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Subindo como um gato, eu me acomodei no apoio do chão do quarto e esperei. Esperei até
que, entre o fumo que fazia a minha cabeça girar, meu próprio cansaço e o efeito residual das
ervas de Kettricken, eu me perguntei se não estaria sonhando com tudo aquilo. Perguntei-me se
a minha armadilha desajeitada me serviria de alguma coisa. Por fim, considerei que Majestoso
havia me dito que tinha pedido especificamente a Dama Timo. Mas, em vez disso, Sagaz me
enviou. Lembrei-me de como Breu tinha ficado perplexo com isso. E lembrei-me das palavras
que ele me disse. Teria o meu rei me entregado para Majestoso? E, se fosse esse o caso, que
dívida eu tinha com qualquer um deles? Em dado momento, vi Bulho sair e, depois do que me
pareceu ser um longo período, voltar com Garrano.
Podia ouvir muito pouco através do chão, mas o suficiente para reconhecer a voz de
Majestoso. Os meus planos noturnos estavam sendo comunicados a Garrano. Quando tive
certeza disso, serpenteei para fora do esconderijo e me retirei para o meu quarto, onde me
certifiquei, entre as minhas posses, de certos artigos especializados. Lembrei a mim mesmo,
firmemente, de que era um homem do rei. Assim tinha dito a Veracidade. Deixei o quarto e
caminhei suavemente através do palácio.
No Grande Salão, as pessoas comuns dormiam em colchões no chão, dispostos em círculos
concêntricos em torno do estrado, para reservar os melhores lugares para a cerimônia dos
votos no dia seguinte. Passei no meio deles e não se moveram. Tanta confiança, tão mal
depositada.
Os aposentos da família real eram no fundo do palácio, no lugar mais distante da entrada
principal. Não havia guardas. Atravessei a porta que levava ao quarto do rei, passando em
frente à porta de Rurisk, e em direção à de Kettricken. A porta dela era decorada com beijaflores
e madressilvas. Pensei no quanto o Bobo teria gostado daqueles ornamentos. Bati de
leve e esperei. Passaram-se momentos lentos. Bati outra vez.
Ouvi o movimento de pés descalços na madeira, e o painel pintado se abriu. O cabelo de
Kettricken tinha sido trançado havia pouco tempo, mas mechas bem finas já tinham se soltado
em volta do rosto. Seu longo roupão branco acentuava os tons do cabelo loiro, de forma que
parecia tão pálida quanto o Bobo.
– Precisa de alguma coisa? – perguntou-me com sono.
– Apenas da resposta a uma pergunta.
O fumo ainda ondulava através dos meus pensamentos. Eu queria sorrir, ser espirituoso e
esperto diante dela. Beleza pálida, pensei. Afastei o impulso da mente. Ela estava à espera.
– Se eu matasse o seu irmão esta noite – disse cuidadosamente –, o que você faria?
Ela nem sequer recuou.
– Eu te mataria, é claro. Pelo menos, exigiria a sua morte, justiça. Sou jurada à sua família
agora, eu própria não poderia derramar o seu sangue.
– Mas continuaria com o casamento? Ainda se casaria com Veracidade?
– Não quer entrar?
– Não tenho tempo. Você se casaria com Veracidade?
– Eu me prometi aos Seis Ducados para ser rainha. Eu me prometi ao povo. Amanhã, irei
me prometer ao Príncipe Herdeiro. Não a um homem chamado Veracidade. Mas, mesmo que
fosse de outra maneira, pergunte a si mesmo: qual das promessas me compromete mais? Já
estou vinculada. Não é só a minha palavra, mas a do meu pai. E a do meu irmão. Não ia querer
casar com o homem que ordenou a morte do meu irmão. Mas não é ao homem que eu me