sondavam. Por alguns minutos, fez-se silêncio. E então ele falou.