O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb
De repente, Majestoso se irritou.– A minha mãe, a rainha, não vai concordar com você, nem vai ficar contente. A minhamãe...– Não concorda comigo, nem fica contente comigo há muitos anos. Já quase nem perceboisso mais, Majestoso. Ela vai ficar brava, fazer escândalo e ameaçar outra vez voltar paraVara, para ser Duquesa lá, e você será Duque depois dela. E, se estiver mesmo furiosa, elaainda vai ameaçar que, caso isso aconteça, Lavra e Vara farão uma rebelião e se tornarão umreino independente, tendo ela como rainha.– E eu como rei depois dela! – Majestoso acrescentou em tom de desafio.Sagaz concordou para si mesmo.– Sim, eu já imaginava que ela estivesse plantando essa traição sórdida na sua cabeça.Ouça-me, garoto. Ela pode até xingar e atirar louças nos criados, mas nunca fará mais do queisso. Porque sabe que é melhor ser rainha de um reino pacífico do que ser duquesa de umducado em rebelião. E Vara não tem nenhuma razão para se rebelar contra mim, a não ser asque sua mãe inventa na cabeça dela. As ambições dela sempre ultrapassaram as habilidadesque ela tem. – Fez uma pausa e olhou Majestoso diretamente nos olhos. – Numa família real,esse é um dos defeitos mais lamentáveis que se pode ter.Eu podia sentir as vibrações de raiva que Majestoso se forçava a reprimir enquanto olhavapara o chão.– Venha, siga-me – disse o rei, e Majestoso o seguiu, obediente como um cachorroqualquer, mas o olhar de despedida que lançou para mim foi venenoso.Fiquei parado vendo o velho rei deixar o salão. Senti uma súbita sensação de perda.Homem estranho. Embora eu fosse bastardo, ele poderia ter se declarado meu avô, e teriaapenas de pedir aquilo que resolveu comprar. Na porta, o Bobo pálido parou. Por um instante,olhou para mim e fez um gesto incompreensível com as mãos magras. Talvez um insulto, talvezuma bênção, talvez o simples abanar das mãos de um bobo. Então sorriu, mostrou a línguapara mim, virou-se e correu atrás do rei.Apesar das promessas do rei, enchi os bolsos do gibão com pedaços de bolo. Os cachorrose eu compartilhamos as iguarias à sombra, atrás do estábulo. Foi um café da manhã maior doque qualquer um de nós estava habituado a ter, e o meu estômago resmungou de tristeza porhoras depois de termos terminado a refeição. Os cachorrinhos se enroscaram um no outro epegaram no sono, mas eu hesitei entre o receio e a expectativa. Quase desejei que nadaacontecesse depois daquilo, que o rei se esquecesse das suas palavras. Mas não.Quando a noite caiu, eu finalmente me recolhi, subindo os degraus e entrando no quarto deBronco. Tinha passado o dia avaliando que consequências teria para mim a conversa daquelamanhã. Poderia ter me poupado do trabalho. Porque, quando entrei, Bronco deixou de lado ofreio do arreio que estava remendando e focou toda a atenção em mim. Ele ficou me estudandoem silêncio por algum tempo, e eu lhe devolvi o olhar fixo. Alguma coisa estava diferente, eeu fiquei assustado. Desde que tinha dado um fim no Narigudo, eu acreditava que Broncotambém tinha o poder de vida e morte sobre mim – que um bastardo podia ser descartado coma mesma facilidade que um cãozinho. Isso não tinha me impedido de desenvolver umsentimento de proximidade em relação a ele; uma pessoa não precisa amar para depender dealguém. Essa sensação de poder confiar em Bronco era a única terra firme que eu tinha navida, e agora eu sentia que ela tremia debaixo de mim.
