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abertas eram diferentes de tudo o que eu tinha visto antes, tecidos em padrões geométricos que
de alguma forma sugeriam campos de flores sob um céu azul. Um larga taça de cerâmica
continha flores flutuantes, e um peixinho esguio e prateado nadava entre os caules e sobre as
pedrinhas de cores vivas que forravam o fundo. Tentei imaginar o Bobo, pálido e cínico, no
meio de toda aquela cor e arte. Dei mais um passo para dentro do quarto e vi algo que fez meu
coração saltar do peito.
Um bebê. Foi o que pareceu ser em princípio e, sem pensar, dei os dois passos seguintes e
ajoelhei-me ao lado do cesto que lhe servia de berço. Não era uma criança viva, mas um
boneco, feito com uma arte tão incrível que quase fiquei esperando ver o pequeno peito se
mover com a respiração. Estendi uma mão para aquele rosto delicado e pálido, mas não ousei
tocá-lo. A curva da sobrancelha, as pálpebras fechadas, o rosa-claro que corava as
minúsculas bochechas, mesmo a pequena mão que descansava sobre a colcha eram mais
perfeitos do que eu supunha que uma coisa feita pudesse ser. Em que barro delicado tinha sido
trabalhado, eu não podia adivinhar, nem que mão tinha pintado os cílios minúsculos que se
curvavam sobre as bochechas da criança. A pequena colcha tinha sido toda bordada com
amores-perfeitos, e o travesseiro era de seda. Não sei quanto tempo fiquei ali ajoelhado, tão
silencioso como estaria na presença de um bebê de verdade dormindo. Mas por fim eu me
levantei, saí do quarto do Bobo e fechei a porta silenciosamente atrás de mim. Desci
lentamente a miríade de degraus, apavorado pela ideia de poder encontrar o Bobo subindo, e
com o peso do conhecimento de que tinha descoberto um habitante da torre que estava pelo
menos tão sozinho quanto eu.
Breu me chamou nessa noite, mas, quando fui encontrá-lo, pareceu não ter mais propósito
em me chamar do que me ver. Nós nos sentamos quase em silêncio diante da lareira sombria,
e pensei que ele parecia mais velho do que nunca. Da mesma forma que Veracidade tinha sido
devorado, Breu estava consumido. As mãos ossudas pareciam quase desidratadas, e o branco
dos olhos parecia ter uma teia de sangue. Precisava dormir, mas, em vez disso, tinha me
chamado. E, contudo, ali estava ele sentado, quieto e silencioso, mordiscando de vez em
quando a comida que tinha colocado diante de nós. Passado algum tempo, decidi ajudá-lo.
– Você tem receio de que eu não seja capaz de fazer isso? – perguntei delicadamente.
– Fazer o quê? – perguntou, ausente.
– Matar o príncipe da montanha, Rurisk.
Breu virou-se para me encarar. O silêncio foi mantido por um longo momento.
– Você não sabia que o Rei Sagaz tinha me mandado fazer isso – gaguejei.
Virou-se lentamente para a lareira vazia e estudou-a cautelosamente como se houvesse
chamas ali para ler.
– Sou apenas o homem que faz as ferramentas – disse, por fim, com tranquilidade. – Outro
homem usa aquilo que eu faço.
– Pensa que essa é uma... tarefa ruim? Errada? – tomei fôlego. – Pelo que me foi dito, ele
não tem muito tempo de vida, de qualquer maneira. Poderia ser quase um ato de misericórdia,
se a morte viesse tranquilamente durante a noite, em vez de...
– Garoto – observou Breu calmamente –, nunca finja que somos outra coisa além do que
somos. Assassinos, e não agentes misericordiosos de um rei sábio. Assassinos políticos
traficando morte para proveito da nossa monarquia. É isso que somos.
Era a minha vez de estudar fantasmas de chamas.