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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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Ela assentiu e continuou a dormir.

Quando os meus olhos se focaram outra vez, estava escuro, e eu sozinho. Batia os dentes, e

o queixo e a frente da minha camisa estavam úmidos da minha própria saliva. O

entorpecimento parecia menor. Perguntei a mim mesmo se isso não significaria que o veneno

não me mataria. Duvidei que fizesse alguma diferença: teria pouca oportunidade de falar em

minha defesa. As minhas mãos estavam entorpecidas. Pelo menos, tinham parado de doer.

Estava com uma sede horrível. Perguntei-me se Rurisk já teria morrido. Ele tinha tomado

muito mais vinho do que eu. E Breu tinha me dito que se tratava de um veneno rápido.

Como que em resposta à minha pergunta, um uivo da mais pura dor subiu à lua. O lamento

pareceu ficar suspenso ali, puxar o meu coração para fora do peito e erguê-lo. O dono de

Narigudo estava morto.

Sondei sua mente e o cobri com a Manha. Eu sei, eu sei, e trememos juntos, enquanto aquele

que ele amava partia para onde não o poderia seguir. Uma grande solidão nos envolvia.

Garoto? Tênue, mas verdadeiro. Uma perna e um focinho, e a porta se entreabriu. Ele se

aproximou, o seu nariz me dizendo quão mal eu cheirava. Suor de fumo, sangue e medo.

Quando ele me alcançou, deitou-se ao meu lado e encostou a cabeça nas minhas costas. Com o

toque, o vínculo se restabeleceu. Mais forte, agora que Rurisk tinha partido.

Ele me deixou. Dói muito.

Eu sei. Passou-se um longo momento. Liberte-me! O velho cão ergueu a cabeça. Os homens

não sofrem a morte de um ente querido do mesmo modo que os cães. Devíamos nos sentir

gratos por isso. Mas das profundezas da sua angústia, ele conseguiu se levantar e colocou os

dentes puídos nas cordas que me prendiam. Senti que elas se soltavam, um fio de cada vez,

mas não tinha sequer força suficiente para puxá-las e rompê-las. Narigudo virou a cabeça para

usar nelas os dentes detrás.

Por fim, as cordas se soltaram. Puxei os braços para a frente, fazendo o corpo todo doer de

uma forma diferente. Ainda não conseguia sentir as mãos, mas podia rolar para o lado e tirar a

cara da palha. Narigudo e eu suspiramos juntos. Ele pôs a cabeça no meu peito e eu passei o

braço entrevado em torno dele. Outro tremor passou por mim. Os músculos se contraíram e

relaxaram tão violentamente que vi pontos de luz. Mas passou, e eu ainda respirava.

Abri os olhos outra vez. A luz me cegava, mas eu não sabia se era real. Diante de mim, a

cauda de Narigudo batia na palha. Bronco curvou-se lentamente diante de nós. Colocou uma

mão suave sobre o dorso de Narigudo. Quando os meus olhos se ajustaram à lanterna, pude

ver a tristeza no rosto dele.

– Você está morrendo? – ele me perguntou. A voz soava tão neutra que era como ouvir uma

pedra falando.

– Não tenho certeza – foi tudo o que tentei dizer. A minha boca ainda não trabalhava muito

bem. Ele se levantou e se afastou. Levou a lanterna consigo. Fiquei deitado sozinho no escuro.

Então a luz voltou e Bronco trazia um balde de água. Levantou a minha cabeça e despejou

um pouco de água na minha boca.

– Não a engula – ele me avisou, mas eu, de qualquer maneira, não seria capaz de fazer

aqueles músculos agirem.

Lavou a minha boca mais duas vezes e quase me afogou tentando fazer com que eu bebesse

um pouco. Encostei no balde com uma mão que parecia feita de madeira.

– Não – consegui dizer.

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