– Pois é – disse ele, enfim, dando um tom de finalidade às palavras. – Pois é. Tinha de darum jeito de aparecer na frente dele, não é? Tinha de chamar a atenção sobre você. Bem. Eledecidiu o que vai fazer com você – suspirou, e o silêncio mudou de figura. Por um breveinstante, quase pensei que ele estivesse com pena de mim, mas depois de um momentorecomeçou a falar.– Deram-me ordens para que eu escolhesse um cavalo para você. Ele sugeriu que fosse umcavalo jovem, e que eu treinasse vocês dois juntos. Mas o convenci a iniciar a suaaprendizagem com um animal mais velho e firme. Um aluno de cada vez, eu lhe disse. Tenho,porém, as minhas próprias razões para te dar um animal que seja... menos impressionável. Dêum jeito de se comportar bem, pois vou saber se você ficar de brincadeira. Entende o que euquero dizer?Fiz um rápido sinal de assentimento com a cabeça.– Responda, Fitz. Você vai ter de usar a língua para lidar com tutores e mestres.– Sim, senhor.Aquilo era tão a cara de Bronco. Na cabeça dele, deixar um cavalo à minha disposiçãotinha sido a coisa mais importante daquilo tudo. Tendo já resolvido o que cabia a ele,anunciou-me o resto, quase por acaso.– De agora em diante, você levanta com o raiar do sol, garoto. Durante a manhã, vaiaprender comigo como cuidar e dominar um cavalo. E a caçar com os seus mastins, comodeve ser, fazendo-os te respeitarem. Como um homem controla seus animais, é isso o que euvou te ensinar.Esta última frase foi pronunciada com uma forte ênfase e seguida de uma longa pausa paragarantir que eu entendesse o que ele queria dizer. Senti um aperto no meu coração, masconcordei com um aceno da cabeça que logo corrigi:– Sim, senhor.– À tarde, você será deles. Armas e essas coisas. Eventualmente o Talento. Nos meses deinverno, será ensinado a portas fechadas. Línguas e símbolos. Escrever, ler e números; nãoduvido. Histórias também. O que fará com isso tudo, não faço a menor ideia, mas vê lá seaprende tudo direitinho para agradar o rei. Ele não é um homem para ser desagradado, e nãopense sequer em enganá-lo. O comportamento mais sábio é não deixar que ele te note, mas nãotinha te avisado nada disso, e agora é tarde demais.De repente, ele limpou a garganta e inspirou.– Ah, e tem outra coisa que vai mudar. – Ele pegou o freio de couro em que estavatrabalhando e curvou-se sobre ele outra vez. Parecia que falava para os seus dedos. – A partirde agora, você vai ter um quarto mais apropriado, só seu. Lá em cima, na torre, onde todosaqueles que têm sangue nobre dormem. Você já estaria dormindo lá agora, se tivesse sepreocupado em chegar na hora certa.– O quê? Não estou entendendo. Um quarto?– Ah, então quer dizer que você consegue falar depressa, quando te interessa? Você meouviu bem, garoto. Vai ter um quarto só para você, lá em cima na torre – ele fez uma pausa econtinuou, revigorado. – E eu finalmente terei a minha privacidade de volta. Ah, e com certezavão tirar as suas medidas para roupas novas amanhã. E botas. Embora não veja sentido em pôruma bota num pé que ainda está crescendo, eu não...– Não quero um quarto lá em cima.
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– Pois é – disse ele, enfim, dando um tom de finalidade às palavras. – Pois é. Tinha de dar
um jeito de aparecer na frente dele, não é? Tinha de chamar a atenção sobre você. Bem. Ele
decidiu o que vai fazer com você – suspirou, e o silêncio mudou de figura. Por um breve
instante, quase pensei que ele estivesse com pena de mim, mas depois de um momento
recomeçou a falar.
– Deram-me ordens para que eu escolhesse um cavalo para você. Ele sugeriu que fosse um
cavalo jovem, e que eu treinasse vocês dois juntos. Mas o convenci a iniciar a sua
aprendizagem com um animal mais velho e firme. Um aluno de cada vez, eu lhe disse. Tenho,
porém, as minhas próprias razões para te dar um animal que seja... menos impressionável. Dê
um jeito de se comportar bem, pois vou saber se você ficar de brincadeira. Entende o que eu
quero dizer?
Fiz um rápido sinal de assentimento com a cabeça.
– Responda, Fitz. Você vai ter de usar a língua para lidar com tutores e mestres.
– Sim, senhor.
Aquilo era tão a cara de Bronco. Na cabeça dele, deixar um cavalo à minha disposição
tinha sido a coisa mais importante daquilo tudo. Tendo já resolvido o que cabia a ele,
anunciou-me o resto, quase por acaso.
– De agora em diante, você levanta com o raiar do sol, garoto. Durante a manhã, vai
aprender comigo como cuidar e dominar um cavalo. E a caçar com os seus mastins, como
deve ser, fazendo-os te respeitarem. Como um homem controla seus animais, é isso o que eu
vou te ensinar.
Esta última frase foi pronunciada com uma forte ênfase e seguida de uma longa pausa para
garantir que eu entendesse o que ele queria dizer. Senti um aperto no meu coração, mas
concordei com um aceno da cabeça que logo corrigi:
– Sim, senhor.
– À tarde, você será deles. Armas e essas coisas. Eventualmente o Talento. Nos meses de
inverno, será ensinado a portas fechadas. Línguas e símbolos. Escrever, ler e números; não
duvido. Histórias também. O que fará com isso tudo, não faço a menor ideia, mas vê lá se
aprende tudo direitinho para agradar o rei. Ele não é um homem para ser desagradado, e não
pense sequer em enganá-lo. O comportamento mais sábio é não deixar que ele te note, mas não
tinha te avisado nada disso, e agora é tarde demais.
De repente, ele limpou a garganta e inspirou.
– Ah, e tem outra coisa que vai mudar. – Ele pegou o freio de couro em que estava
trabalhando e curvou-se sobre ele outra vez. Parecia que falava para os seus dedos. – A partir
de agora, você vai ter um quarto mais apropriado, só seu. Lá em cima, na torre, onde todos
aqueles que têm sangue nobre dormem. Você já estaria dormindo lá agora, se tivesse se
preocupado em chegar na hora certa.
– O quê? Não estou entendendo. Um quarto?
– Ah, então quer dizer que você consegue falar depressa, quando te interessa? Você me
ouviu bem, garoto. Vai ter um quarto só para você, lá em cima na torre – ele fez uma pausa e
continuou, revigorado. – E eu finalmente terei a minha privacidade de volta. Ah, e com certeza
vão tirar as suas medidas para roupas novas amanhã. E botas. Embora não veja sentido em pôr
uma bota num pé que ainda está crescendo, eu não...
– Não quero um quarto lá em cima.