O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb
dormir, mas o meu corpo doía, e parecia não haver mais nada para fazer. Naquele instante, láembaixo, no quarto sobre o estábulo, Bronco estaria sentado, bebendo e remendando arreios ecoisas assim. Haveria fogo na lareira e o som abafado dos cavalos, movendo-se nas baias. Oquarto cheiraria a couro, a óleo e ao próprio Bronco, e não a pedra úmida e pó. Puxei acamisola sobre a cabeça, empurrei para baixo os cobertores e aninhei-me na cama de penas;era fria, e senti um arrepio na pele que eriçou os meus pelos. Lentamente, o calor do meucorpo aqueceu-a e comecei a relaxar. Tinha sido um dia cheio e extenuante. Cada músculo domeu corpo parecia estar ao mesmo tempo dolorido e cansado. Sabia que devia me levantaroutra vez e apagar as velas, mas não conseguia concentrar a energia ou a força de vontadenecessárias para soprá-las e deixar uma escuridão mais profunda invadir o quarto. E assimcochilei, com os olhos semicerrados observando as chamas se debaterem com dificuldade nodiminuto fogo da lareira. Em vão, desejei algo diferente, uma situação qualquer que não fossenem este quarto desamparado, nem a secura do quarto de Bronco; ansiei pela calma que talveztivesse conhecido uma vez, em algum lugar, mas de que já não conseguia me lembrar. E assimcaí no sono, rumo ao esquecimento.
CAPÍTULO QUATROAprendizadoConta-se uma história sobre o Rei Vitorioso, aquele que conquistou os territórios dointerior, que no fim se tornariam o Ducado de Vara. Pouco tempo depois de anexar asterras de Orla da Areia ao seu domínio, mandou chamar a mulher que teria sido – se aconquista de Vitorioso tivesse falhado – rainha de Orla da Areia. Ela viajou para Torre doCervo muito nervosa, receando ir, mas receando ainda mais as consequências para o seupovo se ela lhe pedisse que a escondesse. Quando chegou, ficou impressionada e quasedesapontada por Vitorioso desejar usá-la não como criada, mas como preceptora dosfilhos, para que eles pudessem aprender a língua e os costumes do povo dela. Quando elalhe perguntou por que é que ele havia decidido fazê-los aprender as maneiras do povo dela,ele respondeu:– Um governante deve ser de todo o seu povo, porque um homem só pode governar o queconhece.Mais tarde, ela se tornou, por vontade própria, a esposa do filho mais velho dele eadotou o nome de Rainha Graciosa na sua coroação.Acordei com a luz do sol batendo no meu rosto. Alguém tinha entrado no quarto e aberto aspersianas da janela para o dia. Uma bacia, um pano e um cântaro de água tinham sido deixadossobre o baú. Fiquei agradecido por ter aquelas coisas, mas nem lavar a cara me refrescou. Osono tinha me deixado meio embriagado e lembro de me sentir pouco confortável com a ideiade que alguém pudesse entrar no meu quarto e andar por ali à vontade, sem me acordar.Como eu tinha suspeitado, a janela dava para o mar, mas não tive muito tempo para apreciara vista. Um olhar de relance para o sol me informou que eu tinha dormido demais. Vestiminhas roupas com pressa e corri em direção ao estábulo, sem parar para tomar o café damanhã. Mas Bronco tinha pouco tempo para mim naquela manhã.– Volte à torre – aconselhou-me. – A Dona Despachada já enviou Brante aqui embaixo parate procurar. Ela quer tirar suas medidas para fazer roupas para você. É melhor ir procurá-ladepressa; ela faz jus ao nome que tem e não vai gostar nem um pouco se você atrapalhar arotina dela da manhã.A corrida de volta à torre lembrou-me de todas as dores do dia anterior. Embora receasseprocurar essa Dona Despachada e ter minhas medidas tiradas para roupas de que tinha certezaque eu não precisava, sentia-me aliviado por não estar em cima de um cavalo outra veznaquela manhã.Começando pela cozinha, fui perguntando até chegar aonde desejava.Encontrei a Dona Despachada num aposento que ficava várias portas abaixo do meu quarto.Parei timidamente à porta e espreitei lá dentro. Três janelas altas enchiam o quarto com a luzdo sol e uma tênue brisa salgada. Cestos de fio e lã tingida estavam empilhados contra umadas paredes, enquanto uma estante alta em outra parede guardava um arco-íris de tecidos.
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dormir, mas o meu corpo doía, e parecia não haver mais nada para fazer. Naquele instante, lá
embaixo, no quarto sobre o estábulo, Bronco estaria sentado, bebendo e remendando arreios e
coisas assim. Haveria fogo na lareira e o som abafado dos cavalos, movendo-se nas baias. O
quarto cheiraria a couro, a óleo e ao próprio Bronco, e não a pedra úmida e pó. Puxei a
camisola sobre a cabeça, empurrei para baixo os cobertores e aninhei-me na cama de penas;
era fria, e senti um arrepio na pele que eriçou os meus pelos. Lentamente, o calor do meu
corpo aqueceu-a e comecei a relaxar. Tinha sido um dia cheio e extenuante. Cada músculo do
meu corpo parecia estar ao mesmo tempo dolorido e cansado. Sabia que devia me levantar
outra vez e apagar as velas, mas não conseguia concentrar a energia ou a força de vontade
necessárias para soprá-las e deixar uma escuridão mais profunda invadir o quarto. E assim
cochilei, com os olhos semicerrados observando as chamas se debaterem com dificuldade no
diminuto fogo da lareira. Em vão, desejei algo diferente, uma situação qualquer que não fosse
nem este quarto desamparado, nem a secura do quarto de Bronco; ansiei pela calma que talvez
tivesse conhecido uma vez, em algum lugar, mas de que já não conseguia me lembrar. E assim
caí no sono, rumo ao esquecimento.