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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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andanças do povo.

Tendo agora achado o povoado e as crianças mendigas, sentia-me atraído por eles como um

ímã durante os dias que se seguiram. Os dias de Bronco eram ocupados com seus afazeres, e

as noites, com a bebida e as comemorações da Festa da Primavera. Por isso, prestava pouca

atenção às minhas idas e vindas, desde que a cada noite me encontrasse na cama de cobertores

em frente à lareira. Na verdade, penso que não sabia o que devia fazer comigo, a não ser

assegurar-se de que eu estivesse suficientemente bem alimentado para crescer saudável e de

que dormisse seguro e confortável à noite. Não deve ter sido uma boa época para ele. Tinha

sido o homem de confiança de Cavalaria, e agora que Cavalaria tinha se banido, o que seria

dele? Tudo isso devia estar enchendo sua cabeça. E tinha o problema da perna. Apesar dos

seus conhecimentos de emplastros e curativos, não parecia ser capaz de fazer funcionarem

para si próprio os tratamentos que rotineiramente empregava nos animais. Uma ou duas vezes

vi seu ferimento descoberto e estremeci ao notar o corte rasgado que se recusava a cicatrizar

aos poucos, mas que se mantinha inchado e úmido. Em princípio, Bronco começava

amaldiçoando-o, e toda noite cerrava os dentes com força enquanto limpava o ferimento e

punha um novo curativo, mas, à medida que os dias passavam, olhava cada vez mais para o

machucado com um desespero doentio. Finalmente, conseguiu fechá-lo, mas a cicatriz

pegajosa torceu a pele de sua perna e desfigurou seu andar. Não é de admirar que desse pouca

atenção a um pequeno bastardo deixado aos seus cuidados.

E assim eu corria livre como apenas as crianças pequenas podem, sem ser notado na maior

parte das vezes. Quando a Festa da Primavera terminou, os guardas do portão da torre já

tinham se acostumado às minhas andanças diárias. Provavelmente pensaram que eu era um

garoto de recados, pois a torre tinha muitos desses, apenas ligeiramente mais velhos do que

eu. Bem cedinho, na cozinha da torre, aprendi a surrupiar comida suficiente para que Narigudo

e eu tivéssemos um belo café da manhã. Sair em busca de outros alimentos – os pães

queimados dos padeiros, os berbigões e algas da praia, e o peixe defumado das grelhas

abandonadas – tornou-se uma componente regular das minhas atividades diárias. Moli Sangra-

Nariz era a minha companheira mais frequente. Raramente vi o pai bater nela depois daquele

dia; a maior parte das vezes estava bêbado demais para encontrá-la ou concretizar as suas

ameaças quando efetivamente a encontrava. Sobre o que eu tinha feito naquele primeiro dia,

pensava pouco, a não ser para me sentir grato por Moli não ter percebido que tinha sido eu o

responsável.

O povoado havia se tornado o meu mundo, enquanto a torre era o lugar para onde eu ia na

hora de dormir. Era verão, uma estação maravilhosa numa cidade portuária. Para onde quer

que fosse, a Cidade de Torre do Cervo estava viva com as idas e vindas. As mercadorias

chegavam pelo rio Cervo, oriundas dos Ducados do Interior, em barcos grandes e achatados

conduzidos por barqueiros suados. Estes falavam com autoridade de bancos de areia e

marcos, e do subir e descer das águas do rio. A carga que traziam subia para dentro das lojas

da povoação e dos armazéns, e depois descia de novo para as docas, rumo aos porões dos

navios. Estes eram tripulados por marinheiros que praguejavam constantemente e que

desprezavam os homens do rio com os seus costumes de gente do interior. Falavam de marés e

de tempestades e noites em que nem mesmo as estrelas davam o ar da graça para guiá-los. E

os pescadores atracavam também nas docas de Torre do Cervo, e eram o grupo mais amistoso,

pelo menos quando havia fartura de peixe. Quim iniciou-me nas docas e tabernas, e me

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