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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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ensinou como um garoto de pés ligeiros podia ganhar três ou mesmo cinco moedas por dia

para levar mensagens correndo pelas ruas íngremes do povoado. Achávamo-nos espertos e

ousados, estragando o negócio dos rapazes mais velhos que pediam duas moedas ou até mais

por um só recado. Penso que nunca fui tão corajoso como naquele tempo. Se fechar os olhos,

ainda posso sentir o cheiro desses dias gloriosos. Estopa, resina e lascas frescas de madeira

das docas secas, onde os construtores de barcos trabalhavam com as suas plainas e malhos. O

odor adocicado do peixe muito fresco e o cheiro venenoso de uma rede cheia, deixada fora

por tempo demais num dia quente. Barris de carvalho de aguardente envelhecida de Orla da

Areia confundindo-se com o cheiro de sacas de lã ao sol. Fardos de feno à espera de adoçar a

proa do navio misturavam os seus odores com caixas de melões duros. E todos esses cheiros

rodopiavam com o vento da baía, temperado com sal e iodo. Narigudo chamava a minha

atenção para tudo o que farejava, já que os seus sentidos mais aguçados se sobrepunham aos

meus, mais fracos.

Quim e eu éramos chamados para ir buscar um marinheiro que tinha ido dizer adeus à

esposa ou para levar uma amostra de especiarias a um comprador numa loja. O chefe do porto

podia nos enviar correndo para avisar uma tripulação de que algum idiota tinha atado mal as

linhas e que a maré estava prestes a levar o navio deles. Mas os recados de que eu mais

gostava eram os que nos levavam às tabernas, onde os contadores de histórias e os

bisbilhoteiros desempenhavam as suas funções. Os contadores de histórias narravam as lendas

clássicas, de viagens de descoberta e tripulações que se aventuraram por tempestades

terríveis e de capitães insensatos que naufragavam os seus navios com todos os seus homens.

Aprendi muitas lendas tradicionais, mas os relatos que mais me interessavam não vinham dos

contadores profissionais, mas dos próprios marinheiros. Suas histórias não eram aquelas

contadas à lareira para todo mundo ouvir, mas sim avisos e notícias que passavam de

tripulação para tripulação, quando os homens partilhavam uma garrafa de aguardente ou um

pão de pólen amarelo.

Falavam das capturas que haviam feito, de redes tão cheias que quase afundavam o barco,

ou de peixes maravilhosos e animais vistos apenas na passagem da lua cheia, que atravessava

o rastro deixado pelo navio. Havia relatos de aldeias saqueadas pelos Ilhéus, tanto na costa

como nas ilhas exteriores do nosso ducado, e histórias de piratas e batalhas no mar e navios

usurpados internamente, por traidores. Os relatos mais emocionantes eram os dos Salteadores

dos Navios Vermelhos, Ilhéus que pilhavam e pirateavam, e que atacavam não só os nossos

navios e aldeias, mas até mesmo outros navios Ilhéus. Alguns ridicularizavam a ideia de

navios de proa vermelha e zombavam daqueles que contavam casos de piratas Ilhéus que se

viravam contra outros piratas, iguais a eles.

Mas Quim, Narigudo e eu nos sentávamos debaixo das mesas com as costas apoiadas às

suas pernas, beliscando pãezinhos doces que custavam uma moeda, e ouvíamos de olhos

esbugalhados as histórias de navios de proa vermelha com uma dúzia de corpos balançando

nos seus mastros, não mortos, não, mas homens presos que se contorciam e gritavam quando as

gaivotas vinham para bicá-los. Ouvíamos histórias deliciosamente assustadoras, a ponto de as

tabernas abarrotadas nos parecerem geladas, e então corríamos de volta às docas para ganhar

mais uma moeda.

Uma vez, Quim, Moli e eu construímos uma jangada com tábuas descartadas na costa e

navegamos, com nossos remos improvisados, para cá e para lá debaixo das docas. Deixamo-

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