O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb
espantado? Pensava, porventura, que eu não sabia? Sabia. Sei de diversas coisas de que vocênão faz ideia que eu saiba. Tudo, desde o fedor da Dama Timo até você ter perdido o Talentoquando Bronco não te permitiu mais drenar a força dele. Ele foi rápido em te abandonar,quando viu que, se não fizesse isso, pagaria com a vida.Um tremor sacudiu o meu corpo. Majestoso atirou a cabeça para trás e riu. Em seguida,suspirou e se virou.– É uma lástima que eu não possa ficar aqui assistindo, mas tenho uma princesa paraconsolar. Pobrezinha, prometida a um homem que ela já odeia.Ou Majestoso saiu de lá nesse momento, ou eu saí. Não tenho certeza. Foi como se o céu seabrisse e eu fluísse na sua direção.– Estar aberto – Veracidade tinha me dito – é simplesmente não estar fechado.Então sonhei, eu acho, com o Bobo. E com Veracidade, dormindo com os braços em tornoda cabeça, como se quisesse manter os pensamentos enclausurados. E da voz de Galeno,ecoando num quarto escuro e frio.– Amanhã é melhor. Quando ele usa o Talento agora, não tem quase nenhuma noção de ondeestá. Não temos vínculo suficiente para eu fazer isso a distância. Um toque será necessário.Houve um chiar no escuro, uma mente de rato desagradável que eu não conhecia.– Execute-o agora – insistiu.– Não seja tolo – criticou Galeno. – Devemos nos arriscar a perder tudo agora, porimpaciência? Amanhã é suficientemente conveniente. Deixe que eu tomo conta dessa parte.Você precisa pôr as coisas em ordem por aí. Bulho e Severino sabem demais. E o mestre doestábulo já nos incomodou por muito tempo.– Você me deixa no meio de um banho de sangue – chiou o rato com raiva.– Trespasse esse banho de sangue em direção ao trono – sugeriu Galeno.– E Garrano está morto. Quem cuidará dos meus cavalos no caminho para casa?– Então deixe o mestre do estábulo viver – disse Galeno, repugnado. E, a seguir,considerando melhor: – Tomarei conta dele eu mesmo, quando ele chegar em casa. Não meincomodará. Mas será melhor tratar dos outros o mais depressa possível. Pode ser que obastardo tenha envenenado mais vinho no seu apartamento. Uma tragédia que os seus criados otenham bebido.– Suponho que sim. Mas você deve me arranjar um novo camareiro.– Teremos a sua esposa para fazer isso por você. Deveria estar com ela agora. Acabou deperder um irmão. Você deve estar horrorizado com o que aconteceu. Tente pôr a culpa nobastardo, e não em Veracidade. Mas não seja convincente demais. E amanhã, quando estivertão pesaroso quanto ela... bem... veremos ao que a compaixão mútua levará.– Ela é grande como uma vaca e pálida como um peixe.– Mas, com as terras das montanhas, você terá um reino interior defensável. Você sabe queos Ducados Costeiros não ficarão do seu lado, e Vara e Lavra não podem subsistir sozinhosentre as montanhas e os Ducados Costeiros. Além disso, ela não precisa viver após onascimento do primeiro filho.– FitzCavalaria Visionário – disse Veracidade no sono. O Rei Sagaz e Breu jogavam dadosde ossos juntos. Paciência se agitou enquanto dormia. – Cavalaria? – perguntou suavemente. –É você?– Não – eu disse. – Não é ninguém. Ninguém.
Ela assentiu e continuou a dormir.Quando os meus olhos se focaram outra vez, estava escuro, e eu sozinho. Batia os dentes, eo queixo e a frente da minha camisa estavam úmidos da minha própria saliva. Oentorpecimento parecia menor. Perguntei a mim mesmo se isso não significaria que o venenonão me mataria. Duvidei que fizesse alguma diferença: teria pouca oportunidade de falar emminha defesa. As minhas mãos estavam entorpecidas. Pelo menos, tinham parado de doer.Estava com uma sede horrível. Perguntei-me se Rurisk já teria morrido. Ele tinha tomadomuito mais vinho do que eu. E Breu tinha me dito que se tratava de um veneno rápido.Como que em resposta à minha pergunta, um uivo da mais pura dor subiu à lua. O lamentopareceu ficar suspenso ali, puxar o meu coração para fora do peito e erguê-lo. O dono deNarigudo estava morto.Sondei sua mente e o cobri com a Manha. Eu sei, eu sei, e trememos juntos, enquanto aqueleque ele amava partia para onde não o poderia seguir. Uma grande solidão nos envolvia.Garoto? Tênue, mas verdadeiro. Uma perna e um focinho, e a porta se entreabriu. Ele seaproximou, o seu nariz me dizendo quão mal eu cheirava. Suor de fumo, sangue e medo.Quando ele me alcançou, deitou-se ao meu lado e encostou a cabeça nas minhas costas. Com otoque, o vínculo se restabeleceu. Mais forte, agora que Rurisk tinha partido.Ele me deixou. Dói muito.Eu sei. Passou-se um longo momento. Liberte-me! O velho cão ergueu a cabeça. Os homensnão sofrem a morte de um ente querido do mesmo modo que os cães. Devíamos nos sentirgratos por isso. Mas das profundezas da sua angústia, ele conseguiu se levantar e colocou osdentes puídos nas cordas que me prendiam. Senti que elas se soltavam, um fio de cada vez,mas não tinha sequer força suficiente para puxá-las e rompê-las. Narigudo virou a cabeça parausar nelas os dentes detrás.Por fim, as cordas se soltaram. Puxei os braços para a frente, fazendo o corpo todo doer deuma forma diferente. Ainda não conseguia sentir as mãos, mas podia rolar para o lado e tirar acara da palha. Narigudo e eu suspiramos juntos. Ele pôs a cabeça no meu peito e eu passei obraço entrevado em torno dele. Outro tremor passou por mim. Os músculos se contraíram erelaxaram tão violentamente que vi pontos de luz. Mas passou, e eu ainda respirava.Abri os olhos outra vez. A luz me cegava, mas eu não sabia se era real. Diante de mim, acauda de Narigudo batia na palha. Bronco curvou-se lentamente diante de nós. Colocou umamão suave sobre o dorso de Narigudo. Quando os meus olhos se ajustaram à lanterna, pudever a tristeza no rosto dele.– Você está morrendo? – ele me perguntou. A voz soava tão neutra que era como ouvir umapedra falando.– Não tenho certeza – foi tudo o que tentei dizer. A minha boca ainda não trabalhava muitobem. Ele se levantou e se afastou. Levou a lanterna consigo. Fiquei deitado sozinho no escuro.Então a luz voltou e Bronco trazia um balde de água. Levantou a minha cabeça e despejouum pouco de água na minha boca.– Não a engula – ele me avisou, mas eu, de qualquer maneira, não seria capaz de fazeraqueles músculos agirem.Lavou a minha boca mais duas vezes e quase me afogou tentando fazer com que eu bebesseum pouco. Encostei no balde com uma mão que parecia feita de madeira.– Não – consegui dizer.
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espantado? Pensava, porventura, que eu não sabia? Sabia. Sei de diversas coisas de que você
não faz ideia que eu saiba. Tudo, desde o fedor da Dama Timo até você ter perdido o Talento
quando Bronco não te permitiu mais drenar a força dele. Ele foi rápido em te abandonar,
quando viu que, se não fizesse isso, pagaria com a vida.
Um tremor sacudiu o meu corpo. Majestoso atirou a cabeça para trás e riu. Em seguida,
suspirou e se virou.
– É uma lástima que eu não possa ficar aqui assistindo, mas tenho uma princesa para
consolar. Pobrezinha, prometida a um homem que ela já odeia.
Ou Majestoso saiu de lá nesse momento, ou eu saí. Não tenho certeza. Foi como se o céu se
abrisse e eu fluísse na sua direção.
– Estar aberto – Veracidade tinha me dito – é simplesmente não estar fechado.
Então sonhei, eu acho, com o Bobo. E com Veracidade, dormindo com os braços em torno
da cabeça, como se quisesse manter os pensamentos enclausurados. E da voz de Galeno,
ecoando num quarto escuro e frio.
– Amanhã é melhor. Quando ele usa o Talento agora, não tem quase nenhuma noção de onde
está. Não temos vínculo suficiente para eu fazer isso a distância. Um toque será necessário.
Houve um chiar no escuro, uma mente de rato desagradável que eu não conhecia.
– Execute-o agora – insistiu.
– Não seja tolo – criticou Galeno. – Devemos nos arriscar a perder tudo agora, por
impaciência? Amanhã é suficientemente conveniente. Deixe que eu tomo conta dessa parte.
Você precisa pôr as coisas em ordem por aí. Bulho e Severino sabem demais. E o mestre do
estábulo já nos incomodou por muito tempo.
– Você me deixa no meio de um banho de sangue – chiou o rato com raiva.
– Trespasse esse banho de sangue em direção ao trono – sugeriu Galeno.
– E Garrano está morto. Quem cuidará dos meus cavalos no caminho para casa?
– Então deixe o mestre do estábulo viver – disse Galeno, repugnado. E, a seguir,
considerando melhor: – Tomarei conta dele eu mesmo, quando ele chegar em casa. Não me
incomodará. Mas será melhor tratar dos outros o mais depressa possível. Pode ser que o
bastardo tenha envenenado mais vinho no seu apartamento. Uma tragédia que os seus criados o
tenham bebido.
– Suponho que sim. Mas você deve me arranjar um novo camareiro.
– Teremos a sua esposa para fazer isso por você. Deveria estar com ela agora. Acabou de
perder um irmão. Você deve estar horrorizado com o que aconteceu. Tente pôr a culpa no
bastardo, e não em Veracidade. Mas não seja convincente demais. E amanhã, quando estiver
tão pesaroso quanto ela... bem... veremos ao que a compaixão mútua levará.
– Ela é grande como uma vaca e pálida como um peixe.
– Mas, com as terras das montanhas, você terá um reino interior defensável. Você sabe que
os Ducados Costeiros não ficarão do seu lado, e Vara e Lavra não podem subsistir sozinhos
entre as montanhas e os Ducados Costeiros. Além disso, ela não precisa viver após o
nascimento do primeiro filho.
– FitzCavalaria Visionário – disse Veracidade no sono. O Rei Sagaz e Breu jogavam dados
de ossos juntos. Paciência se agitou enquanto dormia. – Cavalaria? – perguntou suavemente. –
É você?
– Não – eu disse. – Não é ninguém. Ninguém.