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não temos.
As minhas esperanças foram outra vez esmagadas. Esta segunda onda de desapontamento
me afundou, esmagando-me contra rochedos de frustrações. Todas as minhas memórias se
reordenavam e, num acesso de raiva, percebi tudo o que tinha sido feito comigo. Se não fosse
Ferreirinho, teria atirado a minha vida às pedras na base da torre naquela noite. Galeno tinha
tentado me matar, tão seguramente como se tivesse empunhado uma faca. Ninguém teria sequer
sabido como ele tinha me eliminado, com exceção do seu leal círculo. E, embora tenha
falhado nisso, ele tinha roubado de mim a possibilidade de aprender como usar o Talento.
Tinha me estropiado, e eu ia... fiquei de pé, num sobressalto, furioso.
– Ei. Seja lento e cuidadoso. Você possui um motivo legítimo para querer se vingar, mas
não podemos ter discórdia dentro da torre nos dias de hoje. Carregue-a contigo até ter uma
chance de acertar as contas com tranquilidade, pela saúde do rei.
Baixei a cabeça à sabedoria do seu conselho. Ele ergueu a tampa do prato que continha uma
pequena ave assada e a deixou cair outra vez.
– E, de qualquer maneira, por que iria querer aprender o Talento? É uma coisa terrível. Não
é ocupação adequada para um homem.
– Para te ajudar – disse, sem pensar, e descobri de repente que era verdade.
Antes, teria sido para me provar um verdadeiro e condigno filho de Cavalaria, para
impressionar Bronco ou Breu, para melhorar a minha posição na torre. Agora, depois de
observar o que Veracidade fazia, dia após dia, sem elogios nem reconhecimento dos súditos,
descobri que apenas queria ajudá-lo.
– Para me ajudar – repetiu ele. Os ventos de tempestade estavam diminuindo. Com uma
resignação exausta, levantou os olhos para a janela. – Leve a comida daqui para fora. Não
tenho tempo para comer.
– Mas você precisa de força – protestei. Com culpa, sabia que ele tinha gastado comigo o
tempo que devia ter usado para comer e dormir.
– Eu sei. Mas não tenho tempo. Comer gasta energia. É estranho perceber isso. Não tenho
nenhuma energia extra para dispensar neste momento.
Os seus olhos começaram a sondar à distância, fitando através da chuva que tinha acabado
de começar a afinar.
– Eu te daria a minha força, Veracidade. Se pudesse.
Olhou-me com estranheza.
– Tem certeza? Certeza absoluta?
Não podia compreender a intensidade da pergunta, mas sabia a resposta.
– Claro que sim – e falei com mais tranquilidade: – Sou um homem do rei.
– E do meu próprio sangue – acrescentou ele.
E suspirou. Durante um momento, pareceu sentir-se enjoado. Olhou outra vez para a comida
e outra vez para a janela.
– O tempo é exato – sussurrou. – E pode ser suficiente. Maldito seja, pai. Será que tem de
ganhar sempre? Venha cá então, garoto.
Havia uma intensidade nas palavras dele que me assustou, mas obedeci. Assim que eu
estava parado ao lado da sua cadeira, estendeu-me uma mão. Colocou-a no meu ombro, como
se precisasse de ajuda para se levantar.
Olhei para cima em direção a ele, do chão. Havia uma almofada debaixo da minha cabeça,