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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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Encarava-me com firmeza e, de repente, percebi que eu lhe devolvia o mesmo olhar.

Ficamos nos estudando, cara a cara, durante todo o discurso. Nos olhos daquele homem que

era meu avô havia uma honestidade firme e evidente. Não havia consolo no seu olhar, mas eu

sabia que podia contar sempre com a sua presença. Concordei com a cabeça, lentamente.

– Venha cá.

Fui indo devagar em direção a ele. Quando o alcancei, ele flexionou um joelho, ficando

com os olhos na mesma altura que os meus. O Bobo ajoelhou-se solenemente ao nosso lado,

olhando com seriedade de um rosto para o outro. Majestoso ficou nos encarando, irritado.

Naquele momento não percebi a ironia da cena: o velho rei se ajoelhando diante do neto

bastardo. Fiquei, portanto, imóvel, numa pose imponente, enquanto ele tirava uma tortinha das

minhas mãos e a atirava aos cachorros atrás de mim. Retirou um alfinete do lenço de seda que

estava em volta do seu pescoço e prendeu-o com solenidade no tecido grosseiro da minha

camisa.

– A partir de agora você é meu – disse, e o tom da voz dele indicava que considerava essa

reivindicação mais importante do que qualquer sangue que compartilhássemos. – Você não

precisa comer os restos de ninguém. Daqui em diante, eu vou cuidar de você, e cuidarei bem.

Se alguma vez qualquer homem ou mulher tentar te virar contra mim, oferecendo mais do que

eu te der, venha até mim e me diga quanto é a oferta, e eu a cobrirei. Nunca serei avarento

contigo, e você nem vai poder alegar maus-tratos da minha parte como razão para me trair.

Acredita em mim, garoto?

Eu concordei com a cabeça, do meu jeito mudo que ainda era hábito, mas aqueles olhos

castanhos e firmes pediam mais.

– Sim, senhor.

– Bem. Eu te darei algumas ordens. Procure agir sempre de acordo com elas. Se alguma

ordem te parecer estranha, fale com Bronco. Ou comigo. Simplesmente venha até a porta dos

meus aposentos e mostre este alfinete. Será recebido.

Eu fiquei encarando a pedra vermelha que cintilava num ninho de prata.

– Sim, senhor – consegui dizer outra vez.

– Ah – disse ele suavemente.

Pude perceber uma nota de pesar na sua voz e me perguntei por quê. Os olhos dele me

libertaram e, de repente, eu estava outra vez mais consciente das coisas em volta de mim, dos

cãezinhos, do Grande Salão, de Majestoso observando-me com uma nova expressão de

desagrado no rosto, e do Bobo acenando entusiasmadamente com a cabeça, daquele jeito

ausente que era típico dele. Então o rei se levantou. Quando virou as costas para mim, senti

um arrepio, como se de repente tivesse ficado sem meu agasalho. Foi a primeira experiência

que tive do Talento manipulado pelas mãos de um mestre.

– Você não concorda com isso, não é, Majestoso? – o tom do rei era ameno.

– O meu rei pode fazer o que bem entender – respondeu ele, amuado.

O Rei Sagaz suspirou.

– Não foi isso que eu te perguntei.

– A minha mãe, a rainha, certamente não estará de acordo. Favorecer o garoto só dará a

entender que o reconhece. Isso vai deixar a cabeça dele cheia de ideias, e a dos outros

também.

– Ah! – o rei gargalhou como se aquilo o divertisse.

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