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em Torre do Cervo precedido de trombetas, acrobatas e crianças tocando sinos. Esse era o
lugar de Majestoso, e ele desempenhou essas funções com um rosto gracioso. Majestoso
pareceu levar a sério o aviso de Veracidade. Não creio que Veracidade alguma vez o tenha
perdoado completamente, mas tratou as conspirações de Majestoso como se fossem as
asneiras de um rapazinho mau, e penso que isso intimidou mais Majestoso do que uma
reprimenda pública. As culpas pelo envenenamento foram eventualmente atribuídas a
Severino e a Bulho, por aqueles que sabiam disso. Afinal de contas, Severino tinha obtido o
veneno, e Bulho entregado o presente de vinho de maçã. Kettricken fingiu ficar convencida de
que tinha sido a ambição sem precedentes de dois criados em nome do seu senhor, que não
sabia de nada. E a morte de Rurisk nunca foi abertamente referida como envenenamento. Nem
eu fui reconhecido como assassino. Independentemente do que se passasse no coração de
Majestoso, seu comportamento era o de um jovem príncipe acompanhando bondosamente a
noiva do irmão mais velho até sua casa.
A minha recuperação demorou muito tempo. Jonqui cuidou de mim com ervas das quais me
disse que reconstruiriam o que tinha sido lesado. Deveria ter tentado aprender quais eram as
ervas e as técnicas usadas, mas a minha mente não parecia capaz de reter as coisas melhor do
que as minhas mãos. Com efeito, lembro-me pouco desse tempo. A recuperação do
envenenamento foi frustrantemente lenta. Jonqui tentou torná-la menos entediante, dando-me
acesso à Grande Biblioteca, mas os meus olhos se cansavam facilmente e pareciam tão
vulneráveis a tremores quanto as mãos. Passei a maior parte dos dias deitado na cama,
pensando. Por algum tempo, perguntei a mim mesmo se queria voltar a Torre do Cervo. Não
sabia se ainda conseguiria ser o assassino de Sagaz. Sabia que, se voltasse, teria de ocupar um
lugar inferior a Majestoso à mesa, olhar para cima e vê-lo sentado à esquerda do meu rei.
Teria de tratá-lo como se ele nunca tivesse tentado me matar, como se nunca tivesse me usado
no envenenamento de um homem que admirei. Uma noite falei francamente sobre o assunto
com Bronco. Ele permaneceu sentado e ouviu tranquilamente. E então disse:
– Não posso imaginar que seja mais fácil para você do que para Kettricken. Ou para mim,
ver um homem que tentou me matar duas vezes e chamá-lo de “meu príncipe”. Você tem de
decidir. Detestaria deixá-lo pensando que nos assustou a ponto de fugirmos. Mas se decidir
que temos de ir para outro lugar, então iremos.
Penso que finalmente percebi qual era o significado do brinco.
O inverno já não era uma ameaça, mas uma realidade, quando deixamos as montanhas.
Bronco, Mãos e eu retornamos muito mais tarde para Torre do Cervo do que os outros, mas
fizemos a viagem no nosso ritmo. Eu me cansava com facilidade, e a minha força ainda era
muito imprevisível. Perdia as forças em momentos inesperados, caindo da sela como um saco
de grãos. Então paravam para me ajudar a montar outra vez, e eu me esforçava para continuar.
Muitas noites acordei tremendo, sem ter força suficiente para pedir auxílio. Esses lapsos
passavam lentamente. O pior, creio, eram as noites em que não acordava, mas sonhava
interminavelmente que estava me afogando. De um desses sonhos, acordei para encontrar
Veracidade diante de mim.
Já chega de acordar os mortos, disse-me com simpatia. Temos de arranjar um mestre
para te ensinar, no mínimo, um pouco de controle. Kettricken acha um pouco esquisito que
eu sonhe tantas vezes com afogamentos. Suponho que devo me dar por satisfeito que você
tenha dormido bem pelo menos na minha noite de núpcias.