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a fila irregular se formasse, e que o colocar e o atar de correias a fardos de última hora
terminassem. Então, quase abruptamente, os estandartes foram erguidos, uma trombeta foi
tocada, e a fila de cavalos, animais de carga carregados e gente começou a se mover. Olhei
uma vez para cima e vi que Veracidade tinha vindo para fora, tinha se colocado no topo da
torre e observado a nossa partida. Acenei para ele, mas duvido que me reconhecesse no meio
de tantos. E então estávamos fora dos portões, seguindo pelo caminho montanhoso que nos
levaria para longe de Torre do Cervo e para oeste.
O nosso caminho nos levaria pelas margens do rio Cervo, que percorreríamos nos extensos
baixios perto do local onde as fronteiras dos Ducados de Cervo e Vara se tocavam. Daí,
atravessaríamos as largas planícies de Vara, sob um calor escaldante que nunca tinha
experimentado antes, até chegarmos ao Lago Azul. Do Lago Azul, seguiríamos um rio que se
chamava simplesmente Frio, cujas fontes eram no Reino da Montanha. No Vau do Frio
começava a estrada de mercadores, que seguia entre as montanhas e através das florestas,
sempre subindo, até o Desfiladeiro das Tempestades, e daí rumo às densas florestas verdes
dos Ermos Chuvosos. Não iríamos tão longe, mas pararíamos em Jhaampe, que era o povoado
mais parecido com uma cidade que o Reino da Montanha possuía.
Em certos aspectos, aquela foi uma viagem com muito pouco de extraordinário, se forem
descontados todos os incidentes que inevitavelmente acontecem durante essas jornadas.
Depois dos primeiros três dias, estabeleceu-se uma rotina notavelmente monótona, variada
apenas pelas paisagens diferentes por que passávamos. Cada pequena aldeia ou lugarejo ao
longo da estrada aparecia para nos saudar e atrasar, oferecendo-nos os seus melhores votos
oficiais e felicitações para as festividades de núpcias do Príncipe Herdeiro.
Depois de chegarmos às extensas planícies de Vara, esses lugarejos tornaram-se bastante
raros e longínquos. As chácaras prósperas e cidades mercantis de Vara ficavam longe, a norte
do nosso caminho, ao longo do rio Vim. Atravessamos as planícies de Vara, onde a população
era constituída sobretudo de pastores nômades, que formavam aldeias apenas quando se
instalavam ao longo das rotas de mercadores, nos meses de inverno, o qual chamavam de
“estação verde”. Passamos por rebanhos de ovelhas, cabras, cavalos ou, mais raramente,
suínos perigosos e esguios que eles chamavam de haragares, mas o nosso contato com as
pessoas da região era normalmente limitado à visão de suas tendas cônicas ao longe ou de
algum pastor levantado na sela, segurando alto o seu cajado em um gesto de saudação.
Mano e eu retomamos a nossa familiaridade. Partilhávamos as refeições e a pequena
fogueira que utilizávamos para cozinhar à noite, e ele me deliciava com narrativas das
preocupações de Severino: pó que se juntava nas vestes de seda, insetos que se enfiavam nos
colarinhos de pele, veludo que ia se puindo em pedaços pela longa jornada. Mais sombrias
eram as suas queixas sobre Bulho. Eu próprio não tinha memórias agradáveis daquele homem,
e Mano o achava um companheiro de viagem opressivo, pois parecia suspeitar constantemente
que Mano tentava roubar os embrulhos de pertences de Majestoso. Uma noite, Bulho acabou
vindo à nossa fogueira, onde, com muito trabalho, nos deu um aviso vago e indireto contra
qualquer um que pudesse ser parte de uma conspiração para roubar o seu senhor.
O bom tempo continuou e, embora suássemos bastante de dia, as noites eram muito amenas.
Eu dormia em cima do cobertor e raramente me dava ao trabalho de procurar qualquer outro
abrigo. Todas as noites, checava os conteúdos da minha arca e tentava evitar, o melhor
possível, que as raízes ficassem completamente desidratadas e que o movimento desgastasse