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O Aprendiz De Assassino - Saga - Robin Hobb

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tortuosas, e as pedras do pavimento se moviam e escapavam dos seus lugares sob o peso das

carroças que passavam. O vento castigava o interior das minhas narinas com o cheiro de algas

e barrigadas de peixe, enquanto o gemido das gaivotas e das aves marinhas era uma melodia

fantasmagórica sobre o murmúrio rítmico das ondas. O povoado se agarrava ao rochedo

íngreme e negro como os moluscos e crustáceos se agarram às docas que se estendem pela

baía. As casas eram de pedra e madeira, e as mais elaboradas estavam entre as de madeira,

construídas na parte mais alta da face rochosa, e mais profundamente incrustadas nela.

A Cidade de Torre do Cervo estava relativamente sossegada, em comparação com as

festividades e multidões na torre. Nenhum de nós tinha o bom senso ou a experiência

necessária para saber que a região da cidade em frente ao mar não era o melhor lugar para

uma criança de seis anos e um cãozinho vaguearem. Narigudo e eu explorávamos avidamente

os lugares, farejando o nosso caminho pela Rua do Padeiro, passando por um mercado quase

deserto e, depois, pelos armazéns e galpões para barcos que ficavam na parte mais baixa do

povoado, onde havia água por perto e andávamos nos cais de madeira com tanta frequência

como em areia e pedra. Os negócios aqui corriam como de costume, pouco influenciados pela

atmosfera carnavalesca que se fazia sentir lá em cima, na torre. Os navios devem atracar e

descarregar conforme permitem a subida e a descida das marés, e os que vivem da pesca têm

de seguir os calendários dos bichos de barbatanas e não os dos homens.

Logo encontramos crianças, algumas ocupadas com as tarefas menores dos afazeres dos

seus pais, mas algumas ociosas como nós. Eu me relacionei facilmente com elas, com pouca

necessidade de apresentações ou quaisquer outras regras de educação dos adultos. A maior

parte delas era mais velha do que eu, mas também havia aquelas da mesma idade ou mais

novas. Nenhuma pareceu achar estranho que eu andasse por ali sozinho. Fui apresentado a

todas as vistas importantes da cidade, incluindo o corpo inchado de uma vaca que tinha sido

levada pelas ondas na última maré. Visitamos um barco novo de pesca em construção numa

doca cheia de lascas enroladas de madeira e com forte cheiro de resina derramada. Uma

grelha de defumar peixe, deixada a deus-dará, forneceu uma refeição do meio-dia para meia

dúzia de nós. Se as crianças com quem eu estava eram mais malvestidas e barulhentas do que

as que passavam por nós, ocupadas com as suas tarefas, não me dei conta disso. E se alguém

tivesse me dito que eu estava passando o dia com um bando de fedelhos vagabundos,

proibidos de entrar na torre por causa dos seus hábitos de mão-leve, teria ficado chocado.

Naquela altura sabia apenas que era um dia subitamente animado e agradável, cheio de lugares

aonde ir e coisas para fazer.

Havia alguns meninos, maiores e mais arruaceiros, que teriam aproveitado a oportunidade

de intimidar o recém-chegado se Narigudo não estivesse comigo e não tivesse mostrado os

seus dentes ao primeiro empurrão agressivo. Mas como não mostrei nenhum sinal de querer

contestar a liderança deles, recebi permissão para segui-los. Além disso, estava

convenientemente impressionado com todos os segredos deles. Eu até arriscaria dizer que, no

final da longa tarde, conhecia melhor o bairro pobre da povoação do que muitos dos que

cresceram nele.

Não perguntaram o meu nome. Chamaram-me simplesmente de Novato. Os outros tinham

nomes tão simples quanto Ricardo ou Quim, ou tão descritivos quanto Picuinha e Sangra-

Nariz. Esta última poderia ter sido uma menina muito bonita em circunstâncias mais

favoráveis. Era um ou dois anos mais velha do que eu, mas muito direta e esperta. Meteu-se

